terça-feira, dezembro 27, 2016

Agora estamos acordados.














Em 1926, Arthur Schnitzler,( Viena, 1862/1931)escritor e médico austríaco, escreveu um dos mais fabulosos romances que já li na vida. 
Na semana do natal reli 'Traumnovelle' ( Breve Romance de Sonho,versão em português).
Como presente natalino fechei a semana revendo a adaptação do Kubrick no seu magistral filme “De olhos bem fechados”.
Freud declarou inúmeras vezes sua profunda admiração por Arthur Schnitzler. 
Ambos viveram, cada um ao seu modo, muito intensamente, as profundezas abissais do sonho e do inconsciente. 
 Em 1922, Freud escreveu uma carta a Schnitzler, onde registra algumas observações sobre a obra do escritor e confessa ter evitado, durante muito tempo, ser apresentado a ele, pois, ao ler seus textos, acreditava que se tratava de seu “duplo”. Alguém que, como ele, era “explorador das profundezas” e que mostrava “as verdades do inconsciente”.
Disse,Freud: “Sempre que me deixo absorver profundamente por suas belas criações, parece-me encontrar, sob a superfície poética, as mesmas suposições antecipadas, os interesses e conclusões que reconheço como meus próprios. Ficou-me a impressão de que o senhor sabe por intuição – realmente, a partir de uma fina auto-observação – tudo que tenho descoberto em outras pessoas por meio de laborioso trabalho.”
Kubrick ambientou o trecho que encerra o romance numa loja de departamentos, onde o casal nova-iorquino Kidman / Cruise fecha na integra lindo dialogo original do final do livro (abaixo) 
(...)"Poucos segundos depois, sentiu a mão macia acariciar-lhe os cabelos. Levantou, então, a cabeça e, do fundo do coração, escaparam-lhe as palavras: “Vou contar tudo a você”. A princípio, Albertine ergueu a mão em silente recusa; Fridolin tomou-a, segurou-a entre as suas, e lançou à esposa um olhar a um só tempo de dúvida e súplica. Ela consentiu, ele começou a contar. O dia amanhecia cinzento através das cortinas quando ele terminou. Nem uma única vez ela o interrompera com perguntas curiosas ou impacientes. Sentiu que ele não queria nem podia ocultar-lhe nada. Deitada e serena, os braços sob a nuca, ela fez ainda longo silêncio depois de ouvir-lhe a história. Por fim, deitado ao lado dela, Fridolin curvou-se sobre a esposa e, diante daquele rosto imóvel com os grandes olhos claros, nos quais o novo dia parecia agora estar nascendo também, perguntou-lhe repleto de incerteza e esperança: “O que vamos fazer, Albertine?”. Ela sorriu e, após breve hesitação, respondeu: “Agradecer ao destino, penso eu, por termos escapado incólumes de todas as aventuras — as reais e as sonhadas”. “Você tem certeza de que é o que você quer também? ”, perguntou ele. “Estou tão certa quanto suspeito que a realidade de uma noite ou mesmo de toda uma vida não representa sua verdade mais íntima. ” “Nem sonho algum”, suspirou Fridolin baixinho, “é totalmente sonho. ” Ela tomou a cabeça dele nas mãos e aninhou-a com carinho sobre o peito. “Agora estamos os dois acordados”, disse, “e assim será por muito tempo. ” Para sempre, ele quis acrescentar, mas antes ainda que houvesse pronunciado as palavras, ela colocou-lhe um dedo nos lábios e, como se o fizesse para si mesma, sussurrou: “Melhor não perguntar ao futuro”. E assim permaneceram ambos deitados, talvez cochilando um pouco, juntos um do outro e sem sonhar — até que, como em todas as manhãs, bateram na porta às sete horas e, com os ruídos habituais provindos da rua, um vitorioso raio de luz atravessando a fenda na cortina e uma aguda risada de criança no quarto ao lado, principiou o novo dia."

quarta-feira, novembro 02, 2016

Carpe diem...(seriado em 4 capítulos)



   







Cap.1

Às vezes tenho que contrariar minha preferência pelo ‘carpe nocte’ e partir para atividades físicas e mentais no ‘carpe diem’. 
Meus amigos mais próximos sabem da minha lassidão frente aos empreendimentos sociais que implicam na divulgação midiática da minha atividade artística. 
“Ora, se até chocolate tem que fazer propaganda, por que um artista deve relaxar na difusão da sua produção? Agindo assim vão acreditar que você já morreu. Aliás, sequer nasceu! ” Disse-me o amigo empenhado em me converter à performance midiática e me convencer a ir a reunião com uma empresa de promoção e marketing cultural, indicada por ele.
Deixei de lado meus hábitos boêmios e mergulhei no “Carpe diem”. 
Ao olhar minha cara no espelho às 7 da matina tive que me apresentar de novo: Olá! Carpe diem para você!
Parti agencia!
O centro do Rio é um mafuá galáctico, pontuado de pequenos ‘enclaves’ pós-modernos revestidos de mármore ou granito, climatizados, ambientados e sonorizados como nave espacial, cuja a fila da rampa de acesso ao ascensor mistura povos de planetas distintos. A miscelânea cultural e social dos passageiros do elevador revela que nessas plagas as fronteiras geográficas ficam inteiramente dentro dos limites de um outro território estrangeiro. Elevador lotado, lá vamos nós rumo ao espaço. Ao meu lado um sujeito barrigudo, trajando camiseta sem manga, bermudas e chinelos, carregava um pacote de documentos com carimbo ‘Confidencial’.  Na minha frente uma moça bonita e cheirosa, ajeitava um colar reluzente, ajustava o relógio de pulso ao mesmo tempo que despertava o celular, objetos que durante a escalada do elevador tirou de um esconderijo secreto na sua bolsa. Nas ruas, quer dizer; nos territórios bárbaros, ela não porta nada disso, pensei.
Depois da sequência de sons eletrônicos que alertam o passageiro sobre os vários estágios do voo, aportei na plataforma de destino. 
Saguão com piso de mármore branco coberto com tapetes da antiga Pérsia, dispostos cromática e proporcionalmente. Na lateral à porta de entrada do escritório,uma grande pintura ocupava toda a parede, do chão ao teto. Em cores soturnas, pinceladas dramáticas e discretamente iluminada, a pintura confronta o visitante ocasional com a visão ‘sensível’ de uma metrópole opressiva. Admirei a obra por algum tempo. O contra plano entre a metrópole real, que havia deixado antes de embarcar no elevador, e a metrópole ‘sensível’ do pintor, compuseram na minha retina um díptico contrastante. O inferno pictórico é menos agressivo que o real que fica 15 pisos abaixo,pensei. A vida pode ser mais bela quando projetada pela interpretação do real.Pelo menos para alguns artistas.
Antes de acionar a campainha e a câmara de vigilância, fiz uma limpeza na minha memória. 
Num processo de meditação ‘zás traz’, enviei minhas impressões sobre a viagem até aquele ponto para um segundo plano mental.    

Cap.2

Seja bem-vindo! Disse-me o recepcionista. 

Um perfume sofisticado, levemente doce, imitando uma flor inexistente na natureza, penetrou minhas narinas.
Ambientes ricos e sofisticados exalam aromas e sensações inebriantes. Enquanto aguardava, sentado confortavelmente numa poltrona de couro, assistia ao telejornal de uma emissora por assinatura que só tem mulheres como apresentadoras, repórteres e comentaristas. As poucas vezes que assisto esse tipo de programação me pergunto: O que foi feito dos homens? Ficam escondidos na redação? Os poucos que entram na grade dessa emissora só desencantam nos telejornais noturnos, às 10 horas.
Será uma luta de gêneros ou somente um estilo que considera mais adequado um telejornal da manhã, feito somente por mulheres para mulheres?

Cap.3

Uma sala de reuniões cinematográfica. Mobiliário hi tech, objetos de decoração e arte de bom gosto,compõem um diálogo discreto e elegante. Duas sócias do escritório entram sorridentes e sentam-se à minha frente. Tudo combinando. São estereofonicamente simpáticas e agradáveis. Me apresentam um vídeo sobre as atividades do escritório, os artistas e celebridades que atendem e as projeções das suas ações na grande mídia. 

Tudo impecável!
Após os prolegômenos de praxe, uma das sócias chamou a curadora de projetos, a gerente de imagem e a jornalista que cuida da mídia impressa e eletrônica dos clientes. Em poucos minutos me vi como um paxá em meio a um harém de profissionais jovens, bonitas, elegantes e competentes. 
Na verdade, me senti um ‘dimenor’! 
No monitor, as apresentadoras do telejornal continuavam gesticulando e falando uma com as outras. O som 'off' não permitia que eu ouvisse qual era a notícia do momento. Num determinado ponto cheguei a imaginar que apenas eu e o segurança da recepção éramos os poucos homens que restavam sobre o planeta. A sensação se intensificou com chegada de uma moça esbelta trazendo uma bandeja com cafezinho, água e biscoitos. Nesse ponto, eu já havia perdido a conta de quantas mulheres estavam em cena. Sorri comigo mesmo ao lembrar da cena do ‘Oito e Meio’ do Fellini quando Marcello Mastroianni é banhado, enxugado e acariciado com toalhas do mais puro branco, manuseadas por mais de uma dezena de delicadas mãos femininas.
Ah!Adoraria que o mesmo acontecesse comigo, ali mesmo,naquele momento. 
Ao ser informado que a pintura exposta na recepção era de autoria de uma pintora famosa no Brasil e no exterior e cliente do escritório, fui subitamente tomado pela súbita sensação de entendimento da essência de algo que também pode ser ilustrado por um termo usado para a realização de um sonho...uma epifania. 
O mundo é, enfim, das mulheres! 
De volta a nave que me traria ao térreo, me indaguei se o objetivo da minha entrevista havia sido alcançado. 
A lógica primaria das técnicas de difusão e marketing são uteis para os artistas que buscam maior visibilidade e fluidez mercantil para sua produção. O alvo dessa iniciativa é ampliar o arco da demanda comercial pelos produtos mais destacados na vitrine de um determinado segmento social. Do ponto de vista operacional é um facilitador na medida em cria maiores expectativas de demanda, monetiza a produção, revertendo para o artista reconhecimento social e pujança econômica. Não é de se estranhar que o sucesso dessa categoria tenha estreita conexão com o que se convencionou chamar de pós modernismo. 
Em vista disso, as pessoas que mergulham conscientemente naquilo que desejam,não podem evitar a  pergunta:qual o custo existencial de se integrar a esse tipo de ação? 
O que a princípio parece solução pode apenas esconder outro problema.As vezes, muito mais graves. Os mergulhos profundos no processo criativo não prescindem da liberdade. 
No meu entender, o  processo criativo  é um amalgama entre o impulso do artista, o tempo e a experimentação, fenômeno que só ocorre com a completa sinergia entre esses elementos. 
A fim de preservar esse princípio evito produzir para cumprir  uma agenda de compromissos que exigem foco, determinação, objetividade e controle cronológico do tempo.
Já trabalhei para cumprir uma agenda. Conheço bem os danos que advêm do confronto entre a exegese e a conclusão física de uma obra. Sobretudo, porque, o meu processo de trabalho não tem origem ou segue a linha pré-estabelecida de um projeto de pintura. Além disso, não sou um artista movido pela compulsão de pintar. Para mim a pintura não é  um evento lúdico ou uma catarse. Muito menos ilustração de recortes da realidade objetiva ou uma 'ideia' sobre arte,um dialogo referencial com um estilo ou artista especifico ou registro auto biográfico.
Na prática, a pintura é para mim a porta de acesso ao sagrado no sentido original da palavra latina ‘sacrum' que se referia aos deuses ou a alguma coisa 'misteriosa' em seu poder. Essa palavra foi concebida originalmente como referência a área em torno de um templo, onde se poderia  transcender para além das questões objetivas que regem o mundo.  
Vem dessa antiga tradição o conceito de que o território onde se erguem os templos é do domínio do sagrado. Religiosos são os templos.Não seu entorno.
Como podem perceber mais uma vez a epifania abateu meu frágil pragmatismo. 
Tergiversei do programa original ao qual me havia proposto. 
Se me propusesse a aplicar as propostas objetivas apresentadas tecnicamente pelas consultoras eu teria que interpretar um papel que não me atrai e para o qual não sou talhado.
Teria que encarnar o canastrão que acredita em si mesmo e que, ao sabor dos ventos e das marés, se reinventa inteirinho como pessoa a cada evento.
Nascer de novo,no sentido radical do termo, é do domínio da metáfora. 
No plano do real, prefiro o nascer de um novo dia!  
Continuarei, portanto, mantendo um distanciamento  crítico em relação ao desempenho pessoal na escalada do sucesso. 
Até porque, as  gratificações que transitam no mundo das artes,ainda que pareçam dádivas dos deuses conferidas aos eleitos,não são gratuitas. Tem um alto preço.
Ilude-se mais quem acredita que o reconhecimento é uma resposta espontânea do meio social ao trabalho artístico. 
A sociedade responde  às suas crenças.
Mas,o artista que se dedica a atender essas crenças,tende a se tornar um mitificador.

Cap. IV

Em vista do exposto,uma síntese sobre os capítulos anteriores ajudará ao leitor a entender o que de fato me mobiliza e gratifica.
Desde o advento da cultura digital,em particular as redes sociais,tenho tido respostas muito animadoras sobre novas formas de interação social. 
Ainda que as técnicas de marketing cultural e visibilidade midiática  sejam recursos muito poderosos para difusão do trabalho de um artista,elas não respondem às minhas expectativas sobre a forma particular com que um espectador se aproxima do meu trabalho artístico. Chegar a um artista pela sucessão de matérias jornalisticas, textos curatoriais, eventos e promoções especiais de arte e cultura,através da abundante divulgação pelos veículos da grande mídia, é a forma mais usual do marketing e do jornalismo cultural.
Esta é uma via de resultados expressivos para o exito de um autor e de um show de arte.
Mas, como frisei nos capítulos anteriores,ela não ocorre como um ' milagre'. 
Tem um custo e exige muito empenho do interessado.    
Ha quase duas décadas tenho usado as redes sociais para compartilhar minhas ideias em tempo real com milhares de usuários.
O feedback dessas postagens, descortinou para mim uma nova modalidade de interação social. 
A rede de relacionamento social,em tudo revolucionária,tem respondido aos meus interesses de maneira gratificante.
Muitas pessoas que visitam minha TL,mal sabem quem sou. 
Muitos não tem a mínima ideia da minha atividade profissional ou minha carreira artística.Porém,ainda assim,leem,comentam e compartilham meus textos sobre cultura,politica,arte e divagações sobre a vida. 
Essas ocorrências -são muitas - tem me ajudado a visualizar um caminho inédito e promissor para a difusão do meu trabalho artístico,na  exata medida do meu desejo.
São incontáveis as mensagens  'in box' que me são dirigidas por pessoas que seguem minhas postagens e que,curiosas,confessam ter recorrido ao Google para se inteirar sobre minha pessoa,meu currículo profissional e minha carreira.
É esse 'algo' peculiar,urdido do próprio punho,capaz de chamar atenção para si, a ponto de despertar o interesse de terceiros a sondarem um site de busca a fim de pegar mais referencias sobre o que lhe tocou de alguma forma, que me enche de satisfação.
Mais estimulante ainda é antever que esse meio permitirá pessoas de um 'novo' mundo,num futuro próximo, a serem menos dependentes da intermediação dos poderosos meios empresariais e estatais de comunicação social em beneficio das suas próprias escolhas.
Creio que esse será um passo adiante rumo a autonomia do pensamento e maior liberdade. 
Na atualidade,arte e comunicação se tornaram quase sinônimos. 
Palavras vagam entre coisas.
Sinônimos,as seguem.         
Por isso,a Arte que me estimula fruir sobre a experiencia estética é,sobretudo,aquela que escapa pelos interstícios do diversificado e onipresente sistema de comunicação.

              
  




    

sexta-feira, setembro 30, 2016

Tabu



‘Dinheiro. O único tabu que ainda resiste as ‘incertezas vivas’ que se espraiam mundo afora no século XXI. Todo o resto foi superado nas lutas contra a opressão (sic). A humanidade, enfim liberta (ibidem) dos tabus superficiais acumulados na longa trajetória civilizatória, se curva diante do deus de todas as certezas. ’
Com essas palavras iniciei o diálogo com uma amiga. 
Ela parecia triste e angustiada. Um dia antes enviou-me via whatsapp uma dezena de fotos de ‘obras’ que clicou na inauguração da feira de arte e eu sequer abri os arquivos. Quem, como eu, evita abrir mensagens carregadas, fóruns, debates, depoimentos e gravações com mais de 2’ nesse aplicativo, sabe perfeitamente as razões de não correr o risco. Na conversa telefônica, lamentei o fato e expliquei a razão, mas, não pude deixar de perguntar o porquê da angustia por um fato corriqueiro. Era tudo que ela queria para abrir sua arguição. Sem me perguntar o que achei das fotos das ‘obras’- um alivio- partiu direto para seu lamento, manifestando decepção por não ter visto na feira obras de alguns artistas que muito admira e que integram sua coleção particular.  
Como vocês não participaram da conversa, mas tem algum interesse em saber os detalhes, é bom que eu ilustre o tema.
Não tenho críticas quanto as iniciativas de mercado que visem ampliar o campo dos negócios. Nesse ambiente, tudo, mas tudo mesmo, está sujeito às operações que visem gerar receita, obter lucros e aprofundar a trajetória da mais valia. Nada escapa dessa doutrina. Nem mesmo aqueles produtos artísticos que agregam gentileza sensível ou aversão estetizada ao sistema ficam fora do foco do mercado. Dito isso, fica esclarecido que para mim as feiras de arte são ferramentas de dinamização do sistema financeiro e de fomento do comercio de arte. Aliás, as feiras sempre foram uma forma direta de oferecer produtos ao consumidor. Nas feiras o visitante tem um certo protagonismo ao escolher uns brócolis, um automóvel, uma lancha ou uma obra de arte, leva-los para casa e se sentir gratificado. Portanto, problematizar uma mostra de produtos estéticos com essa característica é uma premissa ingênua. As feiras de arte, bem montadas e geridas por profissionais competentes é uma excelente oportunidade de negócio.
Pronto! Já estamos na conversa.  
Porém, a glamourização das feiras de arte e as mostras paralelas que as escoltam, criaram um ruído que repercutiu em muita confusão. Tanto entre frequentadores ansiosos por novidades como entre artistas desejosos de visibilidade. Uma inauguração cheia de gente alegre, rica e bonita, circulando entre obras de arte é muito estimulante. Esse diferencial distingue uma feira de arte de uma feira dominical de artesões numa praça qualquer da cidade. Nesse ponto, se criou um falso problema. O fato de entusiasmar os visitantes e ser um evento com grande visibilidade midiática, difundido na agenda cultural da cidade, não significa a mesma coisa que ser um evento especifico de arte, onde se expõe propostas estéticas mais arrojadas e experimentalismos performáticos que, por suas particularidades não caberiam -aliás, esteticamente não deveriam caber- no escopo dos negócios de uma feira de arte.
Ufa! Mas, não para aí. Se é para problematizar vou adiante. Avançarei sobre a trincheira do tempo e trarei para o presente um episódio que mudou o curso dos eventos culturais, especificamente focados na arte.     
Em 1863, quando a vanguarda fervilhava em Paris, os artistas problematizaram o salão oficial da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura. Os artistas, recusados pela crítica dominante da época, recorreram ao Imperador Napoleão III a fim de suprir tamanha injustiça. Napoleão os atendeu, mandando que se fizesse uma mostra paralela, que foi intitulada Salon des Refusés.  
A proposta foi recebida ironicamente pelos conservadores. Eles acreditavam obras de arte recusadas no salão oficial, atrairiam um grande público disposto a ridicularizar as obras dos recusados. Entre eles, Manet e Cézanne. Apesar da reação desfavorável aos trabalhos expostos, o Salon des Refusés passou a ser um forte concorrente do salão da academia. A partir daquele ano, a iniciativa agregou muitos artistas que, mais adiante, organizaram exposições independentes como a dos Impressionistas, em 1874.Assim, o Salão dos Recusados foi, em síntese, o embrião para a consagração social da pintura moderna.

Para finalizar, a crítica que não faço ao empreendimento das feiras de arte, é destinada a um evento que deveria ser de cunho especificamente artístico, como a Bienal de São Paulo, mas, por absoluta desconexão com a pluralidade estética dos dias atuais, aquele evento se tornou um circo temático regido pelos humores dos curadores.
Os curadores dos salões oficiais da Real Academia Francesa de Pintura e Escultura, foram esquecidos. Apenas os pesquisadores sabem quem foram. Napoleão III, está registrado na história de França como um imperador controverso que, por sua compreensão, permitiu o desabrochar de uma nova estética.
 Não há nenhuma ‘incerteza’ quanto a isso.
Contudo, “Incerteza viva / Live Uncertainty”, que no meu entender deveria ser contestada veementemente pelos artistas e pelo público que refutam o método seletivo e arcaico de uma mostra de arte contemporânea,passa despercebida. Os 'Refusés' constrangidos se refugiam nas Certezas Oprimidas/ Certainties Oppressed (versão global) para ali se debulharem pelo fato banal e corriqueiro de não estarem numa barraca da feira de arte. Essa é a problematização recalcada que o tabu(poder)do dinheiro oculta da clientela.

segunda-feira, setembro 19, 2016

Imagem & Memoria











Tem coisas que dão duplo prazer. 
O primeiro, realizar.O segundo, resgatar.
Esse é o caso desse vídeo experimental que realizei em 2006 para acompanhar a serie de imagens mostradas na sala Imagem & Memoria, contígua a exposição Divisões Internas que realizei no Paço Imperial,Rio de Janeiro, em 2007.
O vídeo e as imagens foram adquiridos naquela ocasião. No contrato, o proprietário teria que garantir os direitos do autor bem como o uso da trilha sonora.Um desentendimento posterior  entre o proprietário  e o autor da trilha bloqueou o vídeo por um bom tempo.Passado dez anos, o contrato perdeu a vigência e pude resgata-lo. A versão original, bem como a agora reeditada, permanecem bloqueadas na Alemanha. 
Suprimi a primeira versão e fiz uma adaptação com uma trilha sonora  'livre' de direitos,que é o caso das imagens usadas na concepção original do vídeo,como bem explica o texto abaixo, que acompanhava a exposição. 



       
                                                                                                                                (clique para ampliar)

















quarta-feira, setembro 14, 2016

Dois jardins e uma pintura





Parece um paradoxo,entretanto,um elevado grau de ateísmo me permite gozar sensações ‘divinas’.
Como adepto desta corrente ‘espiritual’-mais um paradoxo- sigo as recomendações dos meus sentidos. Desta forma,meu medo de errar,duvidar,aceitar e recusar se converteu em estímulo à reflexão. Ha poucas coisas no mundo que a superam em alegria. Por se tratar de  uma sensação indescritível,seria ridículo tentar descreve-la.
Porém, anoto que o ‘aqui e agora’ é o antidoto que dissolve toda crença. Tanto as sólidas e poderosas crenças materialistas como a da inspiração - uma ilusão fundada na pretensão do homem que atribui a criação do Universo a uma inspiração de deus.
Vamos ao que interessa:o motivo da minha comemoração. A alegria!
A criação é um ciclo ininterrupto da alegria.
Nesse sentido,o processo criativo acontece no jardim do sagrado(mais um paradoxo).
Uma pintura é sempre  processo. Ela não se encerra no atelie. 
Muito menos com a obra pendurada numa galeria, na parede de um colecionador ou no catalogo dos museus.
Como um jardim zen, com seu processo efêmero, mutável e ininterrupto, a criação artística, não submetida às técnicas rasantes da comunicação,do marketing cultural e do gosto dominante,se estende no tempo. 
As obras resultantes desses momentos são manifestações da alegria.



Adriano de Aquino*
Diptych 2012
40 cm x 80 cm
P U on aluminum and acrylic
Property Beatriz Verschoore / Oscar Cuzzani  
San Francisco/California

domingo, agosto 07, 2016

Astucia festiva


























O Marxismo Cultural na Cerimônia de Abertura da Olimpíada do Rio de Janeiro

Gabriel de Castro Arruda para National Review /06 de agosto de 2016





O Brasil deveria ter vergonha de sua pobreza, não exalta-la. A cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos não está sendo prejudicada por terroristas, bandos de criminosos ou um ataque maciço de Zika. Ela foi razoavelmente divertida. A simbologia que o Brasil escolheu para se apresentar ao mundo, no entanto, foi falha. O show da noite sexta-feira começou com uma representação do movimento da história do país desde a chegada do Português. Mas logo depois ficou claro que para os organizadores, este foi apenas um preâmbulo para o que consideravam apoteose do show: meninos da favela que executam uma versão de Terceiro Mundo de break dance e um duo rapper - um deles, de apenas doze anos – falando do poder feminino. Nenhuma surpresa. Um dos cérebros por trás da cerimônia foi Fernando Meirelles, o cineasta responsável pelo show, aclamado com o filme Cidade de Deus, eleito a joia da estética das favelas. A ‘intelligentsia’ do Rio é fascinada pela própria pobreza da cidade, como se as favelas sejam algo que o Brasil deve se orgulhar, ao invés de se envergonhar. Imagine se os Jogos Olímpicos de Atenas destacando a corrupção da Grécia contemporânea em vez da mitologia do país, ou se Pequim decidisse mostrar a sua poluição do ar, em vez de a grandeza da China. 
A pobreza não é o Brasil. Felizmente, não haverá nem pobreza nem favelas no Brasil do futuro. Mas a partir de onde, então, os marxistas culturais tropicais poderão obter sua mitologia? Assim como a violência contra os negros (reais ou imaginários) é parte integrante da narrativa cultural continuada da esquerda dos EUA, a pobreza desempenha um papel semelhante para a esquerda no Brasil. Não é por acaso que a cerimônia não fez nenhuma referência a qualquer coisa que possa ser visto como erudita ou de alguma forma ligados à tradição europeia (por exemplo, a magnífica arquitetura de Aleijadinho, as óperas de Carlos Gomes, ou a música clássica moderna de Heitor Villa- Lobos). Os discípulos brasileiros da Escola de Frankfurt só conhecem suas leis: O único tipo de cultura que importa é a cultura popular. A cultura popular se encaixa na luta ideológica de construção de um "novo mundo" [e do novo homem]. É por isso que, na cerimônia de abertura, o tipo mais popular de música no Brasil foi completamente ignorado. A música sertaneja, que nasceu nas áreas rurais e ainda é a única forma de música apreciada em todas as regiões desse país continental, não teve qualquer referência. Apesar de ter sido adulterada pela indústria da música nos últimos anos, a música sertaneja ainda é a melhor representação da alma do povo brasileiro que é basicamente cristã, feita pessoas trabalhadoras que dão valor à família e a tradição. Desculpe, mas o brasileiro médio não é um boêmio que bebe uma caipirinha em Copacabana. As cerimônia poderia ter apresentado um dos mais populares cantores do país, o Sergio Reis, que canta sobre um pobre pai que cuidou e manteve seis filhos, bem como um filho adotivo. Nos dias finais do pai, o filho adotivo acaba por ser o único que se preocupa mais sobre ele: “Que Deus proteja meus sete filhos amados Mas era meu filho adotivo que ajudou esse velho Poderia ter destaque.
 "Romaria", uma canção popular do cantor Renato Teixeira que retrata a devoção espiritual profunda do homem católico comum. Disseram-me, no entanto, que eu deveria vir aqui solicitar, através de peregrinação e oração Paz na dificuldade. Desde que eu não sei rezar eu só queria mostrar o meu olhar.”

 Em vez disso, o que o mundo viu esta sexta-feira foram performances de um apologista da maconha conhecido (Marcelo D2), a Beyoncé-wannabee cujas canções raramente tocam em nada, mas a ‘sexy’ Anitta e Gilberto Gil, um antigo discípulo da escola da esquerda que ao menos tem algum talento. Adicionar em algum ponto a pregação da mudança climática, completou a noite. MAIS JOGOS OLÍMPICOS BLAME IT ON RIO OS JOGOS OLÍMPICOS RIO: TRAVE A FEBRE! FAÇA A OLIMPÍADA GREAT AGAIN. (...)Enquanto isso, no mundo real, as autoridades locais não conseguiram despoluir as águas da Baía de Guanabara para torná-lo razoavelmente seguro para os atletas. E, adivinha? As favelas, que os esquerdistas querem ter certeza de permanecer sempre favelas, são a principal razão para isso, uma vez que é impossível oferecer saneamento decente nessas condições. O Terceiro Mundo cultural marxista quer certificar-se o Brasil nunca será grande.

segunda-feira, julho 11, 2016

Vazios da matéria






As infinitas interações subjetivas,autônomas  ou  embasadas em vetores do conhecimento especializado como a psicanalise,a sociologia,  a antropologia cultural,a filosofia,a física quântica,as ciências naturais e exatas e etc, contribuem para  a amplitude e a intensidade do nosso contato com a arte . 
Todavia,os 'insights', fundados nesses saberes, quando usados como linha condutora para a elaboração de uma proposta estética, faz com que tudo se reduza à ilustrações que agem no sentido inverso,reduzindo e limitando o horizonte da experiencia criativa,das ideias e da fruição de uma obra de arte. Os embustes são em geral bem ancorados na interpretação por temerem o vazio onde se amalgamam os elementos que elevam ao infinito o mistério da arte.
Uma historinha para quem ama ilustrações: Ernest Rutherford não foi um artista. Ele era um físico (1871-1937)que realizou  experiências com o modelo atômico conhecido até então. Rutherford tomou como ponto de partida o principio de Thomson que entendia  o átomo como uma esfera de carga elétrica positiva, incrustada de elétrons (negativos), de modo que sua carga elétrica total seria nula.
A experiencia cientifica de Rutherford consistia em bombardear uma  folha-de-ouro com um feixe de partículas alfa (α), partindo de uma amostra de polônio contido num bloco de chumbo com um orifício por onde  sairiam apenas as emissões de partículas alfa. Para complementar o conjunto foram colocadas placas de chumbos com orifícios em seus centros, a fim de orientar o feixe na direção da lâmina de ouro. Atrás da lâmina de ouro ele colocou um anteparo recoberto com sulfeto de zinco. O sulfeto é uma substancia que se torna fluorescente quando alcançada por partículas alfa.
Ao final deste experimento, Rutherford notou que a maioria das partículas alfa atravessava a lâmina de ouro. Poucas partículas alfa se desviavam e muito poucas retrocediam.
O resultado dessa experiencia levou Rutherford a conclusão  que, ao contrário do que Dalton e Thomson pensavam anteriormente, o átomo não poderia ser maciço.Na verdade, grande parte do átomo é vazio contendo um núcleo muito pequeno, denso e positivo. 
O que essa historia tem a ver com arte,interpretação e a experiencia criativa?
Aparentemente,nada.
Tirante a característica cientifica,o objeto que dá corpo a essa experiencia dispõem  de materiais dispares que juntos formam uma imagem sugestiva que pode ser apreciada pelos leigos apenas pelo contexto estético.    
Porem,quando um artista plástico/visual se apropria do objeto  concebido para uma experiencia cientifica,como a do Rutherford,por exemplo,ao modo do 'aproprianismo'-estilo artístico que tem suscitado algumas teorias que vagam no circuito de arte - revestindo-o de um simbólico ausente,ele gera um produto anódino. 
No fundo, dá corpo a uma interpretação fora de lugar. 
A interpretação, que serve de modelo para produção de obras de arte que ilustram questões sociais,ecológicas, ambientalistas e etc, usam desse recurso com objetivo de se apresentarem como arte de contestação/denuncia, quando,de fato, não passam de ilustrações obvias,facilmente constatáveis pelo senso comum e esvaziadas de potencia critica.  
Susan Sontag ,no seu ensaio "Contra a Interpretação"  lança luz  sobre esse equivoco que ainda perdura e rende incontáveis subprodutos . Para ela, a interpretação 'não é um valor absoluto,um gesto do espírito situado em algum domínio atemporal das capacidades humanas. A interpretação deve ser avaliada, dentro de uma concepção histórica da consciência humana'. 
Em certos contextos a interpretação cultural pode ser um ato libertador quando tem como objetivo rever, transvalidar  e ,assim, escapar dos modelos do passado. Em outros contextos culturais,inclusive na produção de objetos estéticos/artísticos,esses recursos se mostram oportunistas e reacionários, desprovidos de ousadia e esvaziados de espirito.

sábado, junho 04, 2016

Arte e o Tempo



































A cultura é coisa do homem que mora num certo lugar e num certo tempo
Gerardo Mello Mourão

O contemporâneo é sempre heterogêneo,fértil e inquietante.
Esses fatores impulsionam sua dinâmica. Outrora, contida por modos mais rígidos e limitada pelo conhecimento,técnicas e disciplinas circunscritas à cultura de cada época,tal dinâmica permite aquilatar que a característica primordial do contemporâneo é ser - em essência - um tempo em suspensão, onde germinam incertezas.É certo que nunca houve de fato um meio capaz de assegurar experiencias similares compartilhadas simultaneamente entre os contemporâneos.
Não falo aqui de um modo pessoal e subjetivo de interpretar o tempo.Falo da constatação de que nesse tempo incerto tudo é relativo,sobretudo, no que tange as diversas modalidades de percepção.  
Ainda que para inserir-se na sua fugidia natureza, insista-se em moldar narrativas sequenciais, presumivelmente aceitáveis, recorrendo-se à historia como uma panaceia para dirimir a insegurança ou planejando-se o futuro de curto prazo, o fato é que a contemporaneidade sempre impõem questões desafiadoras. Em síntese;o que é seguro para economia não é uma baliza para os desafios da existência. Ao menos, até que se imponha uma 'Economia da Vida' que espero nunca triunfe.
Por essas e outras,sempre considerei uma discrepância falar-se em 'cultura contemporânea'.
Datar o contemporâneo e rotula-lo como 'estilo'(s) é um artificio recente. O contemporâneo, propriamente dito, não se reduz a registros pré definidos.
Além de ser um equivoco, utilizado frequentemente por quem investe nas intensões dissimuladas de reduzir o complexo mosaico contemporâneo que move-se continuamente, nota-se,nesse procedimento o intento de infundir ideologias e métodos,consagrar tendencias e,finalmente,controlar politica e culturalmente esse período incerto do tempo.
Os fenômenos temporais não são determinantes a ponto de conduzir toda a sociedade a compartilhar de uma mesma época,no sentido existencial,intelectual,cultural e social que caracteriza um período. Um paralelo desse equivoco pode ser visto nas resenhas jornalisticas que partem do pressuposto de que personalidades da mesma geração tem - 'algo mais' - em comum, além da década em que nasceram e viveram.  
O advento da cultura digital,a interatividade entre realidade real e realidade virtual, em tempo real, perturbou a noção um tanto absurda de contemporaneidade,desorganizando a verticalidade com que se hierarquizava as camadas do tempo, nelas situando supostas rupturas entre a alta cultura e os diferentes costumes das elites pensantes em contraposição ao mundo dos 'leigos'.
O que anteriormente se classificava como classes econômica e intelectualmente privilegiadas, em contraposição ao povo em geral, ainda persiste,apesar das transformações substanciais geradas por uma nova cultura,agregada ao complicador inerente às mudanças que se apresentam a cada dia. Dinâmicas velozes levam muitas pessoas a se sentirem inseguras num mundo sem chão e sobre o qual se sustentava anteriormente uma cultura de valores pré definidos.Tudo de repente se tornou liquido,incerto e mais difícil de ser percebido.O fato é que,na realidade, as premissas da 'era do saber e da informação' focam exatamente na quebra do padrão que se equilibrava precariamente numa linha hierarquizada de valores que marcaram a modernidade.  
A contemporaneidade,assim estendida, subverteu radicalmente a dinâmica cultural, quebrando incessantemente a linha hierárquica da distribuição dos saberes em contraposição direta às concepções pre estabelecidas de mundo,cidadania,participação politica e do pensamento dominantes na modernidade. 
Hoje,ainda que analises dos fatos em curso busquem nos situar frente as inserções de eventos atuais no contexto de um tema ou questões especificas, as tentativas de consolidar analises sobre o contemporâneo,como um dado determinante, se diluem em respostas que não encontram eco na sociedade. Quanto mais se insiste no método, mais se dilata a sensação de estranheza sobre a vida contemporânea.
Enquanto muitos pensadores se aprofundam em analisar esses fenômenos, a maioria investe na vida regular,interagindo em grupos com os quais trocam códigos e valores e,claro,se protegem das vicissitudes da vida contemporânea que,convenhamos,não é tão amigável quanto outrora.
Essa proteção, ainda que gere algum conforto, tende a trazer muitos dissabores.
Qualquer hipótese que critique a convergência de grupos sociais sobre as escolhas do momento é motivo de mais incertezas.A gradual perda de consistência da ideia clássica de maioria (religiosa/politica) e a crença no protagonismo do individuo como força politica transformadora contribui para complicar ainda mais o espectro contemporâneo. A premissa de avançar mais sobre as conquistas sociais tem levado a confrontos que se potencializam na sociedade como ameaças terríveis.
No campo especificamente artístico, as contradições contemporâneas,em contraposição as atitudes, ações e obras da vanguarda do modernismo histórico,refletem uma realidade não muito questionada mas que merece ser pensada.Ainda que a contemporaneidade se mostre distante das experiencias sócio culturais daquele período,as ideias que levaram à ruptura da vanguarda histórica ainda permanecem como um modelo estético predominante no sistema cultural,nas escolas de arte e no circuito artístico geral.
As tentativas de consolidação de tendencias estéticas, seguidoras da matriz da vanguarda histórica do seculo XX, se mostram vulneráveis,esvaziadas que são de potencia criativa em dialogo com o processo cultural em curso.
Ainda que não explique o fenômeno,as auto biografias estetizadas, o 'artistismo' das teses exóticas de antropologia cultural,da proto filosofia,dos sociologismos,dos conceitos politicamente corretos, das expressões do senso comum convertidas em arte e etc, se tornaram fontes de inspiração,uma especie de 'espirito' que move um corpo sem forma que vaga pelas escolas artísticas da atualidade.
O que se percebe é que não ha um confronto crucial entre uma suposta inovação artística e a cultura geral,como havia na era antecedente a ruptura moderna.
Hoje,uma aparente conivência se instalou como regra geral.Tudo parece permitido.
Contudo,uma pergunta se destaca sobre todas as demais. Maior visibilidade da produção artística contemporânea,circunscrita aos últimos trinta anos, reflete os anseios de uma sociedade mais livre e aberta que a do período moderno antecedente?
Houve,de fato,nos últimos trinta anos,uma mudança radical nos extratos sociais que resultou numa convivência mais harmoniosa de modo a consolidar uma estética mundialista?
Se a resposta for sim,não ha o que se debater. Tudo está nos conformes. Para os seguidores do modelo, vivemos no 'melhor dos mundos'.Pelo menos para alguns artistas e as artes que produzem.
Para os adeptos dessa versão dos fatos, os avanços sociais globais refletem uma interação harmônica com as propostas artísticas que se pretendem radicais. O 'outsider' de outrora se converteu no 'insider' da atualidade.
Se a resposta for não, ha muito o que se debater sobre o fenômeno da mundialização da arte contemporânea.
Para os que consideram a mundialização artística em curso uma alternativa artificial a batalha é árdua.
Em tudo diferente das propostas de internacionalização da arte defendida pelos modernistas,a mundialização estética da atualidade parece atender a uma demanda crescente por novidade. Mas,onde encontra-la?
As instalações,nascidas da ruptura modernista da metade do seculo XX, se tornaram um modelo dominante nas grandes mostras contemporâneas.
Em alguns aspectos,esse modelo de exposição parece atender a lógica da massificação, técnica muito comum num tempo em que a informação agigantou o consumo cultural em escala global. 
Não conheço recorte histórico em que se deu tamanha sinergia entre artistas,curadores,investidores, consumidores,instituições,agentes,mídia,marketing.   
Por isso, não é de se estranhar, que nos domínios da arte, o modo de ver o contemporâneo seja questionado por muitos artistas que enxergam nessas modalidades uma interação conservadora entre as pontas da produção artística e das curadorias.
Se a contemporaneidade é marcada por incertezas,onde encontra-las na veloz e estratégica inserção da produção estética da atualidade nos museus e no sistema de arte como um todo? 
Nesses ambientes o que se enxerga são consagrações fundadas na presunção de uma certeza quase 'histórica',digamos assim,sobre as obras e os artistas que exibem e difundem.
Se o mundo real reflete insegurança e incertezas,o sistema de arte contemporâneo,ao contrario, reflete certezas estéticas e econômicas a dispor do grande público.
Algo não confere, já que nesse ambiente tudo está moldado para atender à 'espetacular' demanda de produtos artísticos jamais visto na historia.
Sabemos que para uma estrategia se consolidar no meio social é fundamental que se reduza o campo das incertezas,substituindo-as pelo poder afirmativo dos agentes e intermediários(marketing cultural,mídia,instituições e mercado) de maneira a conferir credibilidade,projeção social e econômica a uma corrente estética aparentemente plural mas,de fato,agregada ao modelo mundialista .
Essa fórmula permitiu que se projetasse um salto de etapas, amparado na inserção internacional da produção artística antes periférica, nos centros hegemônicos de arte e cultura.
Assim,o que antes exigia um longo processo de decantação crítica e temporal,cujo perfil era traçado por critérios rigorosos de aferição da obra de arte de maneira a legitima-la institucional e socialmente(museus,institutos,industria editorial) hoje,pode ser feito por uma equipe de marketing,curadores,agentes promocionais,mídia cultural e dealers. Os paradigmas surgidos na pós modernidade,fundados no pressuposto do 'salto de etapas',na liberação e aceitação estética imediata na rede de instituições de arte, dá vazão à produção estética contemporânea suprindo a contento a demanda de um público mais 'ilustrado', avido por novidade.
Entretanto,as investidas de muitos artistas,agentes e curadores que tentam ajustar tecnicamente a nova 'démarche' temporal (salto de etapas + inserção global)entre experiencia criativa,obra e observador, mostram distorções quando recorrem a procedimentos tradicionais a fim de legitimar precocemente os movimentos estéticos da atualidade.Esse 'É' o maior dilema herdado pela réplica contemporânea do que foi a ruptura da 'vanguarda histórica'.
Esse artificio tornou mais problemática a argumentação do triunfo da arte contemporânea ao mesmo tempo em que desmantelou a ideia de que o pluralismo criativo 'vencedor' enterrou o velho preconceito contra a periferia.A produção artística contemporânea foi pacificada pelo formato mundialista hegemônico que conciliou o irreconciliável,abrandando as diferenças e tonando-as palatáveis. Pode-se dizer que um dos 'triunfos' da arte na pós modernidade é de caráter econômico. Nesse tocante não ha duvidas!  
Ainda que um oportuno relativismo se apresente como o modo mais ajustado para difundir a arte do nosso tempo,o 'modus operandi' persiste o mesmo dos velhos tempos.
Sobretudo quando deparamos com os conceitos que regem as grandes mostras de arte a moda antiga, como as bienais que focam parte da produção contemporânea e não refletem a complexidade do tempo presente. Dar consistência a um conjunto de obras contemporâneas é uma forma de conter a profusão estética de modo simplista através das escolhas subjetivas dos curadores. Esse modo aparentemente novo é tão velho quanto as propostas que visavam dar ordem ao 'caos', com a pretensão de diagnostica-lo pelo viés da leitura especializada. Uma pretensão sempre frustante. 
Não ha como substituir o frescor do contemporâneo pela rigidez da hierarquização pautada na intermediação dos curadores e suas narrativas complementares, sem profundidade de campo. 
Tudo pode ser juntado num pavilhão. Até mesmo lapsos de contemporaneidade.Basta se ter um projeto e dinheiro para realiza-lo. 
Mas,esteja certo,lá terá de tudo,menos o contemporâneo.
A tentativa de canalizar a criatividade de um tempo em um determinado sentido e, finalmente, controlá-lo,visa,sobretudo, acelerar a legitimidade social das manifestações estéticas de modo a lhes aferir sustentação nos segmentos culturais,institucionais e de mercado.
As incontáveis tentativas de controlar a singularidade da arte, revestindo-a de uma aparência de globalização estético/artística ,desprovidas de confrontos e passivamente assimilados em todos as quadrantes do globo, é um resquício da narrativa conservadora que visa objetivos concretos e não reflete a complexa conjuntura do contemporâneo.