quarta-feira, novembro 15, 2006

Yahoo! Affair - O Colaboracionismo on line


Já assistimos muitos filmes onde atos contra a liberdade parecem ter conotações surreais. 
As semelhanças das características peculiares do episódio que envolve a participação da mega empresa Yahoo! com os roteiros de alguns desses filmes tornaram esse episódio mais espantoso. A companhia é um exemplo incontestável de eficiência tecnológica e sucesso financeiro entre as empresas proveedoras na modalidade de intercomunicação pessoal. Rapidamente,algumas empresas  conquistaram um lugar de destaque na disputa entre gigantes que atuam no ciberespaço. O Yahoo, foi das primeiras,
De repente, numa atitude bizarra e leviana, a empresa se envolve com a polícia chinesa para levar à prisão e posterior condenação os chineses Shi Tao (condenado em abril de 2005 a pena de 10 anos) e Wang Xiaoning acusado de ter publicado nos jornais e distribuído por e-mail, entre os anos 2000 e 2002, artigos a favor da democracia, condenado em setembro de 2003 a 10 anos de prisão e dois anos de privação dos direitos cívicos e Li Zhi, igualmente perseguido por informações concedidas a polícia chinesa pela mega empresa californiana. 
O curioso desses episódios é que esses jornalistas optaram por usar o Yahoo! por acreditarem que essa companhia lhes asseguraria, mais que as empresas locais, o caráter confidencial de suas comunicações eletrônicas.
Sabemos que muitos países suprimem a liberdade de expressão on line. No seu artigo, Ben Edelman (post abaixo) nos revela algumas formas de interceptação e procedimentos veladores das comunicações on line realizadas por alguns governos e companhias. 
Além disso o site Repórteres sem Fronteiras, nos informa quais governos praticam, assumidamente ou não, a censura na Internet.
É fato que o colaboracionismo não é uma novidade.
Diante dessa constatação muitos perguntam: Então, por que o colaboracionismo 'on line' praticado pelo Yahoo! tornou-se uma vergonha global?
Dois aspectos contraditórios tornam a discussão sobre o controle ou censura na Internet um tema complexo. Lamentavelmente poucas pessoas, comparando-se o número de usuários da Internet, tem uma opinião formada sobre o assunto.
Eu fiquei surpreendido que o grande volume de protestos na manifestação global on line - 24 h contra a censura – represente muito pouco, se comparado aos milhões de usuários da rede.
Os serviços de mensagem eletrônica são o foco central das preocupações sobre o controle da Internet. É inegável que muitos pais de família se angustiam diante da impotência em conter o enorme volume de oferta de sexo, violência, pedofilia e etc... disponibilizado na rede. Para esses pais as tecnologias disponíveis para controle do acesso a seus PCs de mensagens nocivas não lhes aporta segurança. Suas explicáveis preocupações encontram eco nas reclamações dos usuários que amargam prejuízos com as ações dos hackers que invadem os sistemas empresariais e domésticos,roubam informações, danificam arquivos e em casos mais graves destroem o cerne da maquina. 
Além disso, existem aqueles que se sentem ameaçados por mensagens anônimas e outros aborrecidos pela quantidade de spams que trafegam na rede e reclamam que as barreiras eletrônicas não conseguem excluir. 
Mensagens mal intencionadas, outras indesejáveis sobre produtos de toda natureza podem tornar o cotidiano do internauta uma chatura. Aproveitando-se disso, alguns governantes mal intencionados, usam seus serviços de inteligência para disseminarem a opinião de que a Internet livre é uma 'ameaça' -  caminho seguro para implantação de estratégias terroristas em escala global. 
Somando todos os itens podemos vislumbrar um fantasma assustador que justifica, numa certa medida, a paranóia generalizada, que vislumbra como positiva uma intervenção do bem (sic) na rede.
Mesmo desconfiando das ambições políticas e econômicas das autoridades, ao constatarem que as propostas dos politicos pouco contemplam o interesse publico, muitas pessoas preferem não se aprofundar nas complicações relativas a manutenção das garantias da liberdade de expressão e se sentem mais confortáveis quando isentos de responsabilidade delegam o poder de censura aos órgãos de Estado.
Contudo, é bom lembrar que o controle, por governos ou empresas, do ciberespaço incidirá no desaparecimento das garantias contra a violação da privacidade de todos  indivíduos. 
O surgimento da Internet difundiu pelo o imaginário mundial a idéia de que é possível a troca não tutelada, por organismos públicos ou privados, de experiências entre os povos. Essa nova forma de comunicação oferece as condições para a difusão de informações livres. Por não dispor limites à dimensão ou a natureza das informações, como os praticados pelos veículos da imprensa, nem impedir a difusão de matérias religiosas, morais ou ideológicas, muitos a consideram uma força inigualável de aproximação entre ideias e pessoas das mais distantes regiões do planeta. 
A Internet inspirou e inspira muitas pessoas a expressarem suas ideias sobre o assunto que mais lhes interessam. É claro que tais condições propiciam as mais variadas formas de difusão de dados sem qualquer tipo de registro ou fonte original. Isso pode parecer para muitas pessoas que a internet propicia o aliciamento e por isso mesmo é perigosa. 
Porém, nem o mais modesto dos seres imaginaria que tal fluxo seria capaz de detonar conflitos armados ou tornar o mundo da noite para o dia mais justo ou mesmo que a internet é o ambiente propício ao florescimento de consciências. O que a Internet faz é permitir que ideias e opiniões contidas e restritas a poucos indivíduos, comunidades ou organizações próximas ou distantes possam alcançar um interlocutor ou interlocutores interessados em trocas diversas. 
Entretanto, foi esse fenômeno, desprovido de riscos iminentes contra o todo social, que se tornou uma ferramenta tão ameaçadora quanto às armas atômicas, controladas pelas agências internacionais e pelo olhar zeloso dos governos que dispõe de grande arsenal nuclear. Por isso, e, por nada mais além disso, os governantes autoritários insistem em controlá-la.
Controlar a opinião dos cidadãos é o desejo de todo tirano. 
De fato. A tirania é tão antiga quanto à prostituição. Exatamente por isso evitei questionar os regimes autoritários que ainda submetem seus povos a opressão.
Meu interesse é somente refletir sobre o extraordinário feito do Yahoo!Quer dizer: deduzir o que levou uma conceituada companhia, detentora de milhões de usuários se envolver em práticas de censura e repressão tão antigas quanto nefasta e que transcendem aos domínios da política local. 
O 'affair' Yahoo! suplantou as fronteiras regionais e lançou a empresa num mar de suspeições em escala global.
Nesse episódio pouco interessa o que o regime  autoritário chinês exigia da empresa.
O que é relevante é porque o Yahoo! se prestou ao serviço. 
Diante dos fatos uma pergunta se impõe: o que levou a companhia a colaborar, de maneira tão deslavada e facilmente identificável, com a repressão policial chinesa aos dissidentes locais?
É pouco provável que a diretoria do Yahoo! não soubesse, em detalhes, os motivos que levaram o governo chinês a retalhar o Google em setembro 2002 e as conseqüências desse ato na comunidade virtual. 
Se o governo local não dispõe de ferramentas tecnológicas capazes de interceptar mensagens on line, por que a gigante da nova mídia mundial se prestou a fazer o serviço?
Dinheiro?Domínio? Medo?
Suponhamos, como em um roteiro cinematográfico, que o presidente da empresa estivesse sendo ameaçado por agentes do terror estatal ou que um membro de sua família estivesse prisioneiro de órgãos de segurança, sofrendo das mais acintosas formas de tortura.
Ainda que tais argumentos sejam muito comuns em filmes, não se justifica e, muito menos, retira a responsabilidade da empresa no caso das prisões dos usuários com a conivência de um provedor no qual confiaram seus dados.
O que é mais mais provável é que a companhia tenha sido presa fácil de uma estratégia que transita em alguns governos do mundo e que almejam desestabilizar a confiança dos internautas nos sistemas de mensagens on line. 
Uma espécie de ação pedagógica coerciva, que visa difundir, a nível global, o descrédito quanto à segurança e a privacidade dos canais de comunicação on line.
Agindo como agiu o Yahoo! nos revelou, mais uma vez, o quanto a desmesurada ambição torna vulneráveis, perniciosas e nefastas as ideias excêntricas e oportunistas dos alunos mais espertos da sala.


Adriano de Aquino.Novembro de 2006