quinta-feira, agosto 19, 2010

A Ilusão do Vassalo

Quando Timothy sentou-se na platéia o professor Frederico Nimbus já havia iniciado sua conferencia.

Timothy estava de péssimo humor. Não era um sujeito de meias palavras e tinha passado uma noite péssima. Eram muitos os motivos para estar puto. A fim de entender e tentar domesticar sua ira resolveu criar uma hierarquia de aporrinhações. Por alguma razão que desconhecia, achou que o motivo principal de seu ódio fora a exclusão de seu nome na listagem de artistas divulgada pelo novo curador do Museu de Arte de Sacramento. Que merda! Porque li o jornal logo depois do almoço. Resmungava Timothy pra si próprio. Ele desprezava o sujeito. O considerava um anêmico mental, um serviçal de dois mestres da Universidade Católica de Cancun.

- Ser subalterno de dois mentores é submissão em dose dupla. A que ponto chegamos! Conjecturava Timothy.

A rebeldia intelectual de Timothy era progressiva, Se não reduzisse o fluxo sanguíneo no cérebro seria capaz de cometer uma loucura. Diabos! Sou obrigado a reconhecer que os incompetentes têm uma puta capacidade de articulação. Sozinhos não se garantem, não representam nada, porém, agregados numa rede de afamados tornam-se poderosos. Lótus Caminha é o protótipo mais perfeito e acabado da escravidão mental. A fim de estimular sua vocação subalterna freqüentou os cursos de historia do professor Paulino e sentava na fila do gargarejo, embasbacado com as palavras do intelectual free lancer Brutus . Os dois são os maiores expoentes da maquiavelice cultural. Seus cursos na católica são muito concorridos. A freqüência é ultra selecionada. A mulher do diretor de um grande jornal é mais que uma aluna, é uma militante convicta, disposta a tudo para difundir as idéias e apoiar os planos culturais dessa parelha de intelectuais. Certamente, por influencia deles, a madame Debuxe conseguiu empregar Lótus Caminha, seu colega de mestrado, no jornal A Província, uma das empresas de seu marido. Lótus é um sujeito sem idéias próprias. Na universidade cumpriu mediocremente o currículo e conseguiu se graduar. Seus textos são chatíssimos. Porém, uma coisa é inegável, Caminha tem a qualidade básica para galgar cargos importantes. É obediente como uma mula e um servidor dócil que cumpre à risca as determinações de seus tutores. Lótus sempre foi um subalterno opaco. Um big ass!Todavia, Lótus está no comando do Museu de Sacramento e Timothy está puto da vida.

-... A crise ética das sociedades contemporâneas do ocidente não se restringe apenas a esfera econômica. O setor cultural, sobretudo, o campo da arte, vem sendo manipulado de forma venal e indecente por indivíduos inescrupulosos, alheios e insensíveis a complexidade da arte de nossos dias. As instituições culturais foram o foco inicial de uma ação política sem precedentes na historia da arte. O que hoje assistimos teve inicio nos anos 80 e agora - em 2010 - atingiram o clímax da desfaçatez. Ao afirmarem que os jogos sócio - culturais são partes integrantes e inseparáveis da realidade, alguns intérpretes da atualidade desviam o enfrentamento do problema e evitam pensar sobre qualquer assunto grave e complicado no campo da arte. Parece um bando de jogadores em campo ensaiando jogadas de efeito para um jogo com resultado combinado de antemão. As instituições culturais não respondem e certamente não responderão tão cedo à pergunta: os jogos culturais da atualidade estão sendo praticados com signos culturais? Qualquer míope sabe que não! Porem, não existe o menor interesse por parte de um curador, por exemplo, de responder essa pergunta. De um tempo para cá, o curador se tornou o dono da bola, do campo e do resultado do jogo. Um jogo viciado! Recentemente, um artista me confidenciou que foi excluído de uma exposição do acervo de um Museu que possui varias obras suas. O mais grave nesse episódio, ainda segundo o artista, é que a exposição era voltada para um período em que ele estava em visível atuação. A exclusão ocorreu por determinação do curador da instituição. Entendo que o curador não tenha por obrigação trocar simpatias com quem quer que seja. Essa é uma hipótese possível e ate certo ponto um procedimento freqüente e tolerável, nas relações interpessoais. Contudo, que autoridade superior se arroga um curador para negar ao público - friso, negar ao público - a possibilidade de contemplar obras que não gosta ou, em casos extremos, obras de um artista pelo qual não tem nenhuma simpatia? Mais absurdo ainda é o fato que, se o curador excluiu as obras desse artista por desconhecer totalmente o período sobre o qual organizou sua curadoria, deveria, então, ser demitido por justa causa. Se não conhece um período que pretende trabalhar deveria, no mínimo, estudar o que não sabe antes de apresentar ao publico a mesquinhez da sua visão da arte de um período. Ou, então, voltar para escola e reclamar o dinheiro que investiu na sua precária formação. Desse episodio execrável podemos deduzir que a política institucional da arte está sujeita as idiossincrasias dos seus gestores. Isso é uma aberração!

Qual o baralho que está sendo usado no jogo da arte contemporânea? O tarô? Não, nada disso! O jogo cultural da atualidade está sendo jogado com dados afetivos e mercantis e pautado em estratégias alheias ao campo da arte. Tornou-se um jogo de cartas marcadas onde apenas o cassino ganha. As instituições culturais tornaram-se cassinos, o curador o corrupie e o comando superior da instituição, ainda que não pertença à máfia, é apenas uma instancia representativa, alheia as questões da arte e irresponsavel no que tange o atendimento ao público. Ocorre, todavia, que o desenho de uma instituição cultural é traçado pela imparcialidade, a excelência profissional e a clareza de princípios. São esses fatores que alicerçam a instituição cultural num grau de Verdade, verdade no sentido de honestidade cultural e legitimidade, não uma Verdade cientifica,é claro. Como podem ver, estamos diante de uma crise ética de proporções arrasadoras... “

Antes mesmo desses três pontos da conferencia de Nimbus, Timothy já era senhor dos seus sentidos, O mundo das idéias, da ética, da inteligência e coragem ali apresentado havia resgatado sua alegria, revelando, ao mesmo tempo, o esplendoroso poder do homem de reverter as veleidades do destino.