Luiz Fernando Marinho Nunes
Rio 01/11/2009
“Quanto ao destino, que alguns consideram o senhor de tudo, o sábio ri-se dele. De fato, mais vale ainda aceitar o mito sobre os deuses do que se sujeitar ao destino dos físicos. Pois o mito nos deixa a esperança de nos conciliarmos com os deuses através das honras que nós lhes rendemos, ao passo que o destino tem um caráter de necessidade inexorável“ – Epicuro
A Termodinâmica pode ser considerada uma filha da revolução industrial, já que seu objeto inicial como ciência foi compreender o conjunto das transformações da energia que naquele momento da história o homem aprendeu a mobilizar em quantidade e densidades jamais imaginadas anteriormente à criação da caldeira a vapor.
Ao longo de sua evolução a termodinâmica, que ampliou seu alcance para além das caldeiras e do Ciclo de Carnot, criou uma série de grandezas que visam explicar ou tornar quantificáveis certos fenômenos e comportamentos. Apropriando-se das definições de Energia, Trabalho e Calor originárias da Física, inventou a Entalpia, a Energia Interna, a Energia Livre de Gibbs, os coeficientes de atividade e também nossa querida Entropia.
A termodinâmica é uma ciência que tem uma particularidade interessante; nela jamais a variável tempo é considerada! Apesar disto, como veremos no final, pode auxiliar nas respostas às questões mais profundas sobre a natureza deste mesmo tempo.
Além disso ela tem um charme especial, só alcançado por não ciências como a poesia ou as primas matemática e filosofia. As variáveis termodinâmicas são produto de uma criação humana. Elas são construídas de forma a permitir que sejam quantificadas a partir de medidas tomadas de parâmetros observáveis na natureza, mas elas não existem no plano concreto, material: são produtos da mente tanto quanto o verso “minha terra tem palmeiras”.
A estrutura da termodinâmica se constitui em torno de duas leis que vão determinar os limites em que certas transformações podem ocorrer. Há uma terceira Lei, de Planck, que leva a outro conjunto de considerações que não pretendo examinar.
A primeira lei nos informa que a energia deve ser conservada em todos os processos usuais, ordinários, que não envolvam as transformações de massa em energia (e=mc2). Uma grandeza termodinâmica importante surge como necessidade de “operar” a primeira Lei, a Entalpia, usualmente expressa pela letra H. A entalpia não suscita apreensões, não nos remete a outros campos do conhecimento, não nos obriga a refletir sobre as cosmologias. É acessível mesmo aos cérebros não treinados, pois explica algo intuitivo, o princípio da conservação da energia. Daí nenhum filósofo tentar se apropriar dela para tentar explicar outra coisa, imitando as parábolas de Cristo. É verdade que Cristo foi certamente o Senhor das Parábolas, mesmo para aqueles que não acham que tenha qualquer parentesco divino. Já a maior parte dos filósofos, ao se apropriar de conceitos da termodinâmica, o fazem canhestramente, sem que a história contada e o objeto da explicação tenham uma simetria forte[1].
A Primeira Lei, entretanto, não impõe nenhuma restrição sobre o sentido das transformações.
Uma segunda lei vai tentar resolver este problema, e para isso foi criada outra variável, a Entropia (S).
A expressão matemática da segunda lei é:
∆Stotal ≥ 0
A Termodinâmica pode ser considerada uma filha da revolução industrial, já que seu objeto inicial como ciência foi compreender o conjunto das transformações da energia que naquele momento da história o homem aprendeu a mobilizar em quantidade e densidades jamais imaginadas anteriormente à criação da caldeira a vapor.
Ao longo de sua evolução a termodinâmica, que ampliou seu alcance para além das caldeiras e do Ciclo de Carnot, criou uma série de grandezas que visam explicar ou tornar quantificáveis certos fenômenos e comportamentos. Apropriando-se das definições de Energia, Trabalho e Calor originárias da Física, inventou a Entalpia, a Energia Interna, a Energia Livre de Gibbs, os coeficientes de atividade e também nossa querida Entropia.
A termodinâmica é uma ciência que tem uma particularidade interessante; nela jamais a variável tempo é considerada! Apesar disto, como veremos no final, pode auxiliar nas respostas às questões mais profundas sobre a natureza deste mesmo tempo.
Além disso ela tem um charme especial, só alcançado por não ciências como a poesia ou as primas matemática e filosofia. As variáveis termodinâmicas são produto de uma criação humana. Elas são construídas de forma a permitir que sejam quantificadas a partir de medidas tomadas de parâmetros observáveis na natureza, mas elas não existem no plano concreto, material: são produtos da mente tanto quanto o verso “minha terra tem palmeiras”.
A estrutura da termodinâmica se constitui em torno de duas leis que vão determinar os limites em que certas transformações podem ocorrer. Há uma terceira Lei, de Planck, que leva a outro conjunto de considerações que não pretendo examinar.
A primeira lei nos informa que a energia deve ser conservada em todos os processos usuais, ordinários, que não envolvam as transformações de massa em energia (e=mc2). Uma grandeza termodinâmica importante surge como necessidade de “operar” a primeira Lei, a Entalpia, usualmente expressa pela letra H. A entalpia não suscita apreensões, não nos remete a outros campos do conhecimento, não nos obriga a refletir sobre as cosmologias. É acessível mesmo aos cérebros não treinados, pois explica algo intuitivo, o princípio da conservação da energia. Daí nenhum filósofo tentar se apropriar dela para tentar explicar outra coisa, imitando as parábolas de Cristo. É verdade que Cristo foi certamente o Senhor das Parábolas, mesmo para aqueles que não acham que tenha qualquer parentesco divino. Já a maior parte dos filósofos, ao se apropriar de conceitos da termodinâmica, o fazem canhestramente, sem que a história contada e o objeto da explicação tenham uma simetria forte[1].
A Primeira Lei, entretanto, não impõe nenhuma restrição sobre o sentido das transformações.
Uma segunda lei vai tentar resolver este problema, e para isso foi criada outra variável, a Entropia (S).
A expressão matemática da segunda lei é:
∆Stotal ≥ 0
[1] Numa curiosa manifestação da Lei das Séries, justo hoje, 1/11/2009, ao escrever este parágrafo me deparei com um caso de lamentávelaplicação do conceito de entropia à sociologia, no texto do Ferreira Gullar publicado no O Globo e que colocarei em anexo como exemplo.
É surpreendente que uma expressão matemática tão simples esconda em si um conjunto de implicações com tão grande complexidade!
Antes de explorar estas nuances, vamos registrar o texto que define a Segunda Lei da termodinâmica e que ganhou a expressão matemática já mostrada: “todos os processos acontecem na direção em que a mudança de entropia total é positiva, aproximando-se de zero no limite quando o processo se torna reversível.”
Para completar o raciocínio é necessário definir ∆S, ou seja, a Variação da Entropia.
Tchan, tchan, tchan, tchan..., a partir deste momento todos saberão o que é Entropia!
Pois o ∆S é igual quantidade de calor trocada num processo reversível, dividido pela temperatura em que o processo acontece.
Ou seja, ∆S = ∫dQ rev/T. O dQ que apareceu aí é uma pequeníssima quantidade de calor trocada a cada passo. Já a Integral (∫) só indica que devemos ir somando o resultado da divisão destas pequenas quantidades pela temperatura, ao longo a transformação. Pronto. É só isso.
Um aspecto importante para o entendimento da Entropia, assim como da mais simplória Entalpia é que ambas são definidas como Funções de Estado. Explicando parabolicamente – meu Jesus Menino, que ousadia! - Função de Estado é como a beleza das mulheres. Não interessa como foi produzida, seja natural e selvagem, esculpida por um bisturi, criada pelo uso de cosméticos, modelada nas academias ou construída com ajuda de banhos de leite de cabra como fazia Cleópatra. A beleza está ali para nosso deleite e, se o observador tiver sorte, desfrute. As Funções de Estado são assim. Só dependem da situação específica do sistema num dado momento, como sua pressão, o volume e a temperatura. Não interessa o que aconteceu antes, como o sistema chegou àquela condição. São variáveis ahistóricas, não há como a partir delas buscar pegadas e deslindar o passado.
Mesmo sabendo que espremendo bem o que já foi dito obtenha-se quase nada, numa operação que o leitor não fará por condescendência ao autor, a Entropia já deve estar se tornando mais íntima. É como uma visita antes misteriosa que agora anda pela casa de peignoir e pode ser espreitada em portas entreabertas e pelos buracos de fechadura; o sucesso seria se alguns já estivessem pensando em chamá-la de Entrô.
Como afirmei no primeiro parágrafo, a termodinâmica foi criada para explicar fenômenos de um mundo que se industrializava. Daí a quantidade de coisas que podem ser facilmente entendidas no nosso cotidiano por aqueles tiveram um treinamento básico no assunto.
Com um pouquinho de termodinâmica entende-se porque um carro a gasolina ou a diesel é tão ineficiente, porque os carros elétricos podem almejar outro nível de aproveitamento da energia, o que seria elegantíssimo se na maior parte das vezes a energia elétrica não tivesse sido gerada em usinas térmicas através de processos quase tão ineficientes como o do próprio motor do automóvel. Também se pode entender porque a gela quando se abre a tampa provocando uma expansão adiabática, ou como funciona o ar condicionado. Andar num mundo decifrável nas suas pequenas coisas é um presentinho que a termodinâmica concede aos que passaram pela dificuldade de estudá-la.
Desde o início a termodinâmica, e a entropia em particular, cutucou aspectos do imaginário humano que de certa forma estão na base do que se constituiu como a fronteira da filosofia e da ciência, tão misturadas no início e que, a meu ver, começam a convergir novamente. Falo, por exemplo, das tentativas de se produzir o “moto–contínuo”, que foram transferidas dos laboratórios para as clínicas psiquiátricas depois que a termodinâmica desconstruiu qualquer expectativa de sucesso.
Abrindo um parêntese, já que falei de distúrbios psíquicos que se manifestam em buscas insensatas, identifico uma similitude entre os primeiros termodinâmicos e Freud, que ao procurar criar uma ciência da mente, construiu entidades como o Inconsciente, o Ego, o Superego e o Id. A diferença entre Freud e Carnot é que a Entalpia pode ser quantificada e serve para projetar uma caldeira, mas a tentativa de operar a mente a partir dos conceitos da psicanálise, com seu Inconsciente que anos de sofazinho não tangenciam decifrar, ainda não levou a nada.
Voltando à termodinâmica e à Entrô, ela permite especular sobre coisas menos terrenas. Por exemplo, os que acreditam no Inferno e estudaram termodinâmica sabem que ele é isotérmico. A alta temperatura do inferno tem que ser igual em todos os pontos desse espaço de ex-pecadores, pois se assim não fosse o espectro um engenheiro – não são só advogados e presidentes do BC que populam o inferno - acabaria aproveitando o diferencial de temperatura para construir uma máquina térmica que funcionaria como ar-condicionado. Parafraseando Galileu – dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio que moverei o mundo - o termodinâmico promete: dêem-me um diferencial de temperatura que eu construo uma máquina térmica.
A entropia, que até o momento foi abordada nos termos de sua relação com o calor também pode ser analisada sob a ótica da probabilidade. A entropia pode ser relacionada com o grau de aleatoriedade de uma distribuição molecular. Imaginem a água em estado sólido. Suas moléculas têm um grau de organização maior que a mesma água ao se transformar em vapor. A Entropia do vapor é maior que a do gelo.
Por extensão, a entropia explica que uma pedra que estava instavelmente equilibrada numa ravina e rola para o vale, atingindo um estado de menor energia e de maior probabilidade, não volta a subir. Tanto sabemos disto, e assim usamos intuitivamente a termodinâmica, que só perdemos tempo admirando com curiosidade algumas pedras quase que impossivelmente encarapitadas sobre outras e jamais as que estão no chão. Também a observação tão comum na política de que se o jabuti está na árvore é que alguém o colocou lá é termodinâmica pra caramba.
Outras reflexões mais complexas são induzidas pela análise termodinâmica. Por exemplo, a evolução do universo, que sendo um sistema fechado (no limite o único) estaria condicionada pela diminuição da quantidade de energia disponível para realização de trabalho?
Daí derivam os cenários imaginados pelos físicos, como a possibilidade de um universo oscilante, que pode colapsar e se recriar a partir de novos “big-bangs”, mexendo profundamente com o que Shakespeare chamou da vã filosofia dos que preferem não ver que há mais coisas entre o céu e a terra do que se pode explicar.
Num exemplo de mau uso da Entropia há a justificativa tosca dos toscos criacionistas que pretendem que o processo evolutivo dos seres vivos seria impossível já que o Universo caminharia obrigatoriamente da ordem à desordem, do mais complexo ao mais simples. Esquecem que a Terra não é um sistema fechado e que basta a luz do sol, um fluxo de energia externo, para permitir que se produzam organismos mais organizados, com uma diminuição local da entropia.
A partir deste ponto as coisas vão se complicando, tanto em sua formulação como em suas consequencias.
Há os estudos sobre os sistemas auto-organizadores, típicos da biologia, e tão superiores à nossa tecnologia habitual, herdeira direta de uma lógica cartesiana, operando em regiões longe do equilíbrio, muito organizadas mas também flexíveis, que nos remeteriam a outro conjunto de questionamentos para os quais a irreversibilidade – fortemente associada ao conceito de entropia - está na raiz.
Vou escolher de forma arbitrária um problema específico para encerrar este texto, que inicialmente foi “vendido” com uma promessa de entendimento e clareza, mas que agora se anuncia como gerador de mais perplexidade. Deixo de lado outros temas de interesse como a discussão do significado da informação sobre a entropia dos sistemas.
Trata-se da questão da flecha do tempo. Uma das curiosidades da física, tanto a Newtoniana como a Quântica, é que nelas o tempo é reversível. Nada na física obriga o tempo caminhar do passado para o futuro! Daí os construtores das máquinas do tempo não serem usualmente internados nos hospitais psiquiátricos, como os que perseguem o moto-contínuo – os alquimistas que buscavam a pedra filosofal estão definitivamente incorporados ao mainstream depois do domínio das reações nucleares– mas ao contrário, passaram a ser sistematicamente convidados a participar de eventos científicos.
Para nos ajudar a escapar do mundo de Einstein, dominado pelo tempo reversível e pelo determinismo, que se apoiou em Espinosa, transformando o homem num autômato[2] em nome da unidade da natureza, sobraram as indagações dos filósofos, com destaque para Bergson e muito bem expressa por Popper ao escrever: “considero o determinismo laplaciano – confirmado como parece estar, pelo determinismo das teorias físicas e pelo brilhante sucesso delas – o obstáculo mais sólido e mais sério no caminho de uma explicação e de uma apologia da liberdade, da criatividade e da responsabilidade humanas”.
Pois no centro de um novo mundo onde a flecha do tempo não admite simetria se insere com certeza o conceito de Entropia que nos auxiliará a percorrer o caminho estreito mas promissor entre a prisão do mundo determinístico e o mundo arbitrário e ininteligível do acaso.
[1] A afirmação é de Ilya Prigonine, prêmio Nobel de Química
Antes de explorar estas nuances, vamos registrar o texto que define a Segunda Lei da termodinâmica e que ganhou a expressão matemática já mostrada: “todos os processos acontecem na direção em que a mudança de entropia total é positiva, aproximando-se de zero no limite quando o processo se torna reversível.”
Para completar o raciocínio é necessário definir ∆S, ou seja, a Variação da Entropia.
Tchan, tchan, tchan, tchan..., a partir deste momento todos saberão o que é Entropia!
Pois o ∆S é igual quantidade de calor trocada num processo reversível, dividido pela temperatura em que o processo acontece.
Ou seja, ∆S = ∫dQ rev/T. O dQ que apareceu aí é uma pequeníssima quantidade de calor trocada a cada passo. Já a Integral (∫) só indica que devemos ir somando o resultado da divisão destas pequenas quantidades pela temperatura, ao longo a transformação. Pronto. É só isso.
Um aspecto importante para o entendimento da Entropia, assim como da mais simplória Entalpia é que ambas são definidas como Funções de Estado. Explicando parabolicamente – meu Jesus Menino, que ousadia! - Função de Estado é como a beleza das mulheres. Não interessa como foi produzida, seja natural e selvagem, esculpida por um bisturi, criada pelo uso de cosméticos, modelada nas academias ou construída com ajuda de banhos de leite de cabra como fazia Cleópatra. A beleza está ali para nosso deleite e, se o observador tiver sorte, desfrute. As Funções de Estado são assim. Só dependem da situação específica do sistema num dado momento, como sua pressão, o volume e a temperatura. Não interessa o que aconteceu antes, como o sistema chegou àquela condição. São variáveis ahistóricas, não há como a partir delas buscar pegadas e deslindar o passado.
Mesmo sabendo que espremendo bem o que já foi dito obtenha-se quase nada, numa operação que o leitor não fará por condescendência ao autor, a Entropia já deve estar se tornando mais íntima. É como uma visita antes misteriosa que agora anda pela casa de peignoir e pode ser espreitada em portas entreabertas e pelos buracos de fechadura; o sucesso seria se alguns já estivessem pensando em chamá-la de Entrô.
Como afirmei no primeiro parágrafo, a termodinâmica foi criada para explicar fenômenos de um mundo que se industrializava. Daí a quantidade de coisas que podem ser facilmente entendidas no nosso cotidiano por aqueles tiveram um treinamento básico no assunto.
Com um pouquinho de termodinâmica entende-se porque um carro a gasolina ou a diesel é tão ineficiente, porque os carros elétricos podem almejar outro nível de aproveitamento da energia, o que seria elegantíssimo se na maior parte das vezes a energia elétrica não tivesse sido gerada em usinas térmicas através de processos quase tão ineficientes como o do próprio motor do automóvel. Também se pode entender porque a gela quando se abre a tampa provocando uma expansão adiabática, ou como funciona o ar condicionado. Andar num mundo decifrável nas suas pequenas coisas é um presentinho que a termodinâmica concede aos que passaram pela dificuldade de estudá-la.
Desde o início a termodinâmica, e a entropia em particular, cutucou aspectos do imaginário humano que de certa forma estão na base do que se constituiu como a fronteira da filosofia e da ciência, tão misturadas no início e que, a meu ver, começam a convergir novamente. Falo, por exemplo, das tentativas de se produzir o “moto–contínuo”, que foram transferidas dos laboratórios para as clínicas psiquiátricas depois que a termodinâmica desconstruiu qualquer expectativa de sucesso.
Abrindo um parêntese, já que falei de distúrbios psíquicos que se manifestam em buscas insensatas, identifico uma similitude entre os primeiros termodinâmicos e Freud, que ao procurar criar uma ciência da mente, construiu entidades como o Inconsciente, o Ego, o Superego e o Id. A diferença entre Freud e Carnot é que a Entalpia pode ser quantificada e serve para projetar uma caldeira, mas a tentativa de operar a mente a partir dos conceitos da psicanálise, com seu Inconsciente que anos de sofazinho não tangenciam decifrar, ainda não levou a nada.
Voltando à termodinâmica e à Entrô, ela permite especular sobre coisas menos terrenas. Por exemplo, os que acreditam no Inferno e estudaram termodinâmica sabem que ele é isotérmico. A alta temperatura do inferno tem que ser igual em todos os pontos desse espaço de ex-pecadores, pois se assim não fosse o espectro um engenheiro – não são só advogados e presidentes do BC que populam o inferno - acabaria aproveitando o diferencial de temperatura para construir uma máquina térmica que funcionaria como ar-condicionado. Parafraseando Galileu – dêem-me uma alavanca e um ponto de apoio que moverei o mundo - o termodinâmico promete: dêem-me um diferencial de temperatura que eu construo uma máquina térmica.
A entropia, que até o momento foi abordada nos termos de sua relação com o calor também pode ser analisada sob a ótica da probabilidade. A entropia pode ser relacionada com o grau de aleatoriedade de uma distribuição molecular. Imaginem a água em estado sólido. Suas moléculas têm um grau de organização maior que a mesma água ao se transformar em vapor. A Entropia do vapor é maior que a do gelo.
Por extensão, a entropia explica que uma pedra que estava instavelmente equilibrada numa ravina e rola para o vale, atingindo um estado de menor energia e de maior probabilidade, não volta a subir. Tanto sabemos disto, e assim usamos intuitivamente a termodinâmica, que só perdemos tempo admirando com curiosidade algumas pedras quase que impossivelmente encarapitadas sobre outras e jamais as que estão no chão. Também a observação tão comum na política de que se o jabuti está na árvore é que alguém o colocou lá é termodinâmica pra caramba.
Outras reflexões mais complexas são induzidas pela análise termodinâmica. Por exemplo, a evolução do universo, que sendo um sistema fechado (no limite o único) estaria condicionada pela diminuição da quantidade de energia disponível para realização de trabalho?
Daí derivam os cenários imaginados pelos físicos, como a possibilidade de um universo oscilante, que pode colapsar e se recriar a partir de novos “big-bangs”, mexendo profundamente com o que Shakespeare chamou da vã filosofia dos que preferem não ver que há mais coisas entre o céu e a terra do que se pode explicar.
Num exemplo de mau uso da Entropia há a justificativa tosca dos toscos criacionistas que pretendem que o processo evolutivo dos seres vivos seria impossível já que o Universo caminharia obrigatoriamente da ordem à desordem, do mais complexo ao mais simples. Esquecem que a Terra não é um sistema fechado e que basta a luz do sol, um fluxo de energia externo, para permitir que se produzam organismos mais organizados, com uma diminuição local da entropia.
A partir deste ponto as coisas vão se complicando, tanto em sua formulação como em suas consequencias.
Há os estudos sobre os sistemas auto-organizadores, típicos da biologia, e tão superiores à nossa tecnologia habitual, herdeira direta de uma lógica cartesiana, operando em regiões longe do equilíbrio, muito organizadas mas também flexíveis, que nos remeteriam a outro conjunto de questionamentos para os quais a irreversibilidade – fortemente associada ao conceito de entropia - está na raiz.
Vou escolher de forma arbitrária um problema específico para encerrar este texto, que inicialmente foi “vendido” com uma promessa de entendimento e clareza, mas que agora se anuncia como gerador de mais perplexidade. Deixo de lado outros temas de interesse como a discussão do significado da informação sobre a entropia dos sistemas.
Trata-se da questão da flecha do tempo. Uma das curiosidades da física, tanto a Newtoniana como a Quântica, é que nelas o tempo é reversível. Nada na física obriga o tempo caminhar do passado para o futuro! Daí os construtores das máquinas do tempo não serem usualmente internados nos hospitais psiquiátricos, como os que perseguem o moto-contínuo – os alquimistas que buscavam a pedra filosofal estão definitivamente incorporados ao mainstream depois do domínio das reações nucleares– mas ao contrário, passaram a ser sistematicamente convidados a participar de eventos científicos.
Para nos ajudar a escapar do mundo de Einstein, dominado pelo tempo reversível e pelo determinismo, que se apoiou em Espinosa, transformando o homem num autômato[2] em nome da unidade da natureza, sobraram as indagações dos filósofos, com destaque para Bergson e muito bem expressa por Popper ao escrever: “considero o determinismo laplaciano – confirmado como parece estar, pelo determinismo das teorias físicas e pelo brilhante sucesso delas – o obstáculo mais sólido e mais sério no caminho de uma explicação e de uma apologia da liberdade, da criatividade e da responsabilidade humanas”.
Pois no centro de um novo mundo onde a flecha do tempo não admite simetria se insere com certeza o conceito de Entropia que nos auxiliará a percorrer o caminho estreito mas promissor entre a prisão do mundo determinístico e o mundo arbitrário e ininteligível do acaso.
[1] A afirmação é de Ilya Prigonine, prêmio Nobel de Química
Anexo
Exemplo de mau uso da Entropia a serviço de outros interesses
Trecho comentado do Artigo “Em Direção à desordem”
(Ferreira Gullar – O Globo 1/11/09)
A sociedade carioca entrou em entropia desde que o tráfico instalou-se nas favelas.
Conforme a segunda lei da termodinâmica, os sistemas físicos tendem à desordem (errado, como já vimos – a menos que seja um sistema fechado). A perturbação da ordem em um sistema chama-se entropia (pode dar o nome que quiser mas a perturbação não é entropia, que no máximo seria uma medida probabilística da ordem/desordem). Como, por exemplo, os ruídos numa transmissão radiofônica (meu deus, que exemplo!). Isto vale para outros sistemas como a sociedade humana (isto o que, o ruído ou a tendência a desordem?), cuja ordem é mantida pelas leis que regem o comportamento de seus integrantes(o problema é que as leis não regem de fato os comportamentos, não é?). A sociedade carioca entrou em entropia (entrar em entropia – na qual não se entra, pois como vimos, sendo uma função de estado, a cada instante tem-se uma - deve ser para ele algo como entrar em coma) desde que nos anos 70, o tráfico começou a instalar-se nas favelas. Essa tendência a desordem pode ser revertida se o governo e a sociedade (que obviamente inclui os traficantes, que não se disporão a reverter nada), se dispuserem a isso. (não se separa com vírgula o sujeito do predicado, como acabou de me lembrar o Windows Office)
[1] Numa curiosa manifestação da Lei das Séries, justo hoje, 1/11/2009, ao escrever este parágrafo me deparei com um caso de lamentável aplicação do conceito de entropia à sociologia, no texto do Ferreira Gullar publicado no O Globo e que colocarei em anexo como exemplo.
[2] A afirmação é de Ilya Prigonine, prêmio Nobel de Química
Exemplo de mau uso da Entropia a serviço de outros interesses
Trecho comentado do Artigo “Em Direção à desordem”
(Ferreira Gullar – O Globo 1/11/09)
A sociedade carioca entrou em entropia desde que o tráfico instalou-se nas favelas.
Conforme a segunda lei da termodinâmica, os sistemas físicos tendem à desordem (errado, como já vimos – a menos que seja um sistema fechado). A perturbação da ordem em um sistema chama-se entropia (pode dar o nome que quiser mas a perturbação não é entropia, que no máximo seria uma medida probabilística da ordem/desordem). Como, por exemplo, os ruídos numa transmissão radiofônica (meu deus, que exemplo!). Isto vale para outros sistemas como a sociedade humana (isto o que, o ruído ou a tendência a desordem?), cuja ordem é mantida pelas leis que regem o comportamento de seus integrantes(o problema é que as leis não regem de fato os comportamentos, não é?). A sociedade carioca entrou em entropia (entrar em entropia – na qual não se entra, pois como vimos, sendo uma função de estado, a cada instante tem-se uma - deve ser para ele algo como entrar em coma) desde que nos anos 70, o tráfico começou a instalar-se nas favelas. Essa tendência a desordem pode ser revertida se o governo e a sociedade (que obviamente inclui os traficantes, que não se disporão a reverter nada), se dispuserem a isso. (não se separa com vírgula o sujeito do predicado, como acabou de me lembrar o Windows Office)
[1] Numa curiosa manifestação da Lei das Séries, justo hoje, 1/11/2009, ao escrever este parágrafo me deparei com um caso de lamentável aplicação do conceito de entropia à sociologia, no texto do Ferreira Gullar publicado no O Globo e que colocarei em anexo como exemplo.
[2] A afirmação é de Ilya Prigonine, prêmio Nobel de Química