Às 10:36 GMT foi divulgada a notícia de que um pequeno grupo de fanáticos terroristas invadiu a sede do Charlie Hebdo.
Às 10:30GMT eu já estava embarcado no avião que me traria de volta ao Rio.
Um atraso- por condições climáticas- de aproximadamente uma hora para decolagem permitiu que os passageiros embarcados pudessem acessar seus celulares.
Isso me permitiu ter acesso a informação ‘in loco’
sobre o atentado ao Charlie Hebdo que até aquele instante havia registrado 12
mortes.
Às 11:28 GMT,cinco minutos antes do comandante anunciar a autorização
para decolagem e pedir para os passageiros desligarem os celulares, a foto que
ilustra esse post foi a última imagem que vi da cidade onde passei mais de um
mês, comemorei meu aniversário, o Natal e a entrada de um novo ano junto a minha
irmã, sobrinhos e amigos.
A notícia desviou minhas divagações sobre a estadia
em Paris.
Meus pensamentos tomaram outro rumo.
A França, Paris em particular, são
emblemas de conquistas libertárias. Naquela terra, naquela cidade e sobretudo naquela cultura de
incontáveis conquistas sociais, onde a indústria de bens se expande do campo
objetivo de produção para as áreas do pensamento, da cultura, da arte e dos direitos humanos, a fortuna que mais se destaca aos olhos do viajante é a liberdade
individual.
Esse item está diretamente vinculado ao maior orgulho nacional: ‘Le
droit du citoyen’.
Ainda que a liberdade seja um conceito sujeito a todo tipo de
abordagem e especulações de fundo teórico, na prática, ela se
manifesta na sociedade francesa de maneira inequívoca.
Não é a toa que
atribui-se aos parisienses a invenção do ‘trottoir’ que na versão popular significa apenas uma boa calçada mas, no sentido atribuído pelos poetas da
cidade, é a arte de andar, passear e flanar pelas ruas às três horas da tarde ou
da madrugada, sem se sentir ameaçado por hordas bárbaras ou mesmo pelas
forças de segurança pública simplesmente porque você é uma pessoa
diferente da maioria.
Discutir nos bistrôs, portar publicações radicais, vestir-se
como um dândi, um gótico ou um Aiatolá, ou mesmo gritar aos quatro ventos o que pensa, em
Paris, é uma atitude tão natural quanto respirar.
Antagonizar o governo, as indústrias, o consumo, as corporações do setor econômico, a imprensa, o 'pouvoir' e a
hegemonia militar do ocidente é um clássico do ativismo social francês.
Contudo, matar o HUMOR, foco da irônica resistência, atinge a liberdade no seu ventre.
Esse ato deve trazer à tona a irresponsabilidade de uma militância supostamente esquerdista e
debiloide do ocidente que apoia atos terroristas que visam restringir, para não
dizer exterminar definitivamente, a liberdade.
Saio dessa cidade com uma sensação de tristeza e luto por todos os jornalistas mortos neste ato estúpido de consequências terríveis.
Saio dessa cidade com uma sensação de tristeza e luto por todos os jornalistas mortos neste ato estúpido de consequências terríveis.
O epitáfio dessa
ação pode ser sintetizado numa frase anônima bem ao estilo de maio de 68,poucos
anos antes do Charlie Hebdo ressurgir das cinzas do velho HaraKiri Hebdo, extinto por
descontentamento de um ministro gaulista: "Um homem não é estúpido ou
inteligente: ele é livre ou não é."
Essa é a questão maior da tenebrosa intolerância do extremismo religioso e a que mais aflige as sociedades livres do Ocidente.