As obras aqui expostas pertencem à série Formas magnéticas transitórias, surgida em 2007. Feitas sobre chapas de ferro e aço carbono, recriam-se pela aposição de mantas, acetatos e acrílicos magnetizados, cujos deslocamentos possíveis traduzem modos pelos quais a pintura se define ao longo do tempo; por intermédio do artista ou do público, chega-se a situações em que o movimento, tanto das formas quanto das cores, deixa de ser exclusivamente interno a cada uma delas, pois o que se oculta ou se revela do que foi pintado sobre o suporte depende seja de uma participação manual que contrasta com a perenidade característica das manifestações da arte, seja do ambiente e, sobretudo, da luz.
Os recentes recursos pictóricos utilizados pelo artista não se limitam à atualização tecnológica advinda do uso de pigmentos e substratos de alta tecnologia, como o poliuretano urethane e o poliéster, e de objetos corriqueiros amplamente disseminados por uma cultura consumista, impregnada de sinais e informações – as mantas, antes de seu revestimento ou da intervenção pictórica, são como ímãs de geladeira. Esses recursos cumprem uma dupla função. A primeira decorre da pesquisa e da experiência prévias do artista, mesmo que possa refazê-las; embora quebre a solenidade de hábito associada a pincéis e telas de linho, reabilita o poder de encantamento da própria pintura. A segunda não se furta ao diálogo formal com novas possibilidades materiais, em que a voz do público e, por extensão, da crítica tem papel decisivo.
À direita deste texto, há uma placa de aço carbono e uma manta, a única que, no contexto desta exposição, pode ser manuseada. Elas têm o objetivo de oferecer ao público a possibilidade de apreender a resistência do magnetismo aplicado como meio de criação ou propriedade da atração que informa, isto é, que impõe formas ao mundo material. Na galeria, duas outras escolhas merecem algumas palavras. O painel móvel em forma de cruz, elemento recorrente no trabalho de Adriano de Aquino, muda de local a cada semana da exposição. Sua construção derivou de algo vivido na primeira apresentação pública desta série de obras, em que algumas pessoas, ao serem informadas de que as mantas podiam ser deslocadas sobre os suportes, quiseram mudar também as próprias obras de lugar. A mobilidade das pinturas que estão nesse painel busca, portanto, investigar se elas, em diferentes lugares, mantêm-se de pé junto às demais. No fundo da sala, por sua vez, há um trabalho inédito realizado digitalmente com laser, que simula a varredura de luz feita por scanners e visa indicar peculiaridades que decorrem da propriedade reflexiva do aço carbono e, por extensão, da pintura. Ao passar por esse trabalho, você poderá não só ver sua silueta projetada na placa de aço escovado e experimentar como a incidência da luz altera a percepção da cor de acordo com o ponto de vista, como também se sensibilizar para a linha divisória que separa duas formas pictóricas.
Nas obras iniciais da série, ainda se vê na pintura o gesto, ou seja, o trajeto do pincel e a caligrafia do artista, dos quais se conseguem intuir a sucessão temporal e o ritmo da memória. Nas mais recentes, contudo, conforma-se um embaraço, nos sentidos de obstáculo e gestação, que se pode esboçar nos seguintes termos. Ao passo que nas obras da série imediatamente anterior a esta, chamada de Divisões internas, via-se uma pintura que não queria ser logo vista e que intentava manter seus contornos permanentemente indefinidos, nota-se nas obras da segunda forma pictórica em jogo nesta mostra uma pintura que se constrói como contrapintura e só se apreende como uma sorte de decantação projetada pela suspensão do tempo próprio à ação pictórica. Em outros termos, uma pintura que, ao subtrair o gesto, tende a se dar apenas no presente e nos objetos vistos, ausentando-se do sujeito que olha. Mais do que transformar o mundo em algo pintado ou interpretar o real, tornando visível o que não se vê (a ilusão do olhar), ela faz o real ver, isto é, busca dar vez à luz que emana da própria matéria – aqui, o aço carbono, o poliuretano e o poliéster – e se põe a conversar com o mundo em que é encontrada (o olhar da própria ilusão).
Numa época em que se insiste em falar do sujeito tornado objeto, pouco ou muito afeito à reprodução desgovernada do capital, insinuam-se nessa contrapintura objetos tornados sujeitos, a um só tempo presentemente indeterminados e expostos aos permanentes embates sociais a que nos entregamos. Em face dela, a tarefa de peso não é esmiuçar a subjetividade politicamente transformada pela arte, e sim levar para fora de nós mesmos a criação reiterada de modos éticos e estéticos dos objetos virem à luz pelo emprego de nossas escolhas.
Transitory Magnetic Form
The works exhibited here belong to the series Formas magnéticas transitórias [Transitory magnetic forms] which came out in 2007. Made on iron and carbon steel plates, they recreate themselves by the placement of magnetic sheets, acetates, and acrylics, the displacements of which translate modes by which painting defines itself throughout time; by means of the artist or of the public, one reaches situations in which the movement, both of forms and of colors, ceases to be exclusively internal to each of these, as what is hidden or what is revealed from what has been painted on the support depends either on a manual participation contrasting with the characteristic perenniality of art manifestations, or on the environment, especially on the light.
The recent pictorial resources used by the artist are not limited to technological update stemming from the use of high-technology pigments and substrates, such as urethane polyurethane and polyester, and of commonplace objects widely disseminated by a consumer culture, impregnated with signs and information – the sheets, prior to their coating or to pictorial intervention are like fridge magnets. These resources bear a double function. The first stems from the artist's previous research and experience, even if these can be redone; despite breaking the solemnity of habit associated to brushes and linen canvas, it rehabilitates the power of enchantment of the painting itself. The second does not shy away from formal dialogue with new material possibilities, in which the public’s, and, by extension, the critics’ voices bear a decisive role.
There is, at the entrance hall, a carbon steel plate and a magnetic sheet, the only one which, in the context of this exposition, can be handled. These aim to provide the public with the chance to apprehend the resistance of magnetism applied as a means of creation or property of attraction which informs, that is which imposes forms to the material world. Inside the gallery, two other choices deserve that some words be said. The cross-shaped moveable panel, a recurring element in the work of Adriano de Aquino, changes place at every week of the exposition. Its construction has derived from something experienced in the first public show of this series of works, at which some persons, upon being told that the sheets could be displaced on their supports, wanted to change the place of the works of art as well. The mobility of the paintings which are on this panel strives, therefore, to investigate whether they, in different places, stand their own before the others. At the bottom of the room, in turn, there is a hitherto-unseen work, digitally done, which simulates a light sweep by scanners, and which aims to indicate peculiarities deriving from the reflective properties of carbon steel and, by extension, of the painting. When passing by this work, one can not only see his/her own silhouette projected upon the ground steel plate, and experience who the light incidence angle alters the perception of color according to the viewpoint, but also be made aware of the dividing line separating the two pictorial forms.
One can still see in the painting, in the first works of the series, the gesture, the stroke of the brush, and the artist’s calligraphy, from which one is able to imply the time succession and the rhythm of memory. In the most recent works, however, an embarrassment is conformed in a sense of obstacle and gestation, which may be drawn up in the following terms: whereas in the works of the series immediately prior to this, named Divisões internas [Internal Divisions], one saw painting that did not wish to be promptly seen, and which intended to keep permanently-indefinite contours, one notices in the works of the second pictorial form at play, painting which builds itself as counterpainting and which is only assimilated as a sort of decanting projected by the suspensions of the time proper to pictorial action. In other terms, painting which, by subtracting the gesture, tends to lend itself only in the present and in the objects seen stepping away from the on-looking subject. Even more than changing the world into something painted or to interpret that which is real, rendering visible that which is not visible (the illusion of the gaze), it causes what is real to see, that is, strives to make room for the light cast forth from the matter itself – here, carbon steel, polyurethane, and polyester – and sets out to converse with the world in which it is found (the gaze of illusion itself).
At a time in which one insists on talking about the subject rendered as object, little or quite enthralled with unruly capital reproduction, objects made into subjects slip into this counterpainting both presently undetermined and exposed to the permanent social struggles which one lends oneself to. Hence, the most critical task is not to detail subjectivity, politically changed by art, but take to the outside of our own selves the reiterated creation of ethical and aesthetical modes for objects to come to light by our use of choices.