terça-feira, junho 26, 2007

Fui à feira. Retorno às 14H20.




Adriano de Aquino

junho de 2007

Com que obra eu vou?

Nas paginas de Veja:

Como entrar nesse universo Os artistas e estilos em alta na cidade, as melhores galerias e o que comprar a partir de 100 reais

Como comprar: Entenda as técnicas

Esses destinos locados na grande imprensa estão também disponibilizados nas paginas de busca da internet. Tornou-se vitrine que reflete o progresso do mercado de arte nacional. Para quem quiser saber mais, basta acessar algum site de pesquisa e abrir a enorme lista das feiras de arte que acontecem nos Estados Unidos, Espanha, França, Inglaterra, Itália, Alemanha, Suíça etc. No fundo elas não diferem muito, são apenas mais ricas e luxuosas nos grandes centros financeiros que nos países mais pobres.
O curioso é que esses eventos, remanescentes das feiras dos vários setores industriais e comerciais, uma espécie de zona franca de arte, está imunizada da analise critica. Nesse lugar só se fala em dinheiro. Entendo que não exista nenhum pudor em se falar de dinheiro, todavia, não entendo porque criticar as práticas do mercado tornou-se um anátema.
A perspectiva de que tais eventos resultem em mais dinheiro para os artistas é positiva. Porém, a hipótese de que o enriquecimento é uma virtude blindada à pressões contrárias, é pura ilusão.
Por que os críticos de arte que trabalham na grande imprensa brasileira nada comentam?
Alguns importantes críticos estrangeiros alertam para as manipulações negocistas e suas conseqüências na produção artística. Não se omitem diante da prosperidade sem precedente do mercado de arte. Contudo, para a grande imprensa brasileira, isso parece apenas um fato positivo. Adotaram uma espécie de seleção natural, circunscrita a seus interesses específicos e sobre o que entendem como arte contemporânea relevante. O que não se ajusta a esse perfil é descartado. Certamente por isso, desprezam qualquer manifestação artística que ocorra fora dos padrões estéticos dominantes. Priorizam os informes sobre transações mercantis que atingem preços vultosos.
Como no Brasil o mercado de arte não encontra oposição é necessário recorrer a eventos externos para melhor exemplificar minhas colocações.
Jerry Saltz, crítico nova-iorquino muito atuante, tem escrito ensaios sobre os vários artifícios mercantis hoje em evidencia.
Num desses comentários cita Takashi Murakami, o hit nipônico da atualidade, considerado pelos fãs o Warhol japonês. Seus dois maiores feitos são : o plagio do famoso aforismo de Warhol “a arte do negócio é o negócio de arte” que ele adulterou para uma formula idiota: “arte do negócio é a etapa que vem após a arte” e outro ter sua cotação de preço-a partir de US$ 400.000,00-como foco principal das matérias jornalisticas sobre sua obra. Seu haicai é uma obviedade ululante e um esplendor na forma e no conceito, de seu desprezo pela reflexão critica.
Recentemente, Donald Kuspit (historiador/critico de arte) escreveu: “os críticos de arte são perdedores intelectuais, a profissão declinou desde os dias de Greenberg e de Ruskin”.
Sei que é difícil para muitas pessoas admitir essa sentença. Contudo, ela é real.
A omissão da crítica em analisar o impacto causado pelas feiras na produção artística nos mostra uma visão condescendente com a pouca importância conferida à arte. De omissão em omissão chega-se a uma cruel constatação: Dane-se a arte! O que importa é o resultado, ou seja, a visibilidade e o desempenho econômico do setor. Queiram ou não, existe um paralelo com a tradicional política de extração dos recursos naturais em nosso país - as suculentas commodities- que, por um lado, retornam em divisas e satisfazem os administradores públicos. Pra que esforço e investimentos sociais verdadeiramente inclusivos? A entrada de grana oriunda da exportação de insumos minerais tem dado para pagar as despesas. Está bom assim! Geram divisas. Porém, as garantias de permanência constante do modelo são muito frágeis. Além disso, retarda a competitividade industrial e a velocidade de expansão dos setores de ponta. Ora!Dane-se, só se importa com isso aqueles que pretendem se opor e complicar as coisas. Alguns críticos pensam da mesma forma. Parecem satisfeitos em comentar apenas os ralos detalhes estéticos,amenidades e prestigio internacional das obras e artistas, desprezando os fatos que rolam na periferia. Isso explica, em parte, a suspeição do público e de muitos artistas sobre o desempenho da critica, das curadorias e do próprio sistema de arte.
Os jornais inventam polêmicas artificiais pelo simples fato de uma obra de arte atingir preços astronômicos ou uma instituição cultural deitar e rolar em verbas públicas. Tudo mais, intrínseco ao campo da arte, é irrelevante.
Todavia, as recentes transformações colocam diante de nós varias questões inquietantes que nos solicitam uma avaliação mais profunda sobre o valor das coisas que nos cercam. Não basta dizer que uma determinada obra de arte tem sustentação simplesmente porque é um sucesso financeiro ou porque o artista tem obras numa coleção internacional ou preço cotado na Sotheby’s.
Essas características falam da mesma coisa: visibilidade é mais importante que a obra. Estamos fartos de saber que êxitos mercantis ou recepção internacional são coisas formidáveis que falam de uma circunstancia especial elogiável, porém, nada acrescenta a obra em si.
Ler uma critica de arte tornou-se um esforço inútil que resulta em tédio.
Esse quadro piora ainda mais quando comparamos os textos de arte com as demais seções do jornal. Uma das coisas mais visíveis na mídia brasileira foi sua rápida adaptação aos desafios impostos pela internet. As empresas que não conseguiram acompanhar as mudanças sucumbiram. As que ainda funcionam são obrigadas a se reformular quase todo dia. A nova dinâmica reconfigurou para pior a seção cultural dos jornais. Os cadernos de cultura destinam noventa e nove por cento de seu espaço para divertimento e espetáculo, um por cento para arte e cultura em geral.
Entendo o stress dos editores, a comunicação também se tornou uma commodities. Nesse novo formato o leitor interessado em cultura é o grande perdedor. A gestão empresarial redimensionou, para menos, os espaços jornalísticos destinados às idéias. Lamentável! Hoje, poucos setores da produção cultural podem se orgulhar de manter um espaço especifico de reflexão como a literatura, por exemplo. Muitos acreditam que isso ocorre por força da indústria editorial. Pouco importa. O fato de ainda permanecer assim é importante.
Enquanto isso a critica de arte discursa sobre um mundo tranqüilo e imperturbável, um recanto bucólico cercado por uma atmosfera rica e glamorosa. Confirmam o mais estimado paradigma do pragmatismo econômico – vivemos no melhor dos mundos. Seus comentários elevam suas escolhas estéticas ao nível mais alto do espírito criador nacional. Para eles nada altera ou perturba esse ambiente intimo e aconchegante onde a arte existe pela arte. As manipulações, dificuldades, conflitos, reclamações, embates estéticos e contradições ficam do lado de fora. A crítica de arte brasileira tem as mãos limpas, não se imiscui em assuntos mundanos.
Nada além daquilo que publicam merece ser criticado.
No seu conjunto, os eventos artísticos são apresentados como espetáculos onde os indicadores como preço, freqüência, projeção internacional, características pessoais e alguns apelos de marketing se destacam como os pontos mais notáveis de uma exposição, da obra ou da personalidade do autor.
Nesse território impõem-se as regras do mercado, divertimento, imediatismo e negócios.
Ainda que sobre eles não mencionem uma só palavra