quinta-feira, abril 12, 2007

A Pintura à Espreita do Acaso


Sem Titulo
acrílica sobre MDF - 2007
160cmx160cm-dipitco simulado




Luiz Eduardo Meira de Vasconcellos*
Um dos sentidos do termo perturbação dá a conhecer o desvio do movimento ideal de um astro em torno de outro, causado pela atração gravitacional de um terceiro. Essa notação astronômica, mais que detalhe de uma eventual gramática dos deslocamentos, pode ajudar a iluminar como as pinturas recentes de Adriano de Aquino inter-relacionam traços corporais (espaço fisiológico), tensões sobrepostas (espaço pictórico) e tons relativos (espaço musical), haja vista que entre a obra e o espectador intervêm, respectivamente, memória, cor e ritmo.
Antes, contudo, é preciso indicar que o conjunto das 18 pinturas se subdivide em duas fases, caracterizadas por dois tipos de suporte. Na primeira delas, o suporte se forma pela junção de duas, três ou quatro telas de linho. Na segunda, é uma única placa de mdf, em que uma ou mais cisões recriam as divisões da fase anterior e configuram uma discussão interna às próprias obras entre o que é real e o que é simulado nos modos em que continuidade e descontinuidade se apresentam ao olhar. Trata-se, como se verá, de revelar o que está oculto e de ocultar o que se revela: em face das obras, o olhar não só divisa (nota, distingue, descobre, delimita), como também vela (guarda, conserva, encobre, vigia).
No espaço fisiológico, afirma-se um tempo em que a pintura se incorpora ao olhar, sem que se possa compreendê-la. Há um intervalo enigmático no qual se deve acomodar o olho à opacidade inicial que experimentamos, como se nos dirigíssemos a uma espécie de recâmara de nós mesmos, açulados ante a uma concentração de cores que pouco a pouco se expandem, ultrapassando os limites do suporte de onde provêm, e às quais se agregam marcas de nossa história pessoal.
No espaço pictórico, a duração sensível da cor ultrapassa o tempo da pintura, entendido tanto em sua finitude (o que foi realizado pelo artista) quanto em sua perenidade (a apreciação, continuamente renovada, do espectador). Diante dessas obras, duramos porque somos sensibilizados pela pintura, o que talvez se explique com o que é deflagrado pelas sensações que se ligam à heterogeneidade temporal de sua apreensão, para a qual as várias cores convergem, e que é outra forma de dizer que a discordância interna às telas de linho ou à placa de mdf se resolve rumo a uma simultaneidade perceptiva ou visualidade tátil.
Por fim, aprende-se no espaço musical que, de certo modo, a cor está para a tinta, assim como o som está para o ruído. O ritmo que se decanta das muitas e muitas camadas de cor existentes em cada uma dessas pinturas é algo que se afirma não pela regularidade ou pela repetição, mas sim pela transmissão de um fluxo luminoso que encanta. Também aqui se pode dizer que, pelo descontínuo, somos alçados a uma continuidade, como se a linha melódica de uma coloratura rumasse para uma unidade absoluta, ausente dos intervalos que normalmente associamos ao canto.Nesta exposição, portanto, a conjunção entre não dar ao tempo sua duração e não passar dessa duração ao nosso próprio ritmo provavelmente aumentará o risco de adormecer o revolvimento produzido por essas obras de Adriano de Aquino, e também de perder a contribuição do acaso à rigorosa experiência orgânica envolvida em sua construção pictórica. A concitação de nossas certezas é um efeito do qual não se deve abrir mão diante dessa organicidade, pois sua pintura entusiasma o olho, aguça o espírito e, sobretudo, deixa ver o invisível, do qual, em plena luz, brota o que nos é dado perceber e nos faz ser de outro modo.

*texto para mostra
Divisões Internas
fotos:Jaime Acioli
Paço Imperial
16 de março/29 de abril de 2007
Rio de Janeiro