domingo, agosto 22, 2010

Aventura entrevada

“È muito excitante estar cercada por predadores maravilhosos!”

-Há mais de uma hora o episódio da série Semana do Tubarão tinha encerrado e essa frase continuava nadando na minha mente. Imagens submarinas são para mim cenários atraentes. O silencio subaquático e as maravilhosas formas de vida marinha me encantam. Eu apreciava os documentários do Cousteau. Hoje, é tudo diferente. Um novo foco tomou conta das produções. O pesquisador deu lugar ao homem comum nas aventuras pseudocientificas. A idéia de que tudo é possível a qualquer pessoa tornou-se o modelo de varias produções atuais. Invés de um pesquisador treinado para desafios arriscados, os documentários apresentam pessoas sem nenhum conhecimento especifico entrando em vulcões, atravessando uma geleira infindável ou um deserto árido cheio de bichos venenosos. Um casal chato é o centro de aventuras arriscadas. Uma loura bonita e seu parceiro bonitão mergulham nas profundezas do pacifico, invadem o habitat da vida marinha e vão encher o saco dos “predadores maravilhosos”. Realizado em tecnologia high definition e recheado de comentários idiotas a maior parte desses documentários revelam, sobretudo, o grande potencial humano para a chatice. Roteiros aborrecidos suprem apenas a curiosidade superficial. Depois de duas doses tornam-se atrações requentadas. Irrita-me constatar que nem mesmo os animais que vivem nas profundezas dos mares conseguem escapar da tolice humana. Após esgotarem o repertório de bobagens humanas na superfície terrestre os produtores de documentários sobre a natureza resolveram esgotar a paciência dos tubarões. Durante alguns segundos torci para que um “predador maravilhoso” engolisse a lourinha vestida em trajes subaquáticos cintilantes que alegremente alimentava os tubarões com pescados mortos e devidamente limpos, tripas e cabeças retiradas, contidos numa sacola amarela. Enquanto alimentava os tubarões a atriz soltava gritinhos excitados e comentava sobre a violência da mordida dos animais. Os gritinhos da moça e o abastecimento de atuns mortos e limpos aos tubarões esgotaram minha paciência.

O significado da aventura foi tão aviltado que deixou de ser um desafio ao conhecimento e uma narrativa inquietante dos mistérios do mundo e da vida ou uma epopéia sobre o medo do homem. Tornou-se, de um tempo para cá, uma mesmice e apenas mais um item na vitrine do consumo inútil. Aliás, as farsas insípidas sobre os medos do homem tornaram-se ícones banais, desprovidos de conteúdo capaz de mobilizar nossa consciência sobre o lado obscuro das coisas. Um tubarão num tanque de formol, exposto numa galeria de arte, é apenas um estimulo superficial para o deleite dos freqüentadores dos ambientes cosmopolitas internacionais.

-Oh! Como são formosos, elegantes e assustadoramente belos os predadores vorazes! Exclama uma grã fina enrolada no seu casaco de pele de 50 mil dólares, diante da fera imóvel, aprisionada num container transparente sobre um branco piso de mármore de Carrara. Afinal, não é apenas um tubarão - é uma obra de arte. Isso é, em si, assustador. Um susto tão agradável quanto uma cócega, desprovido da consciência do medo.

-Ontem sonhei que um casaco de vison se vingou da sua proprietária. Ao chegar à mansão a senhora X tentou retirar a veste de pele e não conseguiu. Chamou o marido, um milionário esquálido, que também não obteve êxito. Veio a arrumadeira, o mordomo, o cozinheiro e até o jardineiro fortão e nada do casaco sair. Acordei quando os paramédicos tentavam salva-la do aquecimento global, quer dizer; pessoal, enfiando-a, com casaco e tudo, num freezer, disse Salomé.

-Coitada! Ela despertou a ira da natureza e acabou indo morar pro resto da vida numa geleira artificial. Quem me dera pudesse programar um sonho onde a atriz do documentário da Semana dos Tubarões fosse devorada por uma fera aquática. Falou Frederico.

-Sobre essas vestimentas caras feitas com peles de animais, me contaram uma historia que parece verdadeira. Numa cidade do nordeste do Brasil, onde o calor alcança 50º à sombra, varias senhoras da alta sociedade possuíam casacos de pele caríssimos. Ocorre que nos trópicos essas vestimentas são proibitivas. Porém, no inverno – para os pirados a designação das estações do ano autoriza qualquer arbritariedade – essas senhoras pediam aos anfitriões das festas e recepções que regulassem o ar condicionado para 10º. Quando a sauna natural dos trópicos atingia 15º as madames surgiam nos salões como Cinderelas glaciais, cada uma portando um casaco de pele mais caro que o outro.

-Ah! Isso é piada, Salomé.

-Não!É um fato! Isso acontecia nas décadas de 50/60. Não sei se continua acontecendo. Soube disso através da filha do cônsul da Itália que durante três anos morou numa capital do nordeste.

-A soberba desconhece fronteiras. Ocorre nos salões refrigerados do nordeste brasileiro e numa galeria sofisticada em Knights Bridge. A estupidez é uma moléstia global. Completou Frederico.