segunda-feira, julho 20, 2009

Vanguarda Histérica


As justificativa do artista alemão Ottmar Hörl :"não compreendo tanto barulho sobre minha proposta estética,. eu não pretendia ofender ninguém", me permite dizer que ele não compreende nem mesmo o mundo que vive. Diante da inconsistente resposta me senti obrigado a retornar a discussão sobre as conseqüências do vale tudo na arte.Há algo oculto nesse tipo de resposta irresponsável que pode explicar parte das propostas estéticas contemporâneas. Esse tipo de atitude permea uma mentalidade complacente e acrítica. Afinal, num mundo inundado pelas mais idiotas banalidades por que dar importância a aparição na vitrine da Weigl Galeria, na Alemanha de um bonequinho que reproduz o gesto de mão da saudação nazi de Adolf Hitler e seus seguidores?
Aliás, por que se indignar também com as propostas de Günter Von Hagens? Anatomista alemão que ficou famoso em seu país e ganhou as manchetes internacionais através das exposições que realizou sobre os “vários estágios da vida humana” que incluía cena de sexo entre cadáveres além de outros 200 corpos inanimados, submetidos ao controvertido processo de "plastinação", nome de sua invenção“cientifica” dos anos 70. Por que se revoltar contra Guillermo Vargas Habacuc,artista nicaraguense que colheu um cão abandonado na rua, atou-o a uma corda curtíssima na parede de uma galeria de arte e ali o deixou morrer lentamente de fome e sede. Em 2009 a Bienal Centro-americana de Arte convidou Vargas Habacuc a repetir a ação. Os curadores da Bienal alegam que a grandeza da obra de Habacuc não pode se intimidar frente às criticas das pessoas que nada sabem de arte contemporânea.Os curadores correram em seu auxilio,pouco se lixando para a quantidade de cães que devem morrer frente aos olhos de um publico avido por experiencias estéticas contemporaneas..

O que essas intenções tentam nos sugerir? Afinal, Hörl não queria ferir ou ofender ninguém ao reproduzir a saudação nazi. Ele afirma que em uma exposição em Ghent, na Bélgica, no final do ano passado, não houve nenhuma queixa. Ele argumenta que na ocasião: "Eles(os gnomos nazis) faziam parte de uma exposição contra a extrema direita”... "Ninguém teve um problema com eles". Cada um dos gnomos vem com a seguinte inscrição em sua base: "As pessoas podem ser ideologicamente enganadas, assim como foram pelos nazis alemães”. Depois desse adendo Hörl não precisava fazer mais nada. Pra que defender seu trabalho como uma forma de sátira?Afinal, ele só queria se divertir um pouco, dando cotoveladas nos nazistas, retratando-os como gnomos. "Eu provavelmente teria sido morto pelos nazistas, se me atrevesse a mostrar os arianos a " super raça "como gnomos em 1942.”

Seu argumento tem algo de similar aos de Günter Von Hagens que também não pretendia desonrar os mortos e de Hababuc que considera sua obra uma denuncia contra a hipocrisia.

Von Hagens, não explica porque recorreu a seu invento cientifico fracassado o tornando experiência artística economicamente rentável. No fim das contas são apenas corpos sem vida, vazios de alma, de onde se extrai os líquidos dos tecidos corporais os substituindo por uma substância plástica especial tornando a matéria inerte, que seria devorada pelos vermes, em bem cultural com valor econômico declarado. Vargas Habacuc se valeu do argumento de que o mal está no intimo do espectador insultado, afinal: ”milhares de cães morrem nas ruas todos os dias. Por que se ofender ao ver um cão morrer de fome e sede numa galeria de arte? Pura hipocrisia!” diz ele.

Os gnomos de Hörl são imagens carregadas de ambiguidade. Será que ele não pensou nisso? Claro que pensou! Tanto pensou que anexou à base dos gnomos uma explanação com intenção de desviar uma imediata conotação de ode ao nazismo. Porém,ainda que a informação visse neutralizar a ambigüidade latente na própria imagem, ela é um adendo inútil,pois, a visão do objeto é um fenomeno especifico.Portanto,tal breviário, é puro cinismo que tenta eliminar a 'posteriori' qualquer duvida contida no precário conceito que levou o autor a produzir os bonequinhos nazis.A elaboração de um ícone capaz de gerar interpretações conflitantes com as intenções do próprio autor é um problema de criação não de interpretação. Artistas desatentos a esse contexto estão sujeitos a surpresas desagradáveis. A enorme complexidade da vida e dos signos contemporâneos exige muito mais esmero de um autor.Os preguiçosos, descuidados e oportunistas estão sujeitos a retornos indesejáveis.Esse parece o caso dos gnomos nazi de Hörl. Eles se confundem com os seres mágicos, carregados de conotações positivas, no imaginario alemão.Hörl,desprezou a polifonia interpretativa, um fenômeno contemporâneo de grande importancia.Sua experiência é um equivoco desde o começo. Ao tentar formular textualmente o que não conseguiu passar nas imagens Horl novamente fracassou. .Suas justificativas tentam, em vão, limitar a leitura de sua própria criação. Tal ingenuidade seria mais adequada a um artista naif que, por prudência, se mantêm afastado de temas de grande complexidade.

Escrever alguma coisa sobre mais um ato oportunista parece uma ação inútil, porém, é impossivel se calar diante de tanta manipulação. Já falei, em textos anteriores, sobre a frágil posição critica em tempos de relativismo cultural. Tal contaminação atingiu em cheio boa parte da produção estética contemporânea. Em tempos de liberalismos extremos, criticar alguma coisa que ocorra numa instituição cultural ou no mercado de arte tornou-se uma atitude previamente condenada e combatida pelos adeptos do vale tudo dominante.Uma névoa densa envolve a crença de que a abolição dos critérios e a paralisia critica é a mais eficaz garantia da liberdade criativa. A expansão dessa idéia invadiu a vida contemporânea de tal modo que se generalizou como argumento "politicamente correto". A expansão e a longa permanencia do relativismo cultural liberou forças descomunais capaz de destruir cerebros na fase de formação uterina.