quinta-feira, agosto 10, 2006

O Martírio da Modernidade

1ªparte>Politica e Economia

No seu livro Uma Breve Historia do Homem o professor inglês Michael Cook afirma que a modernidade é uma questão de cultura e que uma vez surgida em um lugar; pode ser imitada em outros.
Através desse prisma as coisas parecem simples.
Para os artistas e intelectuais ligados ao modernismo artístico europeu do século XIX e XX esse era um paradigma cristalino quando preconizavam a expansão dos diálogos artísticos para além das fronteiras nacionais.Essa atitude não lhes obliterou a consciência de que a consolidação dos postulados do novo regime estético se daria às custas de longos embates contra os segmentos culturais conservadores,para quem qualquer mudança representava enorme ameaça.
Porém, apesar das reações contrarias, a extensão planetária dos movimentos modernos em arte, não obstante os descompassos cronológicos ocorridos entre os paises, confirmam o êxito mundial do modernismo.Contudo, no plano social, a modernidade engendrou complexos problemas sociais induzindo as instituições a se reestruturarem para fazer frente a uma nova dinâmica produtiva e a inéditas formas de trabalho.Nesse contexto produziu-se graves contradições.
Admitindo-se que o surgimento dos tempos modernos lá onde se deu -na Inglaterra dos idos de 1760, inicio da Revolução Industrial (historiadores contemporâneos acolhem a idéia de que o berço da Revolução Industrial foi a Holanda) não só difundiu novas técnicas e ferramentas como redefiniu prioridades -concedendo grande destaque aos avanços tecnológicos e redimensionando a escala de produção –alterando significativamente a redistribuição das riquezas pela sociedade local.Nesse sentido a Revolução Industrial e seus efeitos modernizantes, absorveram e consolidaram, lenta e gradualmente, as posições das novas categorias de trabalhadores envolvidos na nova engrenagem produtiva.
Se houve percalços eles foram impotentes para deter a marcha e impedir a magnitude do processo modernizador.Conduzida de maneira voluntária pelos empreendedores ingleses, independentemente da impertinência dos nobres e das agruras e incertezas geradas pela Speenhamland Law que levou a sociedade inglesa do final do século XVIII a se debater entre duas influencias opostas: a que emanava do paternalismo e que protegia a mão de obra dos perigos de um sistema de mercado, e a que organizava os sistemas de produção, inclusive a terra, sob um sistema de mercado, afastando a gente comum se seu status anterior, compelindo-a a ganhar a vida oferecendo seu trabalho à venda, enquanto ao mesmo tempo privava esse trabalho do seu valor de mercado, segundo as palavras de Karl Polanyi. Ainda segundo ele esses vacilos ocorreram durante o mais ativo período da Revolução Industrial, portanto entre 1795 e 1834, e dificultaram enormemente a criação de um mercado de trabalho.Mesmo tendo sido o mercado de trabalho o ultimo dos mercados a ser organizado a modernização dos meios de produção foi se agigantando superando aspectos inumanos, transpondo as fronteiras e proporcionando melhor distribuição da riqueza, que por volta de 1850 já se podia perceber pela elevação real de rendimentos e no maior investimento do Estado no bem estar dos cidadãos. Cook entende como um sinal do sucesso da modernidade a transposição do processo modernizador para além dos territórios nacionais.Para melhor explicar ele dividiu essa expansão em três grupos principais...O primeiro aconteceu nos territórios ultramarinos britânicos. O segundo grupo é dos europeus continentais e o terceiro grupo é o dos asiáticos orientais ou em alguns daqueles paises... Ele diz ainda que:... os países latinos americanos que a adotarem se sairão melhores que no passado.Essa chicotada sobre o lombo surrado dos povos desse martirizado continente demonstra o desprezo que boa parte dos doutos europeus devotam ao esforço dos paises latinos no empreendimento de modernização dos seus sistemas produtivos e das instituições sociais.
Por que?
Na tentativa de responder essa questão é possível que eu cometa inúmeras incorreções ou despreze alguns aspectos relevantes.Por isso antecipo minhas desculpas ao leitor que seguir adiante.
A chamada América Latina engloba trinta e três paises com passado de submissão colonial, na sua grande maioria escravocrata e que ainda permanece uma região marcada pela impunidade a exploração social e uma enorme desigualdade. Boa parte desses povos ainda sofrem mazelas inconcebíveis numa sociedade moderna.
Para Cook nós latinos não estamos sozinhos nesse buraco, mais abaixo, no fundo do abismo dos tempos encontra-se a África subsaariana, com exceção da África do Sul, mas não de Angola, que,segundo ele, são regiões onde não se ouve falar da modernidade com otimismo, caso similar também aparece no mundo islâmico.Restringirei minhas considerações ao panorama que ele destinou os países latinos americanos. Nesse contexto, a visão internacional é de certa forma coincidente.Para a maioria dos habitantes dos paises desenvolvidos os países sul americanos são recantos bucolicos que sofrem as conseqüências de uma absurda passividade administrativa e precaria racionalidade.
Eu, ao contrario, entendo que a elite brasileira não sofre de passividade,assim como o povo simples é trabalhador.
Então ,onde reside o problema?
Se a elite local não é passiva e muito menos ignorante como explicar tantos obstáculos para a implantação da modernidade. Concordo que as elites foram e continuam sendo as principais responsáveis pelos descompassos ao nosso desenvolvimento.Contudo,ela não é a única culpada.Por isso torna-se necessário uma avaliação mais detalhada.
Sem querer contrariar a tese do professor Cook, penso que a mundialmente famosa facilidade de nossa deslumbrada elite em espelhar-se na soberba e no orgulho das altas rodas internacionais e copiar modelos externos fracassou de forma espetacular ao negar estender, com o mesmo entusiasmo, a imitação dos benefícios da modernidade pelos vários setores sociais.Embalada por desmesurada ambição privou e continua privando os pobres de recursos essenciais a subsistência, guardando para si, de forma primaria e arriscada, o poder e as riquezas da nação.Se tal desventura não é sinal de ignorancia pode ser entendida como uma atitude de complascente irresponsabilidade e uma forma de condução que ruma em direção à tragédia.Uma caricatura grotesca disso são as cidades grandes brasileiras onde convivem, lado a lado, palácios nababescos e casebres insalubres.
Dizem alguns que essa atitude das nossas elites são resultantes da vassalagem que de bom grado praticavam nos contatos com o colonizador.Por algum misterioso motivo tal sintoma permaneceu mesmo depois que outros regimes o sucederam.Discordo dessa opinião.Tenho duvidas sobre essa logomarca de fazendeiro pachorrento, preguiçoso e ignorante,tipica dos filmes produzidos por cineastas cosmopolitas sobre personagens da região.
O problema é mais profundo que a rudeza de modos,a aparencia boçal e o linguajar chulo de um capataz.Entre nós se disseminou uma cultura extrativista, hoje facilmente identificavel no oportunismo desmesurado que se derrama por todos os setores da sociedade.O modelo do gestor latino é um protótipo comum a quase todos os paises da região e pode ser achado em qualquer categoria social.Um sindicalista ou um coronel de estância, rico ou pobre, tornam-se semelhantes não só nos trajes janotas com que se apresentam,mas,sobretudo na atitude arrogante e na postura paternalista que espelham quando assumem um poder.Introjetam automaticamente uma postura similar sem a qual não seriam reconhecidos, admirados e temidos pelos companheiros e rivais políticos.
Talvez por isso as repetidas tentativas de mudanças de rumo da nossa sociedade resultaram em rompantes sincopados, de abrangência social restrita e altamente custosa. A parte raros e elogiáveis personagens a vida publica brasileira é coalhada de figuras horripilantes.Acredito que a empatia que temos pela representação dantesca é oriunda de uma visão difusa, imprecisa e episódica que encobre uma fatal atração pelo desastre.
Aqui cabe um exemplo recente pois ele revela o confinamento da sociedade brasileira ao brejo da irracionalidade.Dos inúmeros impactos econômicos e sociais ocorridos nos últimos cinqüenta anos destaca-se o ocorrido no setor das comunicações.Esse setor agregou aos parcos meios locais um abundante instrumental tecnológico de ultima geração, permitindo que as comunicações eletrônicas cobrissem rapidamente um vasto território e atingissem uma enorme população,fazendo prosperar empresas milionárias sem, contudo, reduzir significativamente as desigualdades sociais e o analfabetismo.Para um observador atento e racional tal contradição é manifestação de um delírio esquizóide, entretanto, vista sobre o foco nacional essa discrepância é facilmente entendível e pior, aceitável.
Os marcos da modernidade social e econômica, emblemas da vitória da racionalidade dominante no século XIX e XX, aqui se tornaram só mais uma forma de martírio.Sabemos o quanto é difícil para um país atrasado se opor ao sistema global, contesta-lo e ainda assim progredir.
A recente fartura de recursos disponíveis no mundo desenvolvido vem produzindo curiosos fenômenos.Visando expandir a rede de distribuição de seus produtos, serviços e capitais os paises de sólida economia construíram pontes com os paises de farta e crescente população.Novos teóricos, sobretudo do setor econômico defendem teses que aparentam oportunas e promissoras para os paises que ficaram para traz, esmagados por grandes problemas sócios econômicos, que arrastam volumosas dividas, secular desrespeito pela coisa publica e inaptidão para empreendimentos privados. Uma dessas teses que obteve grande divulgação propõe saltos de etapas.A Coréia é um excelente exemplo de êxito da tese.
O salto de etapas me lembra as modernas pedagogias no trato dos alunos retardatários.Contudo, para o êxito do programa é vital que o retardatário invista sobretudo no desenvolvimento educacional e cultural.No Brasil educação é retórica eleitoral e cultura é assunto pra mídia.Além do mais,como no mundo atual as coisas andam muito mais rápido, é bom saber se os economistas pós-modernos já divulgaram teoria mais recente que devera ser experimentada nos paises periféricos.Quer dizer, todos que não integram o G7.
Novos critérios de avaliação econômica contam hoje com a anuência de importantes agencias internacionais, coisa inadmissível até poucas décadas atrás.Isso é bom mas não é tudo pois um diagnostico pode conscientizar o doente porém não tem o poder de cura de um medicamento adequado.Alguns teóricos da economia moderna e doutores em engenharia financeira crêem que os paises subdesenvolvidos podem saltar etapas e integrar-se mais rapidamente ao fluxo tecnológico e econômico global se adotarem as políticas publicas adequadas.Para eles o país em desenvolvimento que reformar suas instituições publicas direcionando-as para o mercado, atrairão capital e grandes empresas internacionais dispostas a participar de empreendimentos capazes de alavancar o desenvolvimento a partir do domínio dos saberes e das técnicas contemporâneas. A isso se impõe a abertura do Estado a participação das empresas privadas nos setores infra-estruturais, na exploração de matéria prima, produção e distribuição de energia e outros insumos, bem como no sistema de transportes urbanos, nos portos, aeroportos e nas bases e suportes de mercado exterior etc. Os adeptos da globalização acreditam que essas reformas viabilizam novos pactos.É bom lembrar que os governos brasileiros já vêm operando assim desde 1992, contudo, o crescimento brasileiro vem de revelando medíocre de ano para ano.Os vencedoresconsideram isso um detalhe irrelevante.Segundo eles isso ocorre mesmo em paises de sólida estrutura econômica onde os lucros astronômicos do sistema financeiro alcançaram a estratosfera com indicadores jamais alcançados em modelos antecedentes.Por isso eles identificam nosso tempo como uma era de prosperidade.Os altos índices de desemprego e a recessão industrial são entendidos como questões menores que podem ser amenizadas através de um programa assistencialista de governo.Coisa que no Brasil vem sendo feito há muito tempo e que atingiu absoluta mestria no atual governo.
Bem!Se tudo até agora descrito sugere um plano perfeito justifica-se nossa insônia, insegurança e preocupações.
Não só os brasileiros, mas todo o país latino americano conta com quase duzentos anos de independência política, entretanto, continuam sofrendo a opressão cabotina de seus dirigentes.Só podemos lamentar nossa impotência diante da vigência de uma cultura política paternalista, populista e demagógica que atravessa os tempos.Esses métodos devastadores marcam profundamente nosso caráter.É surpreendente e motivo de inexplicável orgulho que tenhamos chegado até aqui com relativa integridade territorial e poucas guerras.Nossas histórias são no mínimo intrigantes, mesmo diante do poder destrutivo das elites e da classe política da região, responsáveis pelas mazelas que sofrem as nações desse pobre continente.Uma danada tradição faz com que os críticos de nosso atraso se encham de razão quando afirmam que só poderemos obter êxito quando tivermos modernizado nossas sociedades, extinguido nocivos e antiquadas manobras eleitoreiras, enfrentado corajosamente os problemas sociais dando um fim ao paternalismo, as políticas clientelistas, a impunidade e aos favoritismos e nos graduado em autonomia econômica. Bem, se depender de todos esses fatores as coisas começam a descer ladeira em velocidade vertiginosa.
Não possuo conhecimento academico sobre economia.Só conheço Havard por fotografia , porém , me sinto pleno de pureza angelical para tecer comentarios sobre o assunto.Além do mais a finança sucedeu a magia e a religião se constituindo o novo Deus que rege o mundo contemporaneo.
Sobre Deus todos temos ignorancia similar.
O extraordinário poder da economia moderna despertou uma nova categoria de hereges com os quais me identifico.E,é bom lembrar que os economistas brasileiros conhecem muito pouco sobre a sua propria matéria. David Landes narra uma historia interessante envolvendo um economista latino.Ele relata uma conversa que teve sobre o ...insuportavel fardo da divida externa antiga e da vexatória e mesquinha insistencia estrangeira quanto ao reembolso.Ele sugeriu ao interlocutor que o seu país não pagasse o debito sublinhando: ...uma nação soberana pode sempre recorrer ao não reconhecimento da divida ...diante do que o economista retrucou ...mas a quem então iremos acudir para mais empréstimos? Para ele a questão essencial dos altos débitos dos governos latino americano está no cerne da cultura da maioria dos paises que querem permanecer tomando emprestimos, nem que seja para pagar os juros dos emprestimos mais antigos.Essa doida mentalidade ainda perdura na mente do politico local, mesmo diante das restrições impostas pelo rigor do importado recurso da responsabilidade fiscal.
(continua na próxima semana)
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O Caipira Picando Fumo de Almeida Júnior (1850-1899) na frente de uma pintura de Mondrian( 1872–1944)