quarta-feira, janeiro 21, 2015

Levante auspicioso




Adriano de Aquino
Paris/Sexta feira -12/12/14 
12°/vento e chuva fina.
Ontem, eu havia programado o circuito que hoje faria  por algumas exposições imperdíveis. Descartada de cara  a ida ao Beabourg, tendo em conta que a instituição programou como o destaque do mês a ¨retrospectiva¨ de Jeff Koons, artista cuja obra não se encaixa no meu interesse estético, além de não se  ajustar ao termo retrospectiva de jeito algum .Mas, convenhamos, faz jus a todos os predicados que definem a pujança do marketing pessoal e da ambição espalhafatosa pelo sucesso, fundamentos básicos para quem se empenha na técnica de alavancar currículo e preços e que, hoje, nas alturas, compram até mesmo prestigio, que dirá retrospectivas.
Se a estratégia de mídia do show de Koons objetivava criar um vácuo onde a crítica de arte não tivesse ambiente para germinar, o objetivo foi atingido em cheio. 
Argumentos tolos e as maiores bobagens foram publicadas em vários veículos de comunicação com a mesma altivez com que se diz coisas sérias sobre as correntes estéticas do momento. A orientação parece ter sido a de exacerbar  interrogações para seduzir  o público consumidor de cultura artística  que anseia por respostas para tudo e veem questões  embutidas na banalidade e no gosto dos artistas endinheirados, as 'celebridades' que galgaram o status de  mídia, produzindo os mesmos maneirismos, carregados da doce inocência dos predestinados à fama e a fortuna, que encantam o espectador ávido por novidades e delicias do sucesso.
Enfim, mais do mesmo, diluído  em falsa polemica.
Matérias aos borbotões enchem paginas com fofocas e comentários de admiradores em contraponto as manifestações de repulsa visceral dos que consideram a arte do Koons puro lixo.
O esquema atrai o inocente  o levando a supor que está diante de algo revolucionário e transformador. Chamadas de mídia cheirando a mofo: "impostor ou gênio? Koons, um homem de negócios bem sucedido ou o ultimo artista pop?" De tão manjadas deixam claro que ninguém que pensa  vai se ocupar  a respeito, sequer responde-las. 
O mega esquema para o show do Koons, usou de todos os recursos promocionais, inclusive, disponibilizando simultaneamente no Beaubourg um debate sobre um tema saturado no ambiente artístico/intelectual. Para conceder "inserção" histórica ao pop star, ajeitaram o calendário da agenda de palestras da instituição para incluir a obra de  Koons na temporalidade das rupturas históricas do  modernismo ao contemporâneo,  em  um evento paralelo e simultâneo à mostra -até 05 janeiro de 2015- com  palestras  de críticos e estudiosos  sobre as reflexões do Duchamp e suas intervenções nos  parâmetros estéticos vigentes no inicio do Século XX e a 'redefinição'  das fronteiras da  arte..  Tudo bem montadinho para bombar o show do Koons no Beaubourg. E...bombou!

Foi com essa argumentação que convenci à Lynne que eu não era a companhia ideal para acompanha-la nessa tarde  de convencional  e brochante turismo cultural pós moderno.
Então, ela sugeriu que a acompanhasse  à uma galeria do quartier para visitar a exposição 'L'Art de la Aprpropiation'.Meu interesse era zero. Mas, para não frusta-la mais uma vez, cedi.
 A exposição consistia na montagem de uma serie de obras do que hoje se convencionou chamar de 'appropriationisme", o mais recente estilo já convenientemente aplicado ao mercado e nas escolas de arte. Nada que valha a pena realatar.
Poucos comentários de ambas as partes, nos dirigimos, então,  para o Gran Palais para ver a mostra do Hokusai. Porém, a  terceira  tentativa de visitar esta  exposição que desejávamos ver,  foi novamente frustrada. Uma fila enorme de japoneses obstinados em prestigiar o grande mestre, somada a chuva fina e o vento frio, acabaram por quebrar nossa resistência.
De volta a estação La Muette, seguimos para visitar a exposição "Impression,Soleil Levant".Nessa estadia visitei essa mostra umas quatro vezes.
Mesmo não sendo a mostra de maior destaque na agenda  cultural parisiense deste dezembro, eu havia anotado essa visita como obrigatória antes mesmo de sair do Rio.
Primeiro por conta do museu. O Marmottan é meu museu preferido desde o tempo de estudante em Paris. Segundo, porque a proposta da mostra de abordar a verdadeira história do "chef-d'oeuvre" de Claude Monet, me pareceu um desafio a conferir. Sobretudo, tendo em vista que a primeira grande historia do impressionismo, escrita por John Rewald e publicada nos anos 50, que apontava essa obra como o ícone do Impressionismo e titulo  que deu origem ao nome desse  estilo, ao contrario das suposições que indicavam a pintura intitulada "La Gare de Saint-Lazare" como a gênese desse movimento artístico.
Comprovei mais uma vez como um trabalho de curadoria criteriosa define uma museografia correta capaz de tornar uma visita a um museu uma experiência intensa entre o visitante e o tema proposto, entre obra e espectador. 
A iluminação adequada-perfeita para falar a verdade-integrada a uma museografia discreta e elegante empenhada em destacar pontos convergentes entre as obras expostas e enfatizar a busca incansável do artista pela luz e contra planos que marcam a poética profundidade pictórica de Monet, fazem dessa mostra um delicado estudo sobre a pintura e enlevam o visitante em uma experiência sensível e emocionante conduzida por um trabalho curatorial serio e dedicado, desprovido de vaidades supostamente autorais. O desafio da curadoria é ainda maior tendo em vista que ao sair dessa mostra o visitante desce dois lances de escada e mergulha nas profundezas das 'nynfeas' que pertencem a coleção nacional de arte, agora, definitivamente instalada no museu Marmottan Monet.
Só a titulo de curiosidade colo aqui uma citação critica contra a histórica exposição de 1874, intitulada "L'impression"(soleil levant sur la Tamise) que consta do catálogo desta exposição:<<...la impression de Lever le soleil est traitee par la main enfantine d'un ecolier qui etale pour la premiere fois des couleurs sur un surface quelconque...>>na versão literal em português: "  A pintuira Soleil Levant  é processada pela mão infantil de um colegial que pela primeira vez espalha cores em qualquer superfície"  Marc de Montifaud,L'Artiste,1 mai 1874, inserida no catalogo de forma a nos dizer que os ponto de vista de  críticos e intelectuais do oficialato cultural de uma época, se dissolvem no ar como pensamentos fugazes e ínsitos, contra ou a favor . 
As grandes obras transcendem o tempo.
Ainda que a opinião do critico de então  não tenha correspondência direta com meu comentário sobre o show do Koons,  o assunto não deixa de ser engraçado dado que, hoje, o marketing e a mídia cultural em consonância com as politicas institucionais, valorizam ao extremo  a projeção econômica de alguns produtos artísticos,  com  ênfase no sucesso  pessoal e na  economia do espetáculo, itens alheios a verdadeira  polemica que perpassa o ambiente artístico dos nossos dias. 
Enfim, esses fatores, juntos e misturados, são o inverso  de Marc de Montifaud,,mas, como ele, tendem a figurar na história de forma semelhante.
Saímos satisfeitos e fomos nos deliciar com uma refeição e um papo substancioso no Pure Cafè.