Adriano de Aquino
julho de 2012
Toda
organização aspira ao controle. Essa regra básica de convívio em
grupo se expande para diversos vetores da vida. Além de regular os
impulsos humanos aos procedimentos fixados por um padrão geral, ela formata
preceitos mais sutis que determinam os códigos particulares que portamos ao
longo da existência. Somos,em síntese, criaturas cultivadas pelos valores
do grupo a que pertencemos.São esses princípios que, em parte, nos
constitui como individuo. Porém, a conformação autônoma do individuo
se consolida na consciência da sua diferença. É a posse
dessa consciência que leva a pessoa a questionar os modelos impostos pelo
grupo e torna exequível a construção da particularidade. Eu me chamo Adriano,
na ocasião do meu nascimento não tinha condições de escolher meu próprio nome,
meus pais o fizeram. Não sei que sentimentos os levaram a escolha do meu nome.
Seja lá o que for, com o passar do tempo acabei entendendo que esse nome era
algo que me pertencia. Por um longo período, ao qual se costuma chamar da
idade de formação, as minhas escolhas pessoais se limitavam a singelas ações
lúdicas. Todavia, a maior parte do tempo útil eu era obrigado a cumprir os
deveres e obrigações que me tornariam no futuro um individuo socialmente
produtivo e apto a desenvolver um hipotético potencial, do qual eu não tinha a
mais vaga ideia. Havia uma vitrine de modelos a serem adotados. Escolher um era
tarefa penosa. Meus desejos eram multifacetados. As profissões regulares e as
ambições objetivas,bem como, os signos de riqueza e poder, não me encantavam.
Eu desejava, antes de tudo, a liberdade. Como podem perceber eu enfrentei desde
cedo um problema de gestão. Por volta dos dezessete anos uma atração
inexplicável me levou a, antes de me interessar por arte, desejar ser artista.
Mas, ser um artista não era para mim uma atitude inspirada numa categoria
poética ou na rebeldia libertadora, como expressada posteriormente no
consagrado aforismo de Beyus: “Toda pessoa é um artista”. Ha muito tempo
circula no ambiente cultural miríade de especulações sobre esse
axioma. Mas, antes que essa frase se tornasse um 'modelo' inspirador para
alguns grupos estéticos contemporâneos, ocorreu um
fato concreto. O que levou o artista alemão a cunhar essa
expressão emblemática, tornando-a uma bandeira artística, foi o fato de
ter aceitado na sua classe 142 candidatos recusados pelo sistema seletivo de
uma academia de artes. Essa confrontação com o status quo
adquiriu o contorno de um manifesto contra as disciplinas acadêmicas e,
posteriormente, se desdobrou em ações radicais contra
qualquer critério estético.
Essa
atitude política, digamos assim, foi gradativamente inserida no circuito da
arte a ponto de se constituir, em curto espaço de tempo, um modelo
hierarquizado. A parte as questões interessantes suscitadas
pela citação, ser artista, para mim, implica em se debruçar não apenas nas
cercanias da política das artes e no modo operante de
produzir objetos estéticos,ações ou conceitos que visem sedimentar um
modelo de arte(estilo) ou extravasar a verve contestadora no plano
cultural. O desempenho de um artista não se restringe apenas a assentar
no mundo real as formas de um desejo latente ou ações táticas
concernentes a um discurso estético / político.
Desde os
primeiros passos enxerguei a experiência artística como fonte de saber e
conhecimento que viabiliza a entrada nos domínios da beleza. A vigência dos paradigmas
atuais, por mais tolerantes que possam parecer, exige do proponente um livre
transito no ambiente cultural. Existem varias formas de alcançar essa
permissão. A mais frequente acontece na partilha de códigos comuns entre
pares e demais instâncias que inserem o trabalho artístico no meio social.
Gostemos ou não, isso é uma sentença que obriga um artista a dar uma resposta
social a sua atividade criadora que, paradoxalmente, de social propriamente dito,
não tem nada.
O fato é que conquistar o
reconhecimento dá uma trabalheira danada. É bom que fique claro que para
alcança-lo não é necessário um raro talento artístico. A dedicação extrema em
direção a um objetivo especifico desempenha um fator preponderante na
compleição de uma rede de relacionamentos que abre portas e facilita o acesso
no ambiente cultural. A partir daí surgem os degraus da escalada rumo ao
reconhecimento e, quem sabe, ao sucesso. Nesse estagio poucos se perguntam se o
esforço vale o reflexo fugaz do que distinguimos como sucesso. Alçar ao sucesso
exige muito trabalho, paciência e perseverança no gerenciamento das trocas
sociais. Para cumprir à risca esse percurso o sujeito tem que se ajustar aos
jogos políticos sob a jurisdição da alta ansiedade. Talvez, por isso,
ao atingir o sucesso muitos dizem que a recompensa é pífia. Não há nada de novo
no que digo. A produção moderna de bens culturais esta submetida a esse método,
portanto, é bobagem lamentar a injustiça do sistema que empurra a maquina que
explora os desejos.
Para
aqueles que o reconhecimento público é o teto do mundo, a frustração
diante do real e a decepção frente à dureza do sistema, caem como
um flagelo que abate com mais violência o artista que elucubra ampla
expectativa na propagação pública do elevado conceito que tem sobre si próprio.
A
garantia da linha sucessória desse empreendimento é a longa tradição da
ideologia mercantil e a confiança na neutralidade cientifica do observador especializado.
Sua
eficiência está fortemente vinculada à insegurança expressa por indivíduos que
subestimam suas escolhas quando da busca por códigos estéticos vencedores,
significados e lucros. O sistema de arte é parte de um complexo de negócios
movido por interesses distintos. Sem desprezar o esforço dos intelectuais que
refletem sobre as relações entre arte e sociedade, o processo criativo - aquele
que dá corpo à arte- é movido por substancias que só se sustentam na liberdade
plena. Tudo que acontece fora desse tempo/espaço é especulação movimentada por
desígnios táticos, econômicos ou políticos. A criação, em si, não se submete as
regras fixadas por comandos formais, pois, para que o processo criativo flua é
fundamental que o artista se permita a insubmissão que torna a experiência criativa
imune a lógica que afeta a produção de bens e as compensações objetivas.
A arte se forma num tempo impreciso e indefinível. O que está à frente ou muito
distante acontece simultaneamente. Tentar abordar esse instante através de
modelos lógicos é um convite ao atraso e à frustração ou,no plano das
ideias,base para fundamentação teórica e estratégias de ideologização.
Em tempo de incertezas,
quando a linha graduada de valor se dissolve por entre visibilidade e preços, o
processo criativo é subestimado e adentra-se a penumbra. Nessa atmosfera opaca
e densa o mundo vai paulatinamente sendo povoado por objetos,ações e feitos
estéticos insólitos em estreita ligação com os anseios por novidade, matéria
prima preferencial das redes de comunicação,dos ditames do espetáculo e
em consonância com o modelo dominante.
Suponho que quando a
sombra esmaecer surgirá a nossa frente não uma nova arte, mas, um volumoso
mostruário de ícones, portando pomposas etiquetas de identificação transcritas
em breves súmulas e ornamentadas com sedutores cifrões.