terça-feira, julho 07, 2009

Jackson é o pop.O pop é Jackson



A morte súbita de Jackson precipitou algumas reflexões sobre aspectos da cultura de nosso tempo. Coisinhas da vida diária, obras no ateliê e outros afazeres práticos, me impediam de entrar num ambiente mental propicio ao alargamento da perspectiva de visão sobre os efeitos das subseqüentes e rápidas transformações culturais por que passamos nos últimos trinta anos. As leituras, o acesso aos sites, uma razoável freqüência de visitas nas paginas das redes sociais e uma serie de textos, frutos de alguns insights, que postava no meu blog, apaziguavam, até certo ponto, as questões que suscitavam maior dedicação. Entrementes, a morte de Michael Jackson inverteu essa situação.

Seria um exagero considerar a morte de um dos maiores emblemas da cultura pop, um pressagio que afeta o amplo espectro da cultura de nossos dias?

Não, ao contrario, a simultaneidade entre a emoção de uma perda e a reflexão perante o desaparecimento de um personagem que pulsou,viveu e dividiu conosco o mesmo tempo do mundo é uma experiência única. A oportunidade de sentir e conjecturar sobre um evento dessa proporção, no tempo em que ocorre, tem algo de fantastico. M.Jackson cresceu diante dos nossos olhos. Durante sua longa carreira o vimos acender artisticamente, se transformar fisicamente e contribuir, como poucos em nossa época, para consolidar uma cultura que transcendeu gerações. Esse momento, em que fãs de todo mundo se comovem com a perda de um ídolo é também o melhor momento para refletirmos sobre o significado desse artista na cultura de nosso tempo, melhor dizendo, em nossas vidas. Um minuto de silencio, estamos participando intensamente de um importante momento da nossa historia,quer dizer,da historia de nosso tempo.

As polemicas levantadas por suas atitudes, a confusão que envolve as informações sobre sua morte, os aspectos sinistros que abrangem seu funeral etc., não nublaram sua relevante e múltipla existência, menos ainda sua trajetória artística. A obra e a pessoa de Jackson, suas metamorfoses, artísticas e corporais, se fundem com a construção da cultura pop e se consolidam como um registro único. Em resumo: Jackson é o pop, o pop é Jackson.

Há algum tempo vinha escrevendo no blog artigos sobre as transições que vinham ocorrendo no ambiente das artes plásticas. Ainda que se trate de um campo bastante especifico, nem por isso deixou de ser agitado por signos advindos da cultura pop, da mídia e dos códigos de uma era onde os signos do corpo, da aparência e da eterna juventude ganharam uma enorme importância.

Partindo de algumas cogitações sobre aspectos da cultura que antecedeu a cultura pop poderei explicar melhor o que penso sobre a importância de Michael Jackson na cultura da atualidade.

Nos anos 60/70, período de grande ebulição cultural que precedeu o surgimento da cultura pop, ocasião em que iniciei minha atividade artística, brotou nas ruas dos grandes centros urbanos o que se convencionou chamar de “cultura jovem”. Até então não se conhecia esse termo.

Intercomunicando-se, a partir de enormes concertos de musica, movimentos estudantis e manifestações culturais diversas, os jovens de vários lugares do mundo, ligados por um aparente compromisso com a identidade “jovem”, aspiravam mudar as regras do jogo social a partir da cultura. Essa identidade de que falo se expandia para alem da conotação estritamente pessoal, é claro. Fatores mais amplos, como identidade regional, social, étnica, sexual, cultural enfim, informavam sobre as atitudes, obras ou pensamentos de um novo tempo, através de um conjunto, quase hegemônico, de intenções. A contra cultura em seus procedimentos mais radicais, os hippies, os “heróis” desertores do Vietnam, os combates estudantis nas ruas de Paris, as lutas contra as ditaduras etc. pareciam então aos “conservadores” uma revolta mundial orquestrada. Hoje, um olhar distanciado nos permite pinçar diferenças entre essas correntes de militância e afirmar que não havia uma idéia especifica, ou melhor, uma ideologia condutora, que concentrava a energia dos jovens numa direção pré determinada.

Contudo, no centro dos eventos, podemos perceber um ponto comum -uma contestação objetiva – o desejo por mudanças radicais. Algumas vezes cheguei a conjecturar que o objetivo, ou melhor, o ponto de fusão, desses movimentos, visava à manutenção ad infinitum da dinâmica contestatória. Mas, como tudo nesse mundo, a dinâmica dos eventos acaba por se cristalizar em novas formulas que suscitam outros enfrentamentos. Essa tendência, se pudermos assim qualificar, se espraiou entre os jovens do ocidente e deu inicio a uma produção estética e intelectual “independente”, porquanto em confronto com as diretrizes econômicas, industriais, políticas e culturais dominantes. Sabemos que as utopias, sejam quais forem, não extirpam as agruras do mundo a um só tempo. Contudo, não seria incorreto afirmar que nos anos 60/70 os jovens do ocidente deram inicio a um movimento utópico espontâneo, de afastamento das doutrinas políticas, religiosas, dos hábitos e culturas locais, adotando uma cultura que aspirava por mais liberdade que, num certo sentido, se converteu, progressivamente, numa aspiração global, reduzindo,paulatinamente, o poder excludente dos preconceitos raciais, de gênero etc. e abrindo novas perspectivas de convívio,contribuiu para expandir os direitos individuais. As utopias, ainda que não tenham o poder das bombas e do dinheiro, concentram energias formidáveis, no final das contas fazem a diferença.

No ambiente artístico essa cultura se converteu numa abertura fantástica, permitindo a ascensão das diferenças e banindo, até certo ponto, o centralismo cultural que entravava a ascensão, em maior escala, das artes negras, latinas e de outras minorias.

Michael Jackson é fruto desse amalgama cultural. Seu enorme talento e esmero artístico não o tornaram apenas, por sorte do acaso, um ícone que perdurou mais de três décadas. O poder de sua arte, calcada em enorme talento e escolhas acertadas, transformou suas referencias culturais numa arte de tal forma poderosa que transcendeu o tempo, ajudando a consolidar o que hoje chamamos de cultura pop.

Suas metamorfoses corporais, a aparência de indistinta sexualidade, suas performances coreográficas, timbre vocal e interpretações cênicas se misturam, indeléveis, com sua vida pessoal. Separá-las, ou analisá-las a luz de um conhecimento especifico ou fundamento moral é puro reducionismo. Jackson homem é inseparável de Jackson artista. São de tal forma integrados que um sem o outro morre para si e desaparecem diante de nós. Sempre olhei com desconfiança as citações que tentam vincular ao extremo arte e vida. As considerava demasiado teóricas para se provarem factíveis e reais. Contudo, ainda que mantenha esse ponto de vista, devo admitir que Michael Jackson, gentilmente, como era de seu estilo, me revelou outro aspecto da realidade. Uma realidade POP>