As analogias entre Jep Gambardella (A Grande Beleza/ Paolo Sorrentino) e Marcello Rubini ( Doce Vida/Fellini) são notáveis.Em algumas cenas Jep transita sobre a imagem ausente de Rubini a lhe completar os passos. Os dois heróis modernos do mundanismo convivem com a angustia e o desconforto dos indivíduos que se contorcem e não se ajustam a sensação de que nem mesmo todos os exageros que o dinheiro pode comprar são suficientes para aplacar o vazio de suas vidas.
Os dois personagens sentem-se seres distintos daqueles com os quais convivem.Por isso se colocam na posição de observadores.Consideram-se, cada um a seu modo, destinados à sensibilidade e imaginam que enxergam para além dos personagens com os quais compartilham prazeres e delírios nos luxuosos ambientes das altas rodas movidas pela afetação e suscetível aos ‘ultrajes’ escarnecidos e a elegância de folhetim.
Embalados pela musica ensurdecedora, pelas performances peculiares, pelo sexo e pelas drogas e, claro, pela exposição do dinheiro e pelo sorriso escancarado das celebridades em dialogo com o maçante histrionismo de um artista da vanguarda, empenhado em interpretar sua própria lenda.
Jep Gambardella como Marcello Rubini transitam entre dicas clarividentes,chics e gratuitas dos amantes das artes e da cultura.Os dois sorvem a ironia palatável aos salões,servidas junto com champanhe de safra especial, adornada pelos comentários de um intelectual ‘outsider’ tendo ao fundo um balé de protagonistas que compõem as cenas e adornam o cenário luxuriante do High Society.
Sorrentino trilha o mesmo percurso do seu conterrâneo Fellini. Ele toma emprestado do notável narrador, a crítica acida à sociedade naquilo que me parece o mais crucial: o desprezo sutil e elegante pelos valores mais elevados da vida e uma atração mórbida,revestida de luxo e amenidades,por tudo que se refere a precariedade da existência humana.
O triunfo e a centralidade econômica, que nos últimos trinta anos conduz todo o fazer social, criou uma camada de fuligem e limo que entranhou na mentalidade do nosso tempo.
O modo de ver, entender e viver o mundo foi sugado pelos indicadores econômico/financeiro, pela luxuria cafona e pela visibilidade ostensiva.
É fácil entender porque em nosso tempo tudo tem que ser tão veloz .
Hoje,até o efêmero é cronometrado.
Se durar mais de quinze segundos os protagonistas entram em tédio
Aprecie e descarte!
A dicotomia do nosso tempo se projeta sobre duas profundidades : Vazio e Abismo.
A elegância inerente ao bom convívio social cultua a superficialidade dos debates teatralmente acalorados.
O ponto avançado da trajetória social estabeleceu o individualismo compartilhável como uma nova fase da comunicação entre pessoas.
Paradoxalmente,é nesse cenário que o individuo é destituído de valor.
Nesse ambiente a beleza se tornou um detalhe tão fugaz e passageiro quanto o próprio evento social.
O público 'eleito' interage in loco com as manifestações estéticas. São protagonistas da obra/performance/instalação que se ajusta a frenética rotatividade e interrompe o ciclo atemporal da contemplação.
O mundo pós moderno repudia a contemplação.
Gambardella e Rubini sofrem a angustia do tempo enquanto os aspones da transitoriedade festejam quinze segundos de glória no protagonismo criativo, envoltos pela sensação de imersão completa na experiencia fugaz ofertada pela banalidade contemporânea.
É nesse território conflituoso e angustiante que o filme de Paolo Sorrentino se desenrola.
O desafio é grande mas o diretor se mostra um realizador dotado de mestria e potencia criativa ao armar e desarmar as armadilhas onipresentes na vida,na sociedade, arte e cultura da atualidade.