sexta-feira, abril 08, 2016

Assoreamento criativo & Contabilidade realista


Festeja-se as cifras alcançadas pelo mercado de arte.
Aplausos!
O mercado é o nicho final no intercâmbio entre produtos e dinheiro. Enquanto o mercado apresentar números atraentes a perspectiva de retorno ao método arcaico do escambo permanece longe do horizonte das trocas sociais.
Ainda que meu saldo pessoal não melhore como reflexo indireto dos altos preços divulgados por uma operação do mercado de arte, não faço considerações morais sobre o preço de uma obra de arte.
Parto da premissa de que o preço, em si, não é uma questão da arte. Sequer uma confirmação do valor cultural e artístico de uma obra de arte. O valor de uma obra de arte não é concedido simultaneamente ao certificado de venda. O alto preço alcançado por uma obra de arte fala sobretudo do poder afirmativo do dinheiro pago na transação. A comunicação e a mídia adoram fatos espetaculares. Por isso, os preços das obras de arte da atualidade se tornaram fenômenos mais ‘espetaculares’ que as próprias obras. Por essas e outras, os produtos que alcançam patamares altos se encaixam na vitrine mais visitada da mídia. Entretanto, subestimar, desferir imprecações contra os preços altos demais de um artista que o indignado despreza é o mesmo que ficar decepcionado com os preços baixos demais de um artista que o mesmo ‘amante’ de arte admira. O mercado é absolutamente indiferente a esses detalhes de natureza subjetiva.
Com a crise, o emocional se agiganta e aparece ‘neguin’ dizendo que não daria 1 vintém por uma obra vendida por milhões.  Dessa forma, um episódio financeiramente positivo do mercado fomenta a cizânia num ambiente cultural empobrecido pela dinâmica do dinheiro e pela falta dele.
Tanto assim que os que se opõem ao esplendoroso fato de uma venda milionária, promovem um julgamento estético e moral do artista bem-sucedido. Tudo inútil, dado que a questão é de natureza mercadológica. Isso quer dizer que tanto pode ser uma ação puramente especulativa quanto representativa do gosto do comprador que tendo dinheiro em abundancia, realizou um sonho de consumo comprando um objeto de arte com o qual pretende conviver por um longo tempo.
Na escala macroeconômica - industrias/centros de desenvolvimento e pesquisa e setor financeiro – ajustam perspectivas contendo gastos e evitando riscos. Com isso, a redução das pesquisas e desenvolvimento de produtos sofrem retração e o mercado de trabalho é penalizado. O resultado é o que vivenciamos.
No tocante ao autônomo, não vinculado ao trabalho assalariado formal e que depende de fatores oscilantes do mercado, a crise estendida tem graves consequências. No meu caso particular, em que os insumos, suportes e substratos utilizados, com preços fixados em dólar e custos variáveis, acrescidos de impostos extras, advindos da crise fiscal e cambial, disparam o alarme. A primeira medida é reduzir o ritmo de produção. A segunda é demitir metade de mim mesmo reduzindo, a exemplo do que fez maduro na Venezuela, a atividade produtiva a quatro dias da semana. Tal medida evoca o assoreamento do processo criativo. As consequências disso podem ser bem definidas por um aforismo do Millôr Fernandes:  “O desespero eu aguento. O que me apavora é a esperança”.