
Estamos sempre relacionando tudo que vemos com a nossa carência de olhar, apropriamos das cenas vazias dando-lhes o sentido que nos pareça conveniente, para insinuar uma comunicação sem a interferência do raciocínio; mas o artista quer ir mais longe; enfrenta as aventuras da imagem, olha para dentro das coisas procura no fundo da paisagem, o que não se vê, à distância. A paisagem é meio de conhecimento e não ilustração da realidade, ela pode ser tudo, pode vir do nada, isto é, porque o nada, para o pintor, é a essência de tudo. Quando o céu era uma realidade o olhar do pintor se restringia ao que era determinado pelo sagrado, a geografia onde o homem realizava seu dia a dia encerrava os limites da paisagem.
No Renascimento, o pintor era religiosamente um espectador, um observador do que estava próximo do campo visual, ele desconhecia o outro lado que o olhar não penetrava, porque ele não se misturava às coisas. Reproduzir a aparência das coisas era a essência da arte, contemplava-se o quadro como se estivesse diante de uma janela ou de um espelho.A natureza enquanto paisagem não é uma coisa isolada à espera de uma designação ou de uma determinação por parte do homem, ele é parte dela e quando a percebe desenha os seus contornos para registrar sua aparência, interrogar o visível e criar novas possibilidades de expressão. Com a arte ele compreendeu também sua solidão diante da natureza e a paisagem projetada na tela pode ser produto de suas obsessões.
Cézanne entra em cena. "Não é nem um homem, nem uma maçã, nem uma árvore que Cézanne quer representar; ele serve-se de tudo isso para criar uma coisa pintada que proporciona um som bem interior e se chama imagem" (Kandinsky). Uma imagem inacabada porque o pintor não para de olhar e interrogar o aspecto das coisas que compõem a sua paisagem. A pintura nunca está terminada.Ao transformar a paisagem em pintura o pintor quer revelar a intimidade do mundo. "A pintura moderna do mesmo modo que o pensamento moderno, obriga-nos a admitir uma verdade que não reflita as coisas, sem modelo exterior, sem instrumentos de expressão predestinados e não obstante verdade "(Merleau-Ponty). Uma verdade não reproduzida, mas criada a partir de conceitos. Se na tradição renascentista o pintor era o espectador ideal e racional do mundo, na modernidade, ele se mistura aos seres e às coisas para transformá-los em imagens. O pintor moderno pinta a paisagem cada vez mais de perto, com a intimidade de "voltar às coisas" e alcançar o fundamento do "real".

Picasso inventa imagens de múltiplos pontos de vistas, fragmentando a paisagem. Para Mondrian, a paisagem é uma combinação de horizontais e verticais, a depuração da composição. Apropriando-se de imagens e objetos, Duchamp reinventa a paisagem, com o riso e a reflexão. Pollock cria a paisagem americana, no ritmo gestual proporcionado pelo acaso da tinta atirada sobre a superfície da tela. Neste processo contínuo de desnaturalização do olhar, mudam-se a construção e a percepção das imagens.
A paisagem não é a realidade que o sonho não apagou, ela é também construída de sonhos. "Antes de ser um espetáculo consciente, toda paisagem é uma experiência onírica" (Bachelard).

Almandrade
Artista plástico, poeta e arquiteto.
Imagens;Paul CEZANE
Eduard MANET
JacksonPOLLOCK