domingo, maio 12, 2013

OBJETO LACUNA

Tom Friedman's pizza sculpture.
Photo:Fred R. Conrad/The New York Times

Adriano de Aquino
05/2013

Hoje é um risco (!) falar sobre arte sem focar preços, visibilidade midiática, indicadores de status cultural, marketing e... espetáculo.Mas,se porventura, a cabeça falante ousar criticar o sistema que tudo disciplina,porém,aparentando tudo tolerar, é bem provável que receba os mais arrebatados xingamentos . Afinal, resistir pra que?Aliás, resistir também pode ser taxado pela galera dos contentes de reacionarismo, recalque e outros adjetivos mais ofensivos ainda.
Que assim seja!
Ainda que a gradual supressão da crítica ou de uma fala sensível, quer dizer, fora dos padrões palatáveis aos meios de comunicação, à margem dos códigos dominantes ou das igrejinhas mais 'influentes' no jogo da ocasião seja um fato incontestável,poucos ousam falar sobre isso. Nos dias atuais a vertente do pensamento crítico se tornou um sub item sofisticado para a fruição de poucos interessados e uma prática anacrônica dispensável para o bom funcionamento do sistema de arte. O que ela poderia acrescentar para a reflexão sobre o fenômeno artístico vem sendo operado satisfatoriamente pelas súmulas curatoriais e pela mídia cultural.
Para mim, como artista, esse fato assenta uma série de questões. A primeira delas revela um amálgama nocivo que essa tendência tenta ocultar atrás de resultados financeiros estonteantes e na fixação, no ambiente artístico,do culto ao deleite fugaz. Uma simulação ‘pop Cult’ procura induzir no público a ideia de que existe hoje, como jamais ocorreu na historia, um consumo(interação) imediato de produtos estéticos de ponta . O alicerce desse milagre não é a arte em si, em contato direto com o público, mas, o sucesso das fórmulas institucionais e mercadológicas que viabilizaram maior acesso do público a arte.
Penso que muitas pessoas estão mobilizadas pelo glamour dessas instâncias intermediarias situadas entre a arte e a sociedade,seja pela colossal oferta de produtos estéticos,seja pelo lastro de dinheiro e patrocínios administrados por instituições culturais que,diga-se de passagem, mais parecem parques temáticos da arte contemporânea. Essa magnânima oferta pode, a principio, ser entendida por muitos como uma ação afinada com o pluralismo cultural e em prol da diversidade estética.Será isso mesmo?
Se por um lado o imediatismo das ações do mercado associado às estratégias institucionais promove um fluxo maior de dinheiro no sistema, por outro, abre uma lacuna que estigmatiza o objeto sensível reduzindo o campo de avaliação das suas qualidades intrínsecas e o tonando suscetível, antes de tudo, ao alvitre dos agentes de intermediação, colocando em segundo plano a apreciação estética autônoma e despachando para o quinto dos infernos os valores da arte em detrimento do preço e do status cultural a ele anexado. Isso explica, em parte, o apogeu alcançado pela cultura do espetáculo na contemporaneidade.
Mas, a que custo?
Em contraposição aos acontecimentos de aparente liberdade criativa que hoje despontam por todo lado, observo uma armadilha. O aclamado abandono da imitação naturalista, a proliferação de estilos,a inefável decadência dos salões oficiais -bienais & etc. hoje em disputa frontal pela frequência do público com as feiras de arte e similares- o louvor ao discurso 'outsider' visando o exito das teorias de ação tática sobre os espaços consagrados, na esteira dos ‘não’ dos autênticos, expressados pelos artistas da vanguarda histórica em prol da liberdade criativa e contra o adestramento estético oficial,se tornaram,de poucos anos para cá,ecos de um passado longínquo sem nenhuma ressonância efetivamente transformadora na cultura da atualidade.Lamentavelmente,resultaram na formação de novos paradigmas que fundamentam atitudes e procedimentos similares aos das escolas de arte do passado só que numa velocidade mais acelerada. Como se pode notar a questão central não acontece no plano artístico,quer dizer,nos domínios das propostas estéticas substanciais ou mesmo inovadoras em confronto com correntes estabelecidas e consagradas.Sequer sugere ou aponta alternativas inusitadas de apresentar um trabalho artístico ou ofertar ao público novas modalidades de fruição da arte, mas,sim, consolidar ainda mais os velhos métodos de projeção social de estilos, visibilidade, comunicação direcionada e inserção mercantil dos produtos estéticos.
Afinal,o vale tudo é,em si, uma afirmação: se libertar de que, se tudo é permitido? Aliás, mais permitido ainda se sua voz encontra eco na mídia e comentários enaltecedores endossam sua celebração. Se tiver, então, resposta imediata na conta bancária é uma glória.
Não pensem que acho uma corrupção ou um desvio de conduta um artista viver bem do seu trabalho. Ao contrario! Penso que o artista deve prezar sua atuação tanto no que tange a liberdade criativa quanto no plano profissional/financeiro. A pergunta que coloco é uma variante desse fator e coloca em questão o seguinte: produzir sua obra, alheio às circunstancias das operações institucionais e de mercado é uma modo consciente de estar no mundo?
Deixo a resposta para cada um dos leitores!
Minha ideia inicial não era expor tantos pontos de vista, mas sim tocar num ponto especifico de uma matéria publicada hoje na coluna Art Review do jornal NYT. Mas,sabe como é,uma coisa leva a outra.Todavia,prometo que sobre o que se segue não postarei juízo de valor.
No inicio da matéria: “40 Nations, 1,000 Artists and One Island “ Roberta Smith alerta o leitor dizendo: “Algumas pessoas odeiam feiras de arte e a maioria das pessoas acaba por odiá-las por algum tempo. É moda ser sarcástico e condescendente com eles, mas isso é muito fácil. Feiras de arte, agora e no futuro próximo, representam esforços coletivos - senão as esperanças e sonhos - de milhares de pessoas que querem a arte como centro de suas vidas.”
Absorvi essa abertura com certa ironia mas, sem sarcasmo, e segui lendo o texto deglutindo discordâncias,porém,evitando deixar crescer uma resistência intransponível que me impedisse de seguir adiante na matéria até seu final.
Lá pelo meio da segunda página a Roberta foi fundo ao situar essa vontade da arte como centro existencial de uma vida, ao criar mais uma categoria de apreciação estética adaptável para pessoas de uma certa idade. Sem sarcasmo algum penetrei nesse labirinto conjectural:
“ No final do percurso algumas dicas merecem uma atenção especial : O estande da L & M Arts de Barbara Kruger se "você olhar bem," apresenta uma prestigiosa escolha de obras de arte para pessoas de uma certa idade.” Mais adiante,fechando a matéria Roberta alude tambem ao gênero nas artes,criando uma outra perspectiva de inserção para além da questão propriamente artística: “ Não quero deixar de mencionar com justeza os esforços dos artistas do sexo feminino que parecem particularmente fortes.”