sábado, agosto 07, 2010

Arte pós humanista -Uma cronica






Para RáAntunes a palavra ateliê é apenas uma menção nostálgica e antiquada de um lugar mítico onde artistas da antiguidade pós moderna criavam e produziam obras de art. Rá,é um expoente da primeira casta de artistas do pós-humanismo. Ele é um sujeito dinâmico e ultra-flexível. Sua ascensão ao pódio das celebridades das artes ocorreu em paralelo ao esgotamento das tendências estéticas pautadas nas ideias duchampianas, beyusianas e similares. Sua chance apareceu quando os artistas e amantes dos produtos estéticos oriundos de uma subteoria remendada com recortes de antropologia cultural acabaram com o estoque de materiais inéditos de uso artístico corrente e as questões artificiais, relativas ao uso dos materiais,ruínas,escombros e entulhos de tempos distintos, não resultavam em pesquisas extravagantes para resultados simplórios e não entusiasmavam mais ninguém. O mundo das artes precisava de algo NOVO.

Foi nesse interregno que Rá entrou de sola.As balelas relativas ao uso imaginativo dos materiais cansou os deslumbrados e seguidores e as pesquisas se tornaram coisas do passado,saíram de moda.Rá foi o precursor da arte imaterial criada simultaneamente em diversos laboratórios espalhados nas centenas de bienais que ocorrem em todo o planeta. Mas, antes de falar das virtudes de Rá é adequado que eu os apresente seu principal teórico e articulador político. É bom que saibam de antemão que no pós-humanismo não existe arte sem política, marketing pessoal,polêmicas artificiais e seguidores apatetados. Nesse novo mundo tudo é artificial, sobretudo, a arte. Dionísio Pepper é, nesse contexto, uma peça crucial das estratégias avançadas de Rá.

Mas, quem é Dionísio?
Uma biografia resumida, já que a militância artística de Dionísio é veloz e sucinta, nos informa que ele formou-se em economia numa faculdade de Alagoas. Por força de sua simpatia e entrosamento com a alta sociedade local foi o único em toda a instituição a ser beneficiado com uma bolsa de estudos em Londres onde, durante um longo e penoso ano, freqüentou um curso de marketing financeiro num famoso MBA inglês. De volta ao Brasil,amparado pela rede de contatos políticos em sua terra natal, não teve dificuldades em obter um bom emprego num grande banco paulista.
Durante sua temporada londrina compactou seus desejos numa estratégia de objetivos precisos. Dependia dos seus conhecimentos em economia para sobreviver,contudo, sua sensibilidade para arte também podia ser aplicada economicamente.
-Por que não?Estava convencido de que nos dias de hoje, qualquer pessoa que junte Lé com Cré pode se destacar no ambiente cultural.
-No conjunto de experts que atuam no campo da arte no Brasil, eu sou um gênio!Especulava entusiasmado.
Como ninguém é de ferro, nas horas vagas Dionísio passeava nos museus ingleses. Numa dessas andanças, extasiado diante de uma obra de Damien Hirst, Dionísio esbarrou em Herbert Ward. Na troca de desculpas e gentilezas os dois terminaram sentados na cafeteria do museu trocando figurinhas. Após as apresentações de praxe Herbert foi direto ao ponto revelando que se colocara intencionalmente como um obstáculo entre Dionísio e a obra do mais famoso star da arte pós-humana. Hesitante por alguns segundos, Ward acrescentou que fez isso porque ficou comovido com a visão de entrega total de Dionísio à obra de Hirst e que isso o havia provocado profundamente. Emocionado, Dionísio esqueceu os compromissos da tarde e os dois saíram a passear pelas simpáticas ruas londrinas. Num bucólico trecho da Carnaby Street, Ward confidenciou que essa tarde havia sido maravilhosa para ele. Disse baixinho que antes do encontro com Dionísio estava tenso e angustiado pois, por coincidência, nessa mesma tarde, a comissão do Royal Scholl of Art estava reunida para decidir entre três nomes, aquele que seria o curador da mais nova bienal do planeta- A Bienal do Cazaquistão.
Os dois se despediram na frente da entrada do metro, não sem antes Ward propor trocarem seus números de telefones.Na oportunidade insinuou que gostaria de comunicar a Dionísio a decisão do Real Conselho.
Ward se tornou curador. Logo se entende o que os dois comemoraram a luz de velas num restaurante próximo ao Royal Museum, local onde haviam se conhecido. Depois desse comovente jantar os dois passaram a dividir um único lençol e a comungarem a mesma profissão.
Desse entrosamento afetivo nasceu o Dionísio que conhecemos. Teórico, professor de arte, curador e consultor artístico de grandes empresas e coleções de arte brasileiras. Ainda que seu maior êxito editorial seja a enorme coleção de passaportes integralmente carimbados e com todas as folhas,frente e verso, esgotadas.Dionísio deu muitas entrevistas e publicou quatro livros sobre arte contemporânea. Todos, direta ou indiretamente, vinculados à obra de Rá. O texto mais notável de Dionísio teve o triunfante titulo: Das Glorias de ser curador de Bienal.
Nesse ínterim Rá dava murros em ponta de faca para vencer os contratempos e o fervor moral dos pós – pós - modernistas.
Suas experiências laboratoriais estavam travadas por falta de compreensão das autoridades e absoluto desinteresse do mercado de arte.
O problema com o mercado era facilmente resolvido já que Rá tinha uma malta de fiéis seguidores dentro da burocracia cultural Planaltina. Sempre que podiam o colocavam num projeto incentivado. O clube dos curadores sistematicamente o indicava para uma Bienal.Seja do Mercosul,Veneza ou Venezuela.Vai daí que Rá participava em media,num ano, de dezoito bienais mundo afora.Tudo devidamente subvencionado.
Não esqueçam que Rá já havia participado de duas quadrienais de Kassel. Sua ultima participação foi motivo da publicação de um caderno especial da Folha de São Paulo pleno de elogios. Até o ministro da cultura participou da iniciativa comprando uma página inteira do caderno para publicar um anuncio do governo.
Mas, mesmo esse sucesso todo não tranqüilizava Rá. Ele queria mais!Sabia que podia mais!
Suas pesquisas NeuroEstéticas estavam ocorrendo na clandestinidade. Isso o aborrecia terrivelmente.
Rá estava estafado, ansioso e revoltado. Uma editora especializada em arte pós humana estava insistindo há mais de um ano para que ele publicasse mais um livro de Obras Completas.
-Ora, já fiz nove livros de obras completas em 12 anos de carreira artística. O que esses caras querem de mim?Sugar meu sangue? Esbravejava pelos cantos do seu laboratório doméstico. Um apartamento no Leme totalmente decorado com suas incisões estéticas. Esse era seu refugio que, aliás, já tinha sido mostrado ao publico pela mídia quando de uma entrevista sobre seu sucesso internacional e suas idéias para a nova arte global.
-Às favas o meu estupendo prestígio se o que desejo me impedem de realizar. Resmungava por entre tubos de ensaio, fios condutores, plasmas e cérebros humanos imersos em líquido colorido dentro de compartimentos vítreos.
-É o moralismo religioso dessa gente hipócrita!Dizia em tom baixo, quase inaudível.
-A reação dos marchands que investiram pesado na arte pós pós moderna é de um conservadorismo atroz e depravado. Coisa do passado remoto, ainda protegido pela fé duchampiana. Vocês não imaginam como esse troço atrapalha os avanços estéticos e atravanca minhas experiências! Confidenciou Rá a seus embasbacados admiradores mais íntimos.
Todavia, o providencial retorno de Dionísio ao Brasil salvou o futuro de interveniências antiquadas e improdutivas.
Vejam o que diz Rá sobre isso:
-Minha ultima IncisãoEstética proposta para a Bienal foi quase vetada porque um bando de petulantes resolveu impedir que Dionísio em co-curadoria com Hebert Ward mais aquela senhora de Kassel que não lembro o nome e o curador atual da Bienal do Cazaquistão;Severino Albuquerque Cavalcanti, tornassem o primeiro andar do pavilhão da Bienal de São Paulo um laboratório neuro-estetico a céu aberto,quer dizer,não totalmente aberto, já que estaria protegido pela construção.
- Meu Deus, isso é pura ignorância! Protestou Mairá Deware, a mais famosa instaladora artística do pós humanismo.
-Cai de joelhos, em transe religioso, quando visitei esse ano sua exposição Caos Cibernético, no palácio do governo da Bahia.Meu Deus!Como proibir o povo de ver aquela maravilhosa fileira de homens e mulheres, com o tampo da cabeça decepado, porém, vivos, cérebro à mostra, sobre os quais você motivava impulsos elétricos estimulando as áreas do prazer e da dor?Gente imbecil, nem ao menos sabem que o cérebro não sente dor!Tive um ataque de nervos quando um artista provinciano que tem o nome de um centurião romano resolveu quebrar tudo e liberar os suportes, quer dizer, os corpos humanos. Pra mim, o cara quis fazer um “contra evento” e criar fama internacional nas suas costas! Disse Mairá.
-Deixa pra lá, são os ossos do oficio. Retrucou Rá, que sempre se refere aos órgãos do corpo humano em suas especulações filosóficas,estéticas e até mesmo políticas.
-É verdade!Complementou Ermenegildo Silva um artista sub-intelectualizado em voga no momento.
-É inesquecível!Aquelas fileiras humanas dispostas simetricamente. Para mim era uma critica contundente ao nazismo.Não via quem não quisesse ver,ou tivesse olhos pra ver.Me emocionei ainda mais com aquela tenda negra,misteriosa e impenetrável que com uma luz tênue a piscar randomicamente, nos remetia aos mistérios da mente,quer dizer,do cérebro,ou melhor dos dois,né?Concluiu Ermenegildo.
Para o bem geral e irrestrito, a rede de relações políticas e midiaticas de Dionísio, o apoio do presidente da Bienal e de um grande numero de artistas comprometidos com o pós humanismo, firmou-se num pacto que protegeu com determinação e empenho a liberdade de expressão contra os ataques de uma gente preconceituosa,moralista e que nada entende de arte, . A pós humanidade é mais uma vez devedora do esforço e dedicação de poucos para o beneficio de muitos e,sobretudo, para o avanço da Arte, a qualquer custo.