domingo, setembro 19, 2010

A Possibilidade da Morte na Mente de Alguém Vivo

foto: Ricardo Apparicio

Após a conferência de Frederico Nimbus, Timothy se sentia revitalizado. Pensou duas vezes antes de sacar do bolso do paletó seu inseparável cantil de uísque e sorver uma talagada do precioso liquido como um brinde solitário à inteligência. A palestra de Nimbus foi um bálsamo para seu humor.
Não!Nada disso! Tomarei um bom uísque mais tarde. Afinal, sou o único entre o grupo de amigos a não recorrer ao AA ou terapias para atenuar a dependência etílica. Um alcoólatra consciente deve se esmerar mais que um amador descontrolado. O pensamento bem-sucedido empurrou Timothy até a cafeteria do museu onde sorveu um expresso cremoso. O café despertará meus neurônios preguiçosos e me animará a assistir à segunda palestra da noite que será proferida por Carlos Sacci. Pensando assim, após o café, Timothy vagou pelo saguão do museu absorto em seus pensamentos. Pelo canto do olho vislumbrou os banners promocionais que anunciavam as exposições em curso. Enquanto transitava pelo saguão refletia sobre os problemas enfrentados com a nova técnica que incorporara ao seu repertorio pictórico.
Ao contornar a coluna monumental que divide o salão em dois ambientes ele não viu mais nada. Foi subitamente atacado por um gigantesco banner intitulado The Physical Impossibility of Death in the Mind of Someone Living. Suas habilidades em artes marciais o fez desviar da boca aberta de um tubarão, todavia, o extremo domínio da técnica de leitura dinâmica lancetou sua mente com o aforismo afixado sobre a imagem do mais temido dos predadores marinhos, exposto ao ridículo papel de um bicho débil e inofensivo, afogado em formol e enfiado num enorme aquário. O impacto roubou seus devaneios e despertou sua ira. Tentou escapar pela tangente penetrando por entre as estantes da livraria. A escapada só piorou as coisas. Timothy se viu lançado num mar de tubarões flutuando em formol estampados na capa de centenas de livros que ocupavam todas as vitrines da loja.
-Isso é uma conspiração. A museografia contemporânea é uma cilada contra o individuo. Não há escape. A quietude e a concentração não pertencem mais a esfera do sujeito. Não bastam os espaços públicos, as ruas e parques abarrotados de propaganda, os espaços de arte, templos e instituições se transformaram em becos escuros onde bandoleiros atacam o passante para lhes surrupiar não apenas dinheiro, mas, sua mente. Resmungou.
-Desculpe senhor, sinto dizer que não concordo com sua opinião.
Timothy girou lentamente sobre o calcanhar buscando a dona daquela voz suave que ousou contestar sua intima reflexão. Quer dizer, não tão intima assim. O tom com que a proferiu pôde ser ouvido até pelo caixa do estabelecimento que ficava a uma boa distancia do ponto onde Timothy se encontrava.
Enquanto girava no próprio eixo Timothy escolhia, entre as muitas grosserias, qual a mais abominável para responder aquela voz que ousara se infiltrar em seus devaneios. Ao completar o giro viu-se frente a frente com a beleza plácida de uma moça asiática .Durante alguns segundos de eternidade Timothy teve uma visão de muitos juncos cruzando harmoniosamente o leito do rio Yangtzé. Ouviu o som das águas resistindo ao calado das embarcações e notou as montanhas ao fundo que se assemelhavam a enormes vasos de cerâmica avermelhada afundados na terra e cobertos por exuberante vegetação. Uma deliciosa fragrância floral invadiu seus sentidos. Extasiado pela maravilhosa sensação mal conseguiu balbuciar alguma coisa. Temeu extinguir os efeitos do encantamento:
-Como assim? Perguntou delicadamente Timothy.
-Sou mestranda em museografia. Ao contrário do senhor creio que essa especialidade é um elo de ligação importante entre a arte, o acervo histórico cultural e o público. Além disso, o que seria dos museus se não pudessem projetar impecavelmente uma exposição de arte contemporânea, por exemplo, adequando tonalidade, dimensão e característica técnica dos painéis expositivos, vitrines e outros artefatos de apoio à estética das obras apresentadas. A museografia contemporânea é um saber complementar sem o qual os museus seriam estruturas anacrônicas desvinculadas da contemporaneidade.
-Han! Han! Consentiu Timothy
Seu cérebro ainda estava sobre os efeitos do encantamento. Uma vaga intenção de contestar as palavras da moça não teve eco em sua mente. Qualquer insinuação poderia evaporar a sensação agradável de ouvir o que ela dizia. Não há antagonismo explicito que supere essa experiência. Por um momento ele chegou a conjecturar que a moça falava muito. No entanto, o tom de sua voz,o ritmo de suas palavras e as sutis mudanças de sua expressão facial compensaram sua omissão.
-Desculpe minha ousadia em interpelá-lo. Às vezes me excedo.
-Ora! Não se desculpe. Houve um mal entendido entre meu cérebro e minha fala. Eu poderia jurar que estava apenas resmungando com meus próprios neurônios. Não obstante, eles me traíram de novo. Não é a primeira vez que dão ordens a outros departamentos sem minha prévia permissão.

Ela riu educadamente e em seguida perguntou:
-O senhor veio assistir a palestra de Sacci?
-Não! Quer dizer, não a palestra dele, explicitamente. Vim para assistir a conferência de Frederico Nimbus.
-Já tive oportunidade, em outros eventos, de ouvir o professor Nimbus. Seus pensamentos sobre a contemporaneidade são estimulantes, polêmicos e originais. Nesse seminário apenas me inscrevi para as palestras de curadores latino americanos. Meu objetivo é entender um pouco mais as características locais, pois estou participando de um grupo de trabalho que montará uma grande exposição de arte contemporânea num país da America Latina. O senhor irá assistir a fala de Carlos Sacci?
-Estava me animando para isso até nosso incidente. Respondeu Timothy.
Nesse ínterim, uma voz onipresente, como as que ressoam nos aeroportos para anunciar a partida ou chegada de aeronaves se difundiu no ambiente. A locutora informava que às vinte horas e trinta minutos, no auditório B do setor oeste do New Museum, teria inicio a palestra de Carlos Sacci.
Timothy consultou de relance o relógio notando que passara cinco minutos das dezoito horas.
Essa constatação agregou mais um item para sua seleção.Ainda não havia decidido se assistiria ou não à palestra de Sacci. Agora, um encontro fortuito, acrescentara algo de inesperado ao cardápio de opções.
Como não cortar abruptamente uma sensação encantadora?
Nessa circunstancia é impossível visualizar uma agenda. Especulava Timothy.
-Mudaram o local da palestra. No programa consta que esse seminário seria nos auditórios do núcleo central do museu. Ainda bem que cheguei mais cedo.Pretendia ver algumas exposições em cartaz antes da palestra. Falava a moça enquanto Timothy explorava novas escolhas.
Subitamente, movidos por uma coreografia imaginária, os dois se puseram a caminhar lado a lado abandonando o espaço da livraria e parando diante de um enorme mapa de orientação museográfica. Naquele segundo Timothy percebeu que a medida mais sábia seria não esboçar resistência e se deixar guiar pela jovem. Ela apontava para o gráfico comentando algumas exposições anunciadas no painel. Ele ouvia, balançava a cabeça e seguia com atenção a ponta dos dedos dela que apontavam o trajeto de uma para outra mostra. Na realidade ele concentrou sua atenção nos gestos dela, absorto no itinerário digital. Pouco ou quase nada, entendeu dos comentários que ela fazia sobre cada exposição. Quando deu por si Timothy percebeu que havia escolhido, em comum acordo com ela, ir ver uma exposição intitulada Carne, Tripa & Miúdos na Arte Contemporânea, em cartaz no setor sul, ala D, do Art Kids Museum.Para não se mostrar desinteressado no papo e, muito menos, surpreso com as artes e museus de configuração geracional, Timothy comentou que seu filho de doze anos, hábil navegador na rede virtual, lhe mostrou uma vez o blog Tate Kids que agrega em suas paginas joguinhos cults. Falou dos gadgets Explore e jogue no Jardim de Escultura e cace o tesouro, Bring The Little Dancer to life! E do Get creative. Get painting.Timothy sentiu que esse seria o momento ideal para checar a fluidez da conexão entre os dois. Certo disso mandou seu primeiro comentário personalizado;
-Sabemos como os ingleses amam suas crianças. É uma sociedade sofisticada que incentiva, desde a infância, a inserção nos mais complexos temas da vida social. Afinal, amanhã essas crianças estarão na ponta do consumo. A arte e seus produtos têm que se esmerar em gerar demanda. Pouco importa que as ilações comerciais ou as políticas culturais voltadas para o mercado, tenham se sobreposto à educação artística. O que interessa hoje é que na hora de distribuir seus ganhos em bens de consumo, o cidadão reserve um punhado de dinheiro para as artes.
- Interessante seu ponto de vista. Espere-me um momento! Tenho que comprar algo naquela farmácia.
Os dois estavam nesse momento na interseção da Aléa Matisse com a Aléa Claude Monet, seção divisória entre o Old Museum e o New Museum. Haviam deixado para trás, ao cruzarem a Aléa Joseph Beyus, o Art Revolution Museum.
No atrium da seção onde se encontravam os estabelecimentos reproduziam uma rua parisiense do século XIX. Os restaurantes, farmácias, livrarias, agencias bancarias e de viagens, cafés e etc. eram inspirados nas fachadas de época. Eram cenários que reproduziam quadros famosos do Impressionismo. Os atendentes trajavam réplicas ordinárias das roupas que se usava naquele período histórico.
A fim de se localizar melhor Timothy fixou seu olhar nas frenéticas luzes que piscavam sobre um enorme bichinho gordo e sorridente, estampado com flores, círculos e triângulos coloridos, instalado entre a entrada do Mc Donald’s e o acesso ao Kids Museum. Timothy logo reconheceu a escultura. É o logotipo do museu. Sabia disso porque essa imagem não sai das paginas dos cadernos culturais. Timothy deduziu, então, que estavam muito próximos da Aléa Takashi Murakami.
Nesse ínterim a moça acabara de sair da farmácia Van Gogh. O detalhe curioso dessa loja é o fato de concentrar na praça frontal um grande numero de pessoas apreciando a monumental escultura de uma orelha, feita em carne, pele e sangue sintético, sensível ao toque. Quando um espectador a toca ela emite sons que remetem a dor, angustia e desespero. Ao tocá-la duas vezes o sangue flui por um visor de plasma onde o publico tem acesso a correspondência trocada entre o artista e seu irmão Theo. Narrada ao estilo de noticiário televisivo se transformou num rap de grande sucesso. Essa obra é responsável pela enorme visibilidade de um escultor argentino da vanguarda contemporânea.
-Perdão! Ainda não me apresentei. Eu me chamo Liu Jing. Nasci em Guiyang, capital da província de Guizhou, no sudoeste da China. Moro aqui desde meus seis anos.
-Bem, eu me cha...
-O senhor não precisa se apresentar. O conheço não só de nome, mas, também por suas obras. Além disso, já li inúmeras entrevistas suas. Interrompeu gentilmente Liu Jing.
-Ora, então, nesse contexto, estou em desvantagem. Represento o passado. Uma circunstância temporal que não mais surpreende ou encanta. Disse com gentileza Timothy.
Os dois riram e seguiram caminho em direção ao Kids Museum.
Ao adentrarem o enorme salão se viram diante de um manequim feminino, quase humano, trajando o que seria um vestido de gala, feito com retalhos de carne costuradas por grotescos pontos cirúrgicos. Mais adiante uma enorme instalação reproduzia uma sala de estar em que o mobiliário era todo construído com ossos humanos. As cadeiras eram esqueletos completos, alguns mostrando áreas de mutilação óssea originadas por tiros, machadadas ou golpes de facões. Sobre a mesa dois crânios humanos representavam a hierarquia familiar há muito abolida. Era a instalação preferida das crianças. Elas interagiam com a obra puxando, qual marionete, tendões e nervos dissecados que serviam de cordão manipulador. Mais adiante um grande livro, feito de pele humana e com a capa em couro cabeludo de onde pendiam mechas e tufos de cabelos de diferentes procedências étnicas. O texto, uma miscelânea de recortes do Tora, da Bíblia, do Alcorão,do Tripitaka, do Bardo Thodol, do Tratado dos Direitos Humanos, da Constituição Americana, poesias avulsas, manchetes de jornais,anúncios etc. - era transcrito com sangue humano em letras góticas. Ao lado, numa vitrine, as ferramentas de trabalho que confeccionaram o Último Livro da Vida, titulo da obra. Expostas sobre veludo negro o visitante via as agulhas feitas de osso, os cabelos que costuraram os cadernos e uma costela feminina polida. Acima, no topo da vitrine, uma foto 3D da artista e doadora dos ossos e um texto em que ela explicava seu processo de trabalho. Através desse texto o público ficava sabendo que a artista extirpou sua própria costela, lapidou as extremidades de maneira que se tornassem tão finas quanto a ponta de uma pena. A costela era um simulacro de uma pena de pavão. Pra quem não sabia o que era um pavão a artista empalhou um exemplar e o colocou sobre a vitrine.
Mais adiante, uma performance permanente era considerada pelos visitantes como a obra mais política da exposição. Uma jovem artista estava instalada há três anos no que seria o habitat ideal dos lobos. As arvores, pedras, riacho e plantas eram tão naturalistas que o espectador se sentia compelido a tocar os elementos a fim de comprovar se eram de fato reais ou sintéticos. Enquanto admirava a obra Timothy presenciou uma caça ao coelho. O bicho branco como a neve foi empurrado à força para fora de uma caverna. Paralisado pela cena não sabia para onde correr. Três lobos adultos o perseguiram ferozmente, contudo, a jovem artista o capturou mais rapidamente atraindo o bichinho para uma toca que tinha o sugestivo titulo de Cilada Afetiva. Ali mesmo, na frente de todos, ela o devorou sob os olhares raivosos dos lobos e sobressalto dos espectadores.
Nesse momento de grande êxtase dos espectadores, Liu pegou Timothy pelo braço e os dois se encaminharam para a saída. Andaram em direção as áleas Matisse /Claude Monet até chegarem a praça de degustação Van Gogh. Lá chegando procuraram um lugar no interior do café Lapin Agile e se instalaram confortavelmente.
Ela pediu uma taça de champanhe, ele um uísque.
-Veja só, Liu, exclamou Timothy, meu primeiro estúdio em Paris era muito próximo do Lapin Agile. O original. Claro! Eu morava na Rue de Bachelet e o famoso cabaré é na Rue des Saules, poucas quadras acima, em Montmartre mesmo. Quando lá morei o cabaré era uma referência da boemia artística do modernismo das primeiras décadas do século XX. Portanto, para mim, era uma parte do passado que guardava uma memória que não me pertencia. Melhor dizendo, não pertencia ao meu tempo. Mas,isso não impedia que me encantasse pelas idéias que suscitava. Antes de ter o sugestivo nome de Lapin Agile se chamava Cabaret des Assassins. Não creio ser possível estabelecer um ponto de convergência entre assassinos e coelhos, contudo, o dono do estabelecimento achou, por razões que desconheço, que deveria dar uma chance aos coelhos. Quanto mais ágeis, mais chances teriam,concorda?
-Sim, claro!Balbuciou Liu.
-Pena que o coelhinho da performance não tenha tido essa sorte. Torci por ele, mas, ele perdeu. Não há agilidade que supere a covardia.
- Concordo, disse Liu.
Talvez, querendo retribuir o encanto pelo encontro casual com Liu, que o levou por recantos do museu que nunca teve a mínima vontade de entrar, Timothy deu inicio a uma historia que, para ela, a principio, parecia sem pé nem cabeça e um tanto nostálgica.
-Apollinaire, um dos célebres habitués do Lapin Agile , foi preso sob suspeita de ter roubado a Mona Lisa. Depois de uma semana preso, foi solto. A titulo de performance, piada ou traição, sei lá, Apollinaire resolveu comprometer Picasso em roubo de obras de arte. Os dois eram amigos e frequentadores assíduos do cabaré. O pintor catalão foi levado para interrogatório e também se desvencilhou do problema. Contudo, as fantasias libertarias de Apollinaire quanto a destruição simbólica dos templos sagrados da arte o levaram a divulgar, entre outras provocações, um hipotético incêndio catastrófico no Louvre. Essas coisas chocavam o 'establish' cultural da época e...
Antes que Timothy completasse sua historinha foi interrompido por uma observação de Liu que ele ouviu atentamente.
-Em sua última entrevista ficou claro para mim que você adora falar através de metáforas. Entendo que esse seja um recurso sedutor para os artistas. Em certo sentido ao conduzi-lo a transpor fronteiras que em condições normais não atravessaria, também usei um recurso indireto para substituir a palavra, a idéia ou teoria. Esse trajeto que fizemos exprime a condição atual da arte.Entretanto, confesso que me surpreendi, pois esperava que antes de chegarmos a essa praça de alimentação você já teria esbravejado contra a contemporaneidade e a banalização do sistema da arte. Não, você não fez nada daquilo que eu esperava que fizesse. Seguiu o percurso calado e, ao entrar no Kids Museum, passeou por entre as obras expostas sem manifestar nenhuma objeção. Ao citar Apollinaire e sua rebeldia contra a canonização da arte você toca na ideia central da vanguarda histórica. Em sua ultima entrevista você afirma que a vanguarda contemporânea, que você chama de vanguarda histérica, não propõem a destruição dos templos sacralizados da arte ou busca caminhos inusitados. Ao contrário, os endossa e cristaliza. Para você o que está em jogo é a destruição do imaginário humano. Não posso concordar com isso. Penso que matéria e sentido se fundiram de tal forma na concepção artística contemporânea, que hoje se revelam indissociáveis. A matéria gerou raiz semântica e deu origem a novas linguagens. A compatibilização dos meios de expressão atingiu tal magnitude que resultou na completa extinção das fronteiras da estética e da plasticidade. Procedimentos de apropriação, fusão e equalização, entre sublime e grotesco, deram fim ao que restava de hipocrisia, tanto da ética quanto da estética.
Liu deu uma trégua em sua fala. Um pequeno gole na champanhe e permaneceu por um tempo com a taça tocando o lábio inferior. Olhava fixamente para Timothy como se estivesse a espera de uma resposta que não veio. Então,abaixou o olhar para a mesa no mesmo ritmo em que balbuciou:-"O Sábio não tem conceitos inflexíveis.Adapta-se aos dos outros".Esse aforismo  de Lao Tze  preferido da minha mãe é também o meu.
- Entendo.Disse Timothy.
Após um breve silencio ele continuou:
-Contudo, a parte visível desse amalgama é, sobretudo, a circunstância de que a arte hoje só se concretiza tendo como espelho o real, suas operações técnicas e pragmáticas. É nesse sentido que a condição atual da arte se submete ao real naquilo em que ele anuncia como código dominante. Tal circunstancia é uma forma de submeter a criação a fatores técnicos e objetivos. Todavia, não discordo que esse é o pensamento vencedor. Não sou um idealista. Sei que uma das metas do pensamento vencedor de uma época é consolidar uma estética própria, massiva e dominante. Não me surpreendi com as obras que vimos porque elas são pensadas e feitas para não nos surpreender. Tampouco as desprezei, porque desprezá-las seria uma forma pueril de contestar o real. Elas são a afirmação estética de uma face do real previsível e prontamente assimilável . Não sou um adepto das citações.Em geral são sequestros cults do pensamento alheio. Na maioria das vezes só servem para polir as conversas de salão ou engomar com erudição medíocres textos de arte. Henry Miller é um artista que não se presta a esse tipo de uso. Em Sexus ha um trecho que jamais esqueci: Há uma elasticidade cósmica, se assim lhe posso chamar, que é extremamente enganadora. Dá ao homem a ilusão temporária de que é capaz de mudar as coisas. Mas o homem acaba sempre por tornar a cair em si. É aí, na sua própria natureza, que pode e deve praticar-se a transmutação, e em nenhum outro lugar.
Nesse momento a voz onipresente retornou aos alto falantes para informar que a palestra de Carlos Sacci teria inicio em dez minutos.
Ao se encaminharem para o auditório Timothy se despediu de Liu Jing dizendo:
-Liu significa fluir. Jing quietude. Liu Jing, foi um prazer conhecê-la.