quinta-feira, julho 06, 2006

As Profundezas da Superficie Reluzente


Imagem e texto
Adriano DE AQUINO

Para o público atento a arte contemporânea não mais reflete um compromisso dos artistas com a inovação. O “choque do novo” em arte foi definitivamente esgotado nos anos sessenta, mesmo antes. O fim da dimensão de constituído, proveniente, em parte, do discurso da vanguarda, contribuiu para esvaziar a idéia de que a arte é o lugar do novo.

Desde o modernismo as incessantes mudanças de estilos tornaram-se um preceito aceitável. Hoje, o abandono da narrativa em uma obra ou evento e o desprestigio da critica apurada - fatores determinantes para a crescente valorização da polifonia interpretativa - elevou a emoção dos admiradores de arte ao mesmo patamar da reflexão critica criteriosa. Em suma: gostar de uma obra ou avaliá-la criticamente tem hoje o mesmo valor.

Nesse texto abordarei essas questões pelo viés do artista e não das circunstancias geradas pelos agentes de intermediação curatorial, institucional ou mercadológica.

No alto modernismo a originalidade de uma obra ocupava o topo da cadeia cultural. No pós - modernismo a diversidade substituiu a originalidade e se constituiu como fator determinante para a hierarquização da produção contemporânea. Essa substituição de critérios,convenhamos,merece o Nobel da Esperteza. Originalidade criativa é uma categoria facilmente percebível enquanto a diversidade,assim como os eventos naturais, não se abre a verificações criteriosas ou julgamento de valor. Resumidamente, a diversidade e a originalidade se tornaram os termos mais comuns para diferenciar dois momentos da arte recente: a originalidade é moderna e a diversidade é pós-moderna.

Todos sabem que atualmente as experiências estéticas podem ocorrer em qualquer circunstancia, agrupando referencias diversas e heterogêneas sobre os mais variados suportes. Os regimes estéticos foram pro brejo. Contudo, é nesse desvio que se instalou uma curiosa indagação da contemporaneidade: a égide da diversidade aniquilou a distinção entre uma proposta estética legitima de um pastiche vibrante e sedutor. Sem uma hierarquia de valor bem fundamentada, mas com a ambição desmedida por reconhecimento e glória, forjaram uma cópia grotesca do mecenas do renascimento italiano. Os novos investidores, orientados pela tabula rasa de Gagossian ou Saatchi, vagam no limbo, com os bolsos e paredes recheados de cifrões. A citação de Charles Olson: ”O que não muda é a vontade de mudar”, associado ao poder econômico astronômico alerta que a vontade dos poderosos tudo pode mudar, sobretudo, para pior.
Por quê?

A necessidade de estabelecer algum parâmetro qualitativo, um julgamento de valor sobre as coisas do mundo é uma angústia inerente à espécie humana?

O esvaziamento da autoridade critica e a flexibilização das formas de partilha da arte trouxe para a superfície muitas questões. A polifonia interpretativa é, sem duvida, uma forma mais branda de intermediação entre fazeres e saberes da arte contemporânea. Mas, esse fato em si, responde as duvidas de nosso tempo?

O gosto pessoal é fruto da associação que fazemos entre um objeto e uma sensação desejável. Porém, crer que desejo vivenciado é um segmento natural das indagações existenciais de um indivíduo inserido numa sociedade complexa e altamente competitiva, é reduzir o largo espectro da experiência humana a um leque de sensações desejáveis. Além do mais, esse é um campo minado, extremamente manipulado pelo conhecimento avançado da mídia, da propaganda, do marketing e do mercado.

O poder da comunicação é hoje tão grande que se inocula desejos com a mesma facilidade com que se dá nome a pessoas, objetos e coisas.
Faz sentido que jovens artistas se oponham aos critérios que balizaram os movimentos estéticos antecessores. Porém, a vida nos ensina que as coisas do mundo não se desintegram apenas porque as desprezamos. É preciso mais que isso para desalojar um paradigma de seu casulo.

As sucessivas e velozes substituições de conceitos anunciam que algo de diferente está entre nós, porém, ruptura com regimes estéticos, políticos e econômicos precedentes não ocorre por eficácia da nomenclatura.

Eles ficam em suspensão. Quando necessário, antigos conceitos voltam a valer, sobretudo para fundamentar manifestações culturais emergentes. Uma dicotomia que solicita mais reflexão dos movimentos estéticos da atualidade.

Ocorre presentemente que as sucessivas mudanças vêm pressionando grande número de artistas a adentrarem, mesmo de forma involuntária, a lógica da produção pós-moderna.O público, soterrado pela avalanche de modos, conceitos e estilos, acabou por considerá-los banais. Não é raro vermos visitantes em grandes exposições atravessarem uma proposta estética e penetrarem outras, absorvendo os diferentes estímulos estéticos como se passeassem num parque de diversões. Independente da capacidade de resistência de cada individuo ou grupo social, o gigantesco poder de absorção e a flexibilidade dos mecanismos da nova economia se apoderaram de todas as categorias de produção. Se no âmbito mais amplo da sociedade essas mudanças provocaram grande impacto, no ambiente artístico cultural ele foi contundente. A rigor, nas artes, essas mudanças também ocorrem no choque com o público. Nesse contexto o pouco que podemos perceber nos revela que o entendimento ou o aprofundamento nos significados de uma obra parecem itens desprovidos de interesse. Hoje, a constante visibilidade de um artista na mídia, sua participação em eventos realizados por um pool de galerias em lugares freqüentados pelas elites cosmopolitas internacionais e as estratégias de estimulo mercadológico nos sugerem sua preeminência sobre os demais valores. Esses efeitos tornam-se ainda mais nocivos nos países de precária estrutura sócio culturais onde grandes marcas são certificados mercantis de reconhecimento global, quando, de fato, são nada mais que ferramentas promocionais.

É um teatro onde os atores trocam lendas pessoais e a platéia confirma sua atração por sensações inéditas. O vendedor interpreta o ambíguo papel de “connaisseur” sofisticado e confiável e o comprador se credencia culturalmente para ascender ao patamar contemporâneo. Todos integram o elenco de orgulhosos possuidores de códigos identificados com as mais recentes tendências internacionais. Prezados pelo grupo com o qual se relacionam e com aqueles que ambicionam impressionar. Na seqüência, a obra de um “outsider” se agrega as demais marcas no alto da cadeia cultural.
Nesse novo mundo a descentralização da economia, que a tornou ainda mais flexível e poderosa, e os novos meios tecnológicos que trouxeram maior mobilidade para a comunicação, tornaram-se os vetores principais das mudanças. Para quem considerava o modernismo e seus valores um projeto sem fim, o momento é de incertezas.
Habermas,
um importante pensador moderno, acreditava que o abandono dos processos e valores inclusos na modernidade incidiria em retrocesso. Os adeptos das mudanças atuais morrem de rir! Não vêem retrocesso algum, ao contrário, só identificam avanços. Para eles a superfície da pós-modernidade reflete prosperidade.

Para os que vêem o fim do projeto moderno como a brecha aberta à invasão da barbárie, as coisas se tornaram angustiantes.Para eles o abandono dos princípios e critérios outrora dominante vem contribuindo para a corrosão dos valores éticos e estéticos e aumentando o sofrimento das pessoas que vivem pressionadas por uma realidade cada dia mais inóspita. Criticam o atual modelo e seus cultos à celebridade e ao consumismo.

De fato é curiosa a mentalidade das elites cosmopolitas cultas e bem informadas no enfrentamento das mazelas de uma sociedade fragmentada que mal consegue planejar o dia de amanhã que, com certeza, será recheado de acontecimentos e surpresas.Quando penetramos os pensamentos predominantes na atualidade nos perguntamos: como uma sociedade como a atual manteria vigente uma linha graduada de valores que, para o modernismo, encontrava-se emaranhada na experiência social em territórios bem distintos?

Para o artista que preza o valor intrínseco de sua obra e deseja preservar certa autonomia, o atual momento impõe uma árdua tarefa. A começar redefinindo os paradigmas que o permita criar e produzir menos exposto às pressões, demandas e estímulos externos de forma a não se tornar um vassalo das agendas promocionais, um convertido convicto dos fundamentos imediatistas de fama e fortuna e outras exigências carreiristas. Consolidar,criticamente,propostas estéticas que neguem a reprodução de sistemas consagrados,renovar-se, e ainda assim, sobreviver.
A pergunta que se coloca é: vivemos uma época de mais liberdade?Ou, estamos submersos nas rasas profundezas de uma superfície reluzente? Imersos em lugar nenhum, onde revoluções, mudanças e transformações tornaram-se slogans de uma vitrine plena de produtos artísticos, assim como, dos mais recentes equipamentos de alta tecnologia. Será a liberdade somente um titulo de uma estatua ou uma antiga estação de trem? Hoje, ao contrario de outrora, poucos artistas parecem preocupados com esse assunto. Afinal, a liberdade é mais estimada quando inserida numa linha graduada de valores. Se essa linha desaparece, abrir mão da liberdade criativa é o mesmo que abrir mão de coisa alguma.
Os que hoje acreditam na transgressão ou no exotismo recondicionado como uma nova onda estética, podem estar olhando somente para o rótulo da embalagem.
Nos tempos atuais a liberdade tornou-se um item, se preferir, um acessório, agregado ao produto artístico contemporâneo.
Como disse no inicio desse texto é difícil encontrar alguém que hoje defenda a idéia de que a arte tem compromisso com a inovação.Será que existe alguém capaz de dizer o mesmo em relação à liberdade criativa?



Comentarios> Claudia Mogrovejo :...entre as vanguardas modernistas e o fenômeno pós-moderno.