terça-feira, julho 04, 2006

Dialogos:Sobre Pintura

Quadrado Negro/K.Malevitch/1920

-Hoje , fazer pintura me parece uma pretensão artística alheia ao tempo.
-Vira e mexe surge um novo laudo da morte da pintura. Assim como você muitos confundem as atitudes e os discursos das vanguardas do modernismo, decisivas para a dispersão das regras e métodos de se fazer e perceber pintura em nosso tempo, como uma declaração de morte dos fazeres tradicionais. Hoje perguntamos se ao precipitarem as criticas ao legado moderno as vanguardas pretendiam dar como encerrada a experiência da pintura. Muitos acreditam que sim. Outros pensam que essas atitudes repavimentaram o caminho para sua continuidade. Foram muitos os experimentalismos em pintura concomitantes e posteriores as manifestações vanguardistas que enunciavam seu esgotamento. Algumas experiências pictóricas cruzaram a fronteira restrita do gênero em si, todavia, insistiam em continuar afirmando-se como pintura. Fruto do marcante individualismo do nosso tempo, os pintores contemporâneos restabeleceram novas interações com a poesia, a filosofia e a ciência.A tecnologia melhorou e desenvolveu médiuns ampliando a gama de cores sintéticas e fornecendo aos artistas novos processos eletrônicos de aplicação da imagem.Contudo, apesar desse diagnostico otimista, a pratica pictórica encontra-se diante de um dilema.Atraídos pelo brilho dos novos tempos muitos pintores subtraíram do fazer pictórico a dimensão do sagrado.Ao desguarnecerem esse flanco a pintura foi rapidamente capturada pelos titãs e lançada na arena dos negócios, onde prevalece a astúcia dos homens.
-Dimensão do sagrado?
-Sim!Segundo a tradição, os ícones de uma época surgem dentro de emaranhados contextos históricos/culturais.Sua consagração é , portanto, fruto de uma relação orgânica entre o feito e o ambiente sócio-cultural.Por essa e outras razões podemos entender porque os ícones tornam-se pontos cardeais das sociedades.Contudo, os conhecimentos da atualidade e sua dinâmica sobre as coisas e os fatos, aliados a uma poderosa ambição, criaram atalhos e encurtaram o caminho e o tempo exigido para consagração, investindo pesado na difusão de ícones que se sucedem de estação para estação.Um ágil sistema montado sobre essa lógica vem produzindo lucros astronômicos e ícones descartáveis.
-Porém, temos que admitir que a imposição de ícones não é uma invenção dos tempos pós-modernos.Questionáveis ícones do passado atravessaram os tempos.Suas consagrações eram obtidas pela força e pela submissão.
-É nesse cenário confuso e incerto que nos esforçamos como pessoas socialmente úteis na expectativa de nos sentirmos recompensados como indivíduos.Em tal ambiente o talento e esforço são ingredientes indispensáveis para o empreendimento criativo e no enfrentamento dos limites pessoais e para superação dos desafios.Entretanto, essas virtudes são insuficientes para compreensão dos artifícios que consagram a produção estética de um período.Desde os primórdios do modernismo a pintura firmou compromisso com a experimentação.Um artista obcecado e comprometido em fazer bem-feito se coloca em sintonia com os muitos elementos em jogo durante o processo criativo.Isso lhe propicia experiências sempre inusitadas.Nesse ambiente a consciência critica é um fator fundamental para a redefinição do valor objetivo das coisas e um alerta para as distintas formas de recompensa disponíveis nas trocas sociais.Enquanto um artista mantiver como prioridade o compromisso desinteressado em fazer bem feito e seus anseios pessoais forem dimensionados por esse compromisso sua produção manterá vínculos com o sagrado.
-Bem!O sagrado de que fala está mais no domínio filosófico que religioso.E, é bom te lembrar que não podemos elaborar uma critica sobre o presente abrindo mão do mercado.
-É, de fato.Porém, devemos ter em mente que as ações do mercado não devem submeter a liberdade criativa; de outra forma, quando a criatividade é mobilizada sobretudo por sensações provenientes da luta pela sobrevivência ou por desejos de fama e dinheiro os resultado são sempre medíocres.
Richard Sennett www.nyu.edu/fas/Faculty/SennettRichard analisa o fazer bem-feito que esclarece implicações subjetivas da dedicação ao trabalho.Ele o descreve como um compromisso que coloca uma questão mais profunda no que diz respeito à individualidade como processo.Segundo ele:...compromisso significa fechamento, abrindo mão de possibilidades em nome do desejo de se concentrar em uma só coisa.Podemos com isso perder oportunidades. A cultura que vem surgindo exerce sobre os indivíduos uma enorme pressão para que não percam oportunidades. Em vez de fechamento, essa cultura recomenda a entrega-cortar laços para sentir-se livre, especialmente os laços gerados pelo tempo.
Para ele as novas formas de trabalho numa sociedade por demais móvel, como a que hoje vivemos, impede as pessoas de florescerem se dedicando a fazer alguma coisa bem-feito ao longo dos anos e que isso possa enraizar-se na sua experiência como pessoa.
-Com certeza esses sintomas também afetam os artistas e os intelectuais.
-Nada escapa do atual sistema.Além disso, Sennett nos propõe um curioso paradoxo :... tentei mergulhar o mais fundo possível num modo de vida cada vez mais superficial, uma cultura emergente que repudia o esforço e o compromisso corporificados na perícia artesanal.Como as pessoas só podem sentir-se bem ancoradas na vida tentando fazer algo bem-feito só para fazê-lo, o triunfo da superficialidade no trabalho, nas escolas e na política parece-me duvidoso.E é possível que a revolta contra essa cultura debilitada seja a próxima pagina que vamos virar.
-Mergulhar fundo numa cultura superficial.Bom diagnostico da submissão dos fazeres e saberes pela centelha fugaz do mercado.
-Exatamente, o que hoje assistimos é uma dança marcada pelo ritmo da cultura do novo capitalismo.A crescente demanda por coisas vem gerando a derrama de milhares de produtos visuais na sociedade levando alguns pintores a considerar vã a manutenção do ritmo de suas produções num mundo abarrotado de imagens, signos, marcas, logos e informações.A pintura quando esvaziada da experiência se torna uma versão desbotada do que foi ao longo de sua existência. Muitos vêem a pratica pictórica em tempos pós-modernos como um fazer compulsivo que ressurge revigorado a cada nova onda de decoração de interiores. Outros, reticentes, se refugiam no que resta de uma modernidade exaurida. Nesse ínterim se expande o poder do dinheiro e as manobras do mercado de arte ao som do tilintar das moedas e dos ti, ti, tis das feiras e leilões e super eventos que se tornaram lugares plenos de glamour e deslumbramento onde as obras de arte espocam como adereços de um desfile grotesco.As curadorias complementam o panorama desolador do ambiente cultural contemporâneo submetendo a produção artística de uma época, de um artista ou estilo a superficiais compilações.
Adriano DE AQUINO
Extraido de
Vivos & Mortos On Line
Comentarios de Fabio,Marcus,Aristides,Frederico,Rogerio :
A DITADURA DA "ARTE CONTEMPORÂNEA"