quarta-feira, julho 05, 2006

Terrorismo:Estética e Estratégia





Adriano de Aquino
Em 11 de maio de 2004, Steven Kurtz, professor e artista contemporâneo, fundador do Critical Art Ensemble CAE - Nova York foi preso por utilizar substancias letais, bactérias e outros agentes químicos, sinteticamente processados, em suas performances e instalações que simulavam atos de terrorismo bacteriológico. Ele não é o primeiro artista retido por agencias de segurança. Com os perigos que rondam o planeta, certamente, não será o ultimo.
Muitas pessoas consideraram Kurtz um tolo exibicionista. Outros aproveitaram a reação oficial para protestar contra os reacionários, as agencias de segurança, a policia, o pai castrador, a mãe super protetora e toda ordem constituída. Os mais avisados não engoliram a isca. Sabem que chocar a sociedade tornou-se rotina. Além disso, convenhamos, a casta de artistas contemporâneos que arroga para si uma clarividência extraordinária e messiânica encontrou nesses recantos obscuros uma fonte de inspiração. Esse artifício tornou-se, nos últimos anos, uma chatice insuportável.A ânsia de arrebatar um público planetário parece uma ambição comum a muitos artistas contemporâneos. Heróis apocalípticos fazem um sucesso estrondoso. Al Gore, por exemplo, é um herói apocalíptico arrumadinho, bem alimentado e bem penteado. Esses personagens messiânicos encontraram na insegurança planetária um território fértil para suas proezas. Claro que artistas graduados pelas academias de arte não poderiam ficar fora dessa nova onda global. Os equívocos de suas manifestações amontoam problemas. Indiferentes as conseqüências, esses Don Quixotes enfiam os pés pelas mãos quando se metem a estetizar ou pontificar sobre o arsenal bacteriológico e a rede de conexão global. Patetices tornam-se, da noite para o dia, espetáculos arrebatadores porque são planejados para interagir em rede. Reproduzem os eventos gestados dentro de cavernas escuras do Afeganistão ou em sombrios gabinetes de Washington que visam às múltiplas conexões da rede de comunicação global em tempo real, com objetivos recíprocos de potencializar o medo e a insegurança onde quer que seja. Quem navega na internet já teve oportunidade de ver filmes sobre ações militares, realizados por soldados norte americanos no Iraque como se fossem imagens de grupos estudantis em férias no estrangeiro.Entre as inúmeras manifestações após os ataques as torres do WTC a de um artista merece destaque especial.Stockhausen afirmou que o atentado de 11 de setembro se tratava, sobretudo, da maior obra de arte de todos os tempos”. Sua frase nos colocou diante de um complexo problema. Sua declaração rompeu as fronteiras da representação apropriando-se de um evento em tempo real. Foi duramente criticado, por ter usado inadequadamente uma tragédia que extirpou mais de três mil vidas apenas por que em sua cabeça “criativa” estabeleceu paralelos entre o 11 de setembro e um gesto artístico de dimensões inéditas. Tipo um concerto de Três Tenores banhado de sangue, distribuído em tempo real pela rede de computadores mundo afora. Ele vislumbrou no episodio uma nova versão da tragédia grega em tempo real e escala global.
Mesmo aqueles que viram nessa declaração uma performance em si foram comedidos em suas considerações. Outros, mais moderados, entenderam as palavras de Stockhausen como uma constatação da obsolescência dos princípios éticos que transitam no mundo atual, porém, se pronunciaram discretamente.
O 11 de setembro deu inicio a uma serie de especulações que com o tempo vai acabar encobrindo a dimensão da tragédia.Para os militantes de um pacto pacificador 11/09 foi o gatilho que acionou os meios para atingir uma ambição política anunciada. Para o jornalista John Pilger o 11 de setembro foi utilizado politicamente como uma oportunidade imperdível, capitalizada para legitimar ações contra nações visando o controle de recursos energéticos globais. Para artistas e arquitetos uma nova possibilidade para revelarem ao mundo seus talentos. Depois de cinco anos concluímos que 11 de setembro de 2001 mudou o mundo de forma não prevista na ocasião dos atentados. Sobretudo, porque os ataques levaram não apenas à chamada guerra contra o terror, eles fizeram eclodir a guerra do Iraque. Uma guerra que já dura quase tanto quanto o envolvimento americano na Segunda Guerra Mundial. Até o momento não há qualquer tipo de conclusão à vista.

Uma significativa mudança oriunda do 11 de Setembro também pode ser percebida na degradação das instituições políticas mundo afora.
No Cone Sul instalou-se a estratégia do desconhecimento sobre atividades espúrias contra o erário público praticada por representantes do povo. Após mais de dez meses de espetáculos contínuos de pura sordidez, encenados nos palácios e no Congresso Nacional, o governo, em parte eleito para dar um basta na perversa tradição política local, infiltrou mais gases tóxicos no ambiente político nacional ao estimular novas forças a cometerem os mesmos crimes de sempre. Continuamos respirando o fedor da carniça. Aqueles que tinham expectativa numa gestão de transparência administrativa deram de cara na corrupção infame. Quando questionado o supremo líder ofende-se, alegando possuir mais ética do que qualquer cidadão. Porém, esquece de dizer-nos onde encontrá-la em seu governo.
De volta ao hemisfério norte vemos a performance de Steven Kurtz que, a titulo de contestar os discursos hipócritas, expõe o publico diante de um arsenal de substancias tóxicas.
Segundo ele, seu ato é uma critica ao terrorismo e as manipulações políticas de um evento terrível. Porém, nem os indivíduos da comunidade e nem as autoridades americanas viram assim. Oh!Deus!Como são reacionários!Deve ter pensado o artista em sua cela. Consideraram a eloqüente obra a favor da paz com uma ameaça terrorista. Hoje ele se defende perante a justiça enfatizando a legalidade e a segurança de todas as ações do CAE, ressaltando que sempre consultaram especialistas e nunca infringiram a lei. Esforça-se para provar que o CAE não é um grupo terrorista. Aqueles que consideram a frase de efeito de Stockhausen sobre o triste acontecimento de 11 de setembro como uma espécie de performance “per si” também devem achar a instalação de Kurtz uma obra profética que desintoxicara o espectador através de uma nova consciência.