Artoons -Pablo Helguera
O fato que mais desagradou Hilton Kramer foi a critica de Wolfe à Clyfford Still, um artista que Kramer considerava "um dos mais originais" pintores do expressionismo abstrato. Porém, o que estendeu a irritação do decano da critica do 'NYT' foi o escárnio de Wolfe com todo movimento abstrato, incluindo os críticos e teóricos que o apoiavam e escreviam com frequencia matérias nos cadernos de cultura.
Para Kramer esse foi o disparate que faltava, visto que ele próprio muito contribuiu para difusão desse movimento da arte americana.
As tentativas de ridicularizar Clement Greenberg e Harold Rosenberg, defensores influentes início do expressionismo abstrato, se estendem no livro a todos os movimentos importantes do século XX- do Cubismo a Pop Art. Primeiramente publicado na revista Harper's em Abril de 1975 com o titulo "A Palavra Pintada: A Arte Moderna chega ao Ponto de Fuga”. O artigo atingiu em cheio o nervo de varias prima-donas da critica. Kramer respondeu imediatamente com uma longa análise, intitulada "Tom Wolfe e A Vingança dos filisteus." Dez anos depois, esse artigo foi reproduzido em um volume de opiniões e ensaios de Kramer que deram origem a publicação intitulada A Vingança dos filisteus: Arte e Cultura 1972-1984. Sua resposta a Wolfe inclui uma serie de provocações divertidas e outras nem tanto, como essas: “Se alguém tinha alguma dúvida que a vingança dos filisteus está sobre nós o ataque de Tom Wolfe a arte contemporânea, no número de abril da revista Harper's , acaba de extingui-la. Sobre arte, moderna ou não, Wolfe parece não saber nada”.“The Painted Word de Wolfe chega ao grande público que não sabe nada sobre a arte modernista, mas sabe muito sobre os rumores [fofocas] que são lançados em seu nome.Quando se trata da análise de idéias... quando ela se resume a obras de arte reais e inspiradas que nos levam a pensar, Wolfe, irremediavelmente, não é profundo(...)A [incompreensão de Wolfe] sobre o papel da crítica da arte - [sua] hostilidade com a teoria - identificada em The Painted Word, apesar de sua sabedoria e diversão literária, é um enunciado filisteu, um ato de vingança contra uma qualidade da mente com a qual não se integra e, portanto, trata como piada."
Acabo de ler a tradução brasileira (Lya Wiler) do polêmico livro de Tom Wolfe 'A Palavra Pintada' (The Painted Word) lançado recentemente.
Em 1975, quando li a primeira edição, morava em Paris. Lembro que na ocasião, aos 28 anos, a leitura desse livro me revoltou. Pudera! Meus anseios se fundiam aos movimentos culturais,estéticos e sociais que mobilizavam minha geração. O livro de Tom Wolfe, um sucesso de mídia e vendas, caiu como uma bomba nos salões 'cult' revestindo com mordacidade e ironia os argumentos mais intransigentes. O “inimigo” recebeu munição nova, esse era o entendimento de parte das pessoas do meu convívio como forma de rebater o perigoso - porque inteligente-conservadorismo de Wolfe Posições polarizadas tornavam as discusões um campo de batalha.
Agora, mais de um quarto de século depois,a escrita mordaz de Wolfe, contida nesse pequeno livro, não ressoam com o mesmo vigor. A epifanía de Wolfe, habilidoso esgrimista de palavras, nos entrega um texto delicioso, sem duvida, porém, passado tanto tempo suas criticas se tornaram opacas e as questões que nela jazem tornaram-se impotentes, incapazes de acalorar discussões.
Além disso, os supostos danos à arte modernista da década de 1950 e 60 em particular e a pintura abstrata em geral, se é que houve algum, não se tornaram relevantes com o passar dos anos. Ao contrario, murcharam.
Alguns clones nativos se esforçam ainda hoje para obter êxito na campanha contra o modernismo iniciada pelo papa do 'new journalism', contudo, por não possuírem a mestria do original, embaçam o espelho ao tentarem refletir suas imagens no vulto de Wolfe. Portanto, falar deles é irrelevante.
Em 1975, quando li a primeira edição, morava em Paris. Lembro que na ocasião, aos 28 anos, a leitura desse livro me revoltou. Pudera! Meus anseios se fundiam aos movimentos culturais,estéticos e sociais que mobilizavam minha geração. O livro de Tom Wolfe, um sucesso de mídia e vendas, caiu como uma bomba nos salões 'cult' revestindo com mordacidade e ironia os argumentos mais intransigentes. O “inimigo” recebeu munição nova, esse era o entendimento de parte das pessoas do meu convívio como forma de rebater o perigoso - porque inteligente-conservadorismo de Wolfe Posições polarizadas tornavam as discusões um campo de batalha.
Agora, mais de um quarto de século depois,a escrita mordaz de Wolfe, contida nesse pequeno livro, não ressoam com o mesmo vigor. A epifanía de Wolfe, habilidoso esgrimista de palavras, nos entrega um texto delicioso, sem duvida, porém, passado tanto tempo suas criticas se tornaram opacas e as questões que nela jazem tornaram-se impotentes, incapazes de acalorar discussões.
Além disso, os supostos danos à arte modernista da década de 1950 e 60 em particular e a pintura abstrata em geral, se é que houve algum, não se tornaram relevantes com o passar dos anos. Ao contrario, murcharam.
Alguns clones nativos se esforçam ainda hoje para obter êxito na campanha contra o modernismo iniciada pelo papa do 'new journalism', contudo, por não possuírem a mestria do original, embaçam o espelho ao tentarem refletir suas imagens no vulto de Wolfe. Portanto, falar deles é irrelevante.
Algumas recordações despertadas pela publicação brasileira e que não se encontram no livro tocam em polêmicas ativas na época. Sei que muitas pessoas não gostaram do livro e outros não gostarão. Espero que isso não os impeça de conhecer esse confronto entre personalidades da crítica, editores e jornalistas que teve uma considerável repercussão no ambiente artístico. Wolfe inicia dizendo que o fato que o mobilizou a escrever o livro foi uma critica de Hilton Kramer para exposição Sete Realistas: Pearlstein, Bailey, Mangold, Wiesenfeld, Peixe, Posen, Hanson, na Yale Art Gallery (Universidade de Yale). Esse contexto não obrigou Kramer a “adorar” o livro. Ele revelou que não tinha gostado quando foi publicado pela primeira vez, e provavelmente ainda não gosta. Afinal, ser referencia de um fato,obra ou texto não obriga o citado concordar com as ideias de quem o mencionou. Não é verdade?
O certo é que a ideia para o livro surgiu de alguma coisa que ele havia escrito um ano antes.Nas páginas de abertura do seu livro 'A Palavra Pintada,' Wolfe diz que foi "empurrado" para fora de seu devaneio habitual ao ler a critica de Kramer para a exposição da Yale Art Gallery no encarte dominical do New York Times e o reproduz: “O realismo não carece de adeptos, mas carece, visivelmente, de uma teoria convincente. E dada a natureza de nosso intercambio intelectual com as obras de arte, carecer de uma teoria convincente é carecer de algo crucial – o meio pelo qual nossa experiência de obras individuais se soma à nossa compreensão dos valores que elas simbolizam” Sacudido por essa citação, Wolfe se deparou com o fenômeno Ah!Saquei!
Foi esse viés que permitiu Wolfe vislumbrar pela fenda o lado “oculto” da arte contemporânea. Então,animado, mergulhou num mar “translúcido” de conjeturas carregadas com as cores ácidas da ironia:“Agora, finalmente, em 28 de abril de 1974, eu podia ver. Eu tinha ficado para trás o tempo todo. Não é "ver para crer", que bobinho, mas "crer é ver". A Arte Moderna se tornou inteiramente literária: as pinturas e outras obras só existem para ilustrar o texto. ”
Na última sentença, Wolfe foi visionario.
O que não enxergou no modernismo,viu -de ante mão - no Pós Modernismo.
Ao prever com muita antecedencia a consagração posterior do método 'Temático' implantado pelas curadorias de arte, que vimos triunfar são conjuntos de artistas e obras se sujeitando a ilustrar um tema 'criado' por um curador.
Os ataques de Wolfe ao pós-modernismo não chateavam Kramer. Segundo comentaristas próximos, Kramer sentia uma considerável simpatia pelos arroubos do jornalista contra grupos pós – modernos.O certo é que a ideia para o livro surgiu de alguma coisa que ele havia escrito um ano antes.Nas páginas de abertura do seu livro 'A Palavra Pintada,' Wolfe diz que foi "empurrado" para fora de seu devaneio habitual ao ler a critica de Kramer para a exposição da Yale Art Gallery no encarte dominical do New York Times e o reproduz: “O realismo não carece de adeptos, mas carece, visivelmente, de uma teoria convincente. E dada a natureza de nosso intercambio intelectual com as obras de arte, carecer de uma teoria convincente é carecer de algo crucial – o meio pelo qual nossa experiência de obras individuais se soma à nossa compreensão dos valores que elas simbolizam” Sacudido por essa citação, Wolfe se deparou com o fenômeno Ah!Saquei!
Foi esse viés que permitiu Wolfe vislumbrar pela fenda o lado “oculto” da arte contemporânea. Então,animado, mergulhou num mar “translúcido” de conjeturas carregadas com as cores ácidas da ironia:“Agora, finalmente, em 28 de abril de 1974, eu podia ver. Eu tinha ficado para trás o tempo todo. Não é "ver para crer", que bobinho, mas "crer é ver". A Arte Moderna se tornou inteiramente literária: as pinturas e outras obras só existem para ilustrar o texto. ”
Na última sentença, Wolfe foi visionario.
O que não enxergou no modernismo,viu -de ante mão - no Pós Modernismo.
Ao prever com muita antecedencia a consagração posterior do método 'Temático' implantado pelas curadorias de arte, que vimos triunfar são conjuntos de artistas e obras se sujeitando a ilustrar um tema 'criado' por um curador.
O fato que mais desagradou Hilton Kramer foi a critica de Wolfe à Clyfford Still, um artista que Kramer considerava "um dos mais originais" pintores do expressionismo abstrato. Porém, o que estendeu a irritação do decano da critica do 'NYT' foi o escárnio de Wolfe com todo movimento abstrato, incluindo os críticos e teóricos que o apoiavam e escreviam com frequencia matérias nos cadernos de cultura.
Para Kramer esse foi o disparate que faltava, visto que ele próprio muito contribuiu para difusão desse movimento da arte americana.
As tentativas de ridicularizar Clement Greenberg e Harold Rosenberg, defensores influentes início do expressionismo abstrato, se estendem no livro a todos os movimentos importantes do século XX- do Cubismo a Pop Art. Primeiramente publicado na revista Harper's em Abril de 1975 com o titulo "A Palavra Pintada: A Arte Moderna chega ao Ponto de Fuga”. O artigo atingiu em cheio o nervo de varias prima-donas da critica. Kramer respondeu imediatamente com uma longa análise, intitulada "Tom Wolfe e A Vingança dos filisteus." Dez anos depois, esse artigo foi reproduzido em um volume de opiniões e ensaios de Kramer que deram origem a publicação intitulada A Vingança dos filisteus: Arte e Cultura 1972-1984. Sua resposta a Wolfe inclui uma serie de provocações divertidas e outras nem tanto, como essas: “Se alguém tinha alguma dúvida que a vingança dos filisteus está sobre nós o ataque de Tom Wolfe a arte contemporânea, no número de abril da revista Harper's , acaba de extingui-la. Sobre arte, moderna ou não, Wolfe parece não saber nada”.“The Painted Word de Wolfe chega ao grande público que não sabe nada sobre a arte modernista, mas sabe muito sobre os rumores [fofocas] que são lançados em seu nome.Quando se trata da análise de idéias... quando ela se resume a obras de arte reais e inspiradas que nos levam a pensar, Wolfe, irremediavelmente, não é profundo(...)A [incompreensão de Wolfe] sobre o papel da crítica da arte - [sua] hostilidade com a teoria - identificada em The Painted Word, apesar de sua sabedoria e diversão literária, é um enunciado filisteu, um ato de vingança contra uma qualidade da mente com a qual não se integra e, portanto, trata como piada."
Wolfe não tem, certamente, o conhecimento de Kramer sobre a história do modernismo, assim como certamente não passou sequer uma fração do tempo de Kramer investigando a arte abstrata.
Porém, Wolfe é sagaz e brilhante em suas argumentações. Ele percebeu num piscar de olhos o poder da revelação ao ler: "o realismo não tem uma teoria plausível”. Lamentavelmente, sua observação de que "a falta de uma teoria convincente é a falta algo crucial"- no que tange a produção artística- poderia ter ido mais fundo,atingindo o amago do problema que mescla a arte à ideologias. O açodamento de Wolfe em proferir resenhas espertas o levou a cometer um baita equivoco. 'Ver para crer, não acreditando no está vendo', não é um problema. Ao contrario, pode ser uma incitação positiva para despertar no espectador 'O' olhar inquisidor, não apenas contemplativo, o emancipando da tutela dos eruditos e o lançando numa experiencia nova e pessoal.Esse,aliás, esse foi um dos fatores que inspirou os artistas a produzirem as obras mais surpreendentes do modernismo. O desprezo por esse detalhe fundamental enveredou Tom Wolfe por vias mal pavimentadas.Para um sujeito de pensamento e argumentação tão sofisticadas, essa é uma falha imperdoavel.
Porém, Wolfe é sagaz e brilhante em suas argumentações. Ele percebeu num piscar de olhos o poder da revelação ao ler: "o realismo não tem uma teoria plausível”. Lamentavelmente, sua observação de que "a falta de uma teoria convincente é a falta algo crucial"- no que tange a produção artística- poderia ter ido mais fundo,atingindo o amago do problema que mescla a arte à ideologias. O açodamento de Wolfe em proferir resenhas espertas o levou a cometer um baita equivoco. 'Ver para crer, não acreditando no está vendo', não é um problema. Ao contrario, pode ser uma incitação positiva para despertar no espectador 'O' olhar inquisidor, não apenas contemplativo, o emancipando da tutela dos eruditos e o lançando numa experiencia nova e pessoal.Esse,aliás, esse foi um dos fatores que inspirou os artistas a produzirem as obras mais surpreendentes do modernismo. O desprezo por esse detalhe fundamental enveredou Tom Wolfe por vias mal pavimentadas.Para um sujeito de pensamento e argumentação tão sofisticadas, essa é uma falha imperdoavel.
Adriano de Aquino out/2009