sábado, abril 20, 2013

O ABISMO TE OLHA ENQUANTO VOCÊ ADMIRA A PAISAGEM



A variedade de substancias tóxicas que poluem a atmosfera não afetam apenas as condições climáticas do globo. Sua  irradiação atravessa as camadas protetoras e atingem diretamente as pessoas e as sociedades, deflagrando conflitos de múltiplas conformidades. Miss Sarajevo  já completou maioridade,porém,mais da metade das suas colegas de concurso não tiveram a mesma sorte. No meio do caminho foram curradas, vilipendiadas publicamente por conta das suas etnias ou religião, quando não  mortas e jogadas em covas comuns.
Em 1991, depois que a Croácia declarou sua independência e a minoria sérvia do país se dobrou ao direcionamento assassino de Milosevic, as forças federais da Iugoslávia invadiram a Croácia, dando início à guerra. Em 1998, foi a vez de Kosovo, província ao sul da Sérvia, lutar por sua independência. O problema na região era mais delicado pelo fato de o território de Kosovo ser considerado berço cultural e religioso para os sérvios. Nos três meses de conflito o mundo assistiu a barbárie de uma  ‘limpeza étnica’ contra os albaneses - 90% da população de Kosovo – em grande parte massacrada por Milosevic, então presidente da antiga Iugoslávia. Cerca de 20 mil pessoas morreram no conflito e mais de 400 mil ficaram desabrigadas. 
As guerras pela independência naquela região ocultam intenções terríveis de fundo étnico e religioso. As fronteiras regionais são abismos profundos onde se lançam corpos e se oprime as culturas locais. 
A pergunta que se coloca é: o que tem levado as guerras modernas pela independência a se transformarem em caçadas étnicas e religiosas e punições coletivas aleatórias e generalizadas?
Enquanto Milosevic praticava abertamente seus crimes,no Cáucaso,mais precisamente na Chechênia, Djokhar Dudaiev, presidente nacionalista da República da Chechênia, declarava a independência do seu país (1991). Em 1994 o presidente da Rússia Boris Iéltsin enviou quarenta mil soldados para evitar a separação da região da Chechênia - importante produtora de petróleo.Os insurgentes chechenos infligiram grandes baixas aos russos. As tropas russas não tinham conseguido capturar a capital chechena, Grózni, até o fim daquele ano. Os russos finalmente tomaram Grózni, em fevereiro de 1995, após pesada luta. Em agosto de 1996 Iéltsin concordou com um cessar-fogo com os líderes chechenos, e um tratado de paz foi formalmente assinado em maio de 1997.Mas,ao contrario do que se esperava um novo confronto armado foi retomado em setembro de 1999, dando início à Segunda Guerra da Chechênia, tornando sem sentido o acordo de 1997. Os separatistas chechenos ainda pretendiam a independência da Chechênia e organizaram operações na própria república da Chechênia, como também ataques terroristas em outras regiões da Rússia, incluindo Moscou.Uma década de guerra deixou a maior parte do território sob controle militar. Guerrilheiros islâmicos chechenos invadiram a vizinha república russa do Daguestão e anunciaram a criação de um estado islâmico. A maioria da população, em ambas as repúblicas, é muçulmana sunita. Os militares russos expulsaram os rebeldes para a Chechênia em setembro, mês em que atentados contra diversos edifícios em cidades russas mataram mais de 300 pessoas. O governo responsabilizou diretamente os separatistas e enviou tropas à Chechênia.Apesar da pressão por um cessar-fogo, o governo da Rússia rejeitou a mediação internacional. Mas as denúncias de massacres, estupros e torturas cometidos pelas tropas russas contra centenas de civis levaram o governo russo a aceitar, em março de 2000, a visita de representantes da ONU à Chechênia. Mas as emboscadas e os ataques suicidas contra as tropas russas prosseguiram, assim como os bombardeios aéreos russos. Em junho de 2000, o presidente Vladimir Putin colocou a Chechênia sob administração direta da Presidência da Federação.Em março de 2003, o governo russo organizou um referendo na Chechênia, sobre a nova constituição local, que estabelece subordinação da república a Moscou. A lei foi aprovada por 96% dos eleitores, mas o referendo foi considerado irregular e condenado internacionalmente. Num pleito igualmente criticado, em outubro de 2003, Akhmad Kadyrov, foi eleito presidente da Chechênia, com 81% dos votos. Em setembro de 2004, uma escola em Beslan foi palco de uma das maiores barbáries da atualidade. Terroristas chechenos aprisionaram, torturaram e mataram crianças, pais e professores. O líder separatista Shamil Bassaiev assumiu a autoria desse e de outros ataques, como a explosão no metrô de Moscou, em fevereiro do mesmo ano.Uma semana depois  do atentatado de Boston que até agora matou seis pessoas(uma criança,duas mulheres,dois policiais em serviço e um dos autores do atentado além de ferir centenas de pessoas)levanta algumas questões: qual seriam as  intenções dos irmãos Tsarnaev em estender os conflitos regionais para o território norte americano?
Muito se pode especular sobre esse ato. Primeiro é que ele tenha alguma ilação religiosa punitiva contra os Estados Unidos, especificamente. E, segundo é que se esse não foi um ato isolado,mas, um ataque programado por grupos terrorista, uma espécie de  jihad chechena  que pretende abrir uma nova frente do terror para além do âmbito regional.
O ultimo ataque terrorista dos grupos chechenos aconteceu em 2004 contra crianças e professores em Beslam,Ossétia do Norte e o penúltimo de que se tem noticia ocorreu no  Teatro Dubrovka de Moscou, em 2002.
A diáspora chechena se espalha por quase toda a Europa.
Existem milhares de refugiados chechenos na Áustria, e outros milhares na Polônia, França, Turquia, Cazaquistão, Dubai e em outros lugares (bem como as comunidades espalhadas nos Estados Unidos). Alguns analistas dizem que  onde quer que estejam os chechenos se destacam como  uma nação à parte e que a maioria do  povo é constituída de "refugiados". Talvez 20 por cento, talvez um pouco  mais, de todos os chechenos não deixaram Chechênia nos últimos 20 anos. Dzhokhar A. Tsarnaev (19) o suspeito sobrevivente  dos atentados de Boston, nasceu em uma família chechena. Ele era apenas um bebê quando Boris Yeltsin enviou tanques para subjugar sua nação rebelde. Neste ponto nós sabemos muito pouco sobre as motivações do suspeito. Tudo o que sabemos é que, para a sua geração, a Chechênia tem sido sempre um lugar de violência, sequestros, viúvas,  órfãos e estupro: um lugar de onde fugir e não mais voltar. Dzhokhar Tsarnaev  que foi capturado depois de um confronto com a polícia em um subúrbio de Boston na sexta à noite e seu irmão, Tamarlan, 26 anos, morto depois de uma perseguição policial na noite anterior  tornam mais relevante ainda a pergunta sobre o que levou esses irmãos a se inclinarem tão destrutivamente na borda do abismo? São muitas as motivações possíveis. Uma das mais gritantes pode ser tirada da conclamação  do líder militante Chechan Doku Umarov feita em  2007: "Hoje no Afeganistão, Iraque, Somália, Palestina, nossos irmãos estão lutando", disse ele. "Nosso inimigo não é apenas  a Rússia, mas todos  aqueles que estão em  guerra contra o Islã."
Como se não bastasse  que a  América tenha que se  indispor com jovens como Adam Lanza, Dylan Klebold e tantos outros assassinos em massa da história recente,surge no horizonte uma nova  modalidade inescrutavel de ameaça. Nos EUA  há armas suficientes para matar qualquer um e, um louco,  pode sempre encontrar um motivo qualquer  para  promover uma chacina.Se  os irmãos Tsarnaev - jovens de origem chechena aparentemente adaptados na América – tiveram acesso a ideologia jihadista e, além disso,  foram intoxicados pelas variantes da violência moderna, não é de todo  improvavel que o que vimos em Boston foi resultante  de uma overdose  de  violência,disponibilidade de meios  e propósitos insanos que, quando reunidos, geram morte e destruição em grande  escala. Torço para que esses fatores letais não se encontrem novamente.