quinta-feira, junho 14, 2007

A Sagração da Orgia

O mercado de arte está embriagado pelo dinheiro.

New York Times

12.06.2007

Essa frase dita por artistas e amantes das artes é na maioria das vezes entendida como comentário parcial, desprovido de significado mais profundo. Muitas pessoas acham que a critica ao sucesso revela um moralismo demodê, inveja e desdém pela fama e a fortuna dos artistas vencedores no multimilionário jogo do mercado de arte contemporâneo. Será apenas isso?Quando o New York Times estampa essa frase na sua primeira pagina o foco das atenções sobre a euforia que contagia indivíduos e grupos que se beneficiam, direta ou indiretamente, com a inundação de dinheiro na arte revela o que está por traz do estonteante glamour do “novo mundo” é um filme velho e desbotado. Esse fato, por mais irrelevante que pareça para a massa de leitores de um grande jornal, nos leva a refletir sobre as razões que levaram NYT criticar a atuação de um setor onde proliferam celebridades e extravagantes sinais de riqueza.A resistência de muitos artistas e pensadores contra as manipulações do marketing artístico é geralmente circunscrito aos seus próprios domínios. Kuspit no texto Valores da Arte ou Valores do Dinheiro (extrato ja publicado no HiperBlog) relata e analisa os mecanismos do mercado de arte na atualidade e os efeitos do porre que atordoa os indivíduos que circulam nos ambientes glamorosos das sociedades mais ricas do planeta. A supremacia do dinheiro sobre a arte tornou-se um fato indiscutível.Esse fato revela o tamanho do desprezo pelo valor intrínseco da arte em beneficio de seu preço de mercado. Ainda, segundo ele, os argumentos que questionam essa perversão caem em orelhas surdas, e, geralmente, a voz argumentadora é silenciada pela marginalização. Kuspit enfatiza que o preço pago por um trabalho de arte se transformou em valor absoluto de forma autoritária, ainda que o valor que o preço implica não esteja particularmente em questão,pois, ele nos é apresentado sem qualquer explanação – o preço é a explanação.Na ultima edição da revista virtual Artnet Jerry Saltz, crítico sênior da New York ataca o mesmo ponto que Kuspit quando analisa a exposição do artista japonês Takashi Murakami que esta acontecendo agora na Galeria Gagosian em Nova York. Nas palavras de Saltz: É maravilhoso que mais artistas estejam fazendo mais dinheiro com seu trabalho. Sem o mercado, o mundo da arte seria um lugar bonito, porém, triste e aborrecido.Num mundo onde dinheiro e merchandising representam sucesso e onde conselheiros, consultores e marchands vendem arte pelo telefone e JPEGs a colecionadores que imaginam incorporar a história da arte gastando exorbitâncias e onde Tobias Meyer, o cabeça da seção de arte contemporânea da Sothebys, diz que os preços "loucos" revelam “ um mundo novo”.De sua declaração podemos concluír que nesse "mundo novo" é o velho dinheiro que se sobrepôe a tudo.Para Saltz um exemplo dos efeitos nocivos do marketing artístico pode ser observado no culto dos admiradores de Murakami ,citado por muitos como “o Warhol japonês”. Usurparam o famoso aforismo de Warhol “a arte do negócio e o negocio de arte” e o deformaram com objetivos explícitos na frase idiota de Murakami: “a arte do negócio é a etapa que vem após a arte”. Murakami é dono de sua própria fábrica,mais uma réplica mediocre da Factory de Wharol(esse artista virou fonte inspiradora de replicantes mediocres),onde assistentes fazem suas pinturas, seu "Kaikai Kiki", que sua companhia representa mundo afora. A ânsia de Murakami em se apresentar como um out market faz com que artistas como Damien Hirst e Jeff Koons pareçam tímidos. Murakami caiu em sua própria armadilha, diz Saltz. Sabemos que não basta repaginar uma máxima de Warhol. O que está em jogo não é apenas o mercado e sim o pensamento e atitudes do artista em relação a um mundo entorpecido pelo culto ao dinheiro. Ao contrario do que supõe Murakami, não é ele quem dá as cartas ao mercado; é o mercado quem manda no jogo, assim como as operações de preço de muitos outros artistas.Lamento que essas reflexões circulem timidamente entre os artistas e que a chamada critica de arte brasileira se mantenha em aristocrática postura, por considerar essas manipulações atitudes periféricas às grandes questões da arte contemporânea.Hoje, essa questão é central. Em casos notáveis é o mercado que diz o que o artista deve produzir para aquela estação. Agrada-me pensar que a perseverança de alguns artistas e a consistência intelectual de pensadores autônomos, contribuem para a retirada paulatina do entulho consumista que obstrue a inteligência, a reflexão e a partilha de obras de arte sensíveis e autônomas.São muitas as matérias jornalísticas sobre a miséria e suas conseqüências. A novidade na matéria do NYT é admitir que a abundancia de dinheiro pode embriagar,embrutecer e emburrecer o mundo da arte.

Os bêbados são repetitivos e chatos!

Adriano De Aquino

junho de 2006