terça-feira, novembro 05, 2019










Arte,Cultura e Estado

Um velho e tortuoso tema que,na maioridade do Seculo XXI,ainda  atormenta artistas e intelectuais brasileiros.


Censura não se debate, se combate’, recomenda a ministra Cármen Lúcia aos artistas presentes à audiência pública no STF.
Sendo o STF a última instância de justiça que os cidadãos-artistas ou não- recorrem para preservar e garantir seus direitos, a 'recomendação' da ministra aos artistas presentes é prosaica, sem efeito legal concreto para estancar a censura 'governamental' denunciada pelos artistas presentes e punir, na forma da lei, os censores.
Se levada ao pé da letra a recomendação da ministra pode ser entendida de duas formas.
A primeira é midiática: A sessão foi bacana. Vai repercutir na imprensa.
Certo! Repercutiu, a frase da ministra foi lida por mim,copiada e colada do lide de uma matéria de O Globo.
A segunda,como deboche com os presentes que foram ao STF denunciar, 'debater' e pedir providências do tribunal contra "uma nova forma de censura governamental."
Ao dizer que 'censura não se debate,se combate', os artistas presentes devem ter se frustrado.
Os que viveram sob o tacão da censura e sofreram consequências pessoais e profissionais por suas posições em defesa da democracia e da liberdade de expressão nos anos de chumbo,não precisam ir tão longe,se dispor a preparar e expor suas denúncias para ouvir da ministra o que deveriam saber por experiência própria.
Mas, se porventura,o centro da denúncia dos artistas presentes à audiência diz respeito a uma aludida CENSURA econômica e ao 'desmonte' das instituições estatais, como fator de retrocesso cultural,cresce meu espanto com a posição de notáveis e talentosos artistas da minha geração.
A crença num Estado passivo e justo,não sobrevive a nenhum governo.
Se para garantir o aparelhamento estatal, tendencias ideológicas no poder promovam politicas culturais de aparente inserção, é uma ilusão 'útil' ao sistema acreditar que elas atendam e reflitam os 'avanços' sob a égide de uma democracia cultural.
O Estado não dá conta de suprir massa crítica cultural.
Apenas 'financia' o que uma comissão considera oportuno investir.
Quantos de nós,durante a ditadura, debatemos sobre as possíveis consequências nefastas da tutela estatal, quando da implantação da estratégia dos governos militares -sob a ótica Golbery - das fundações de arte,agencias e empresas públicas de arte e cultura, patrocinadas por um Estado mecenas?
Incontáveis textos e reflexões primorosas foram produzidas na ocasião sobre a temível ilusão de que o Estado seria o 'mecenas' justo em oposição às tendências variáveis do gosto e do incipiente e 'injusto' mercado de arte, cultura e entretenimento.
As ditaduras 'estáveis'(sic) onde o voto é um ornamento secundário "pra inglês ver", o financiamento estatal de arte e cultura é ferramenta de poder que serve,entre outras coisas, para adoçar possíveis e desagradáveis dissidências,financiado uma arte 'oficial', ainda que pareça contestatória e insurgente, contra os artifícios do sistema.
Isso seria o 'justo'? O correto?
Todavia, nas democracias, onde se conta o voto da maioria, o poder muda de mãos.
Quando isso acontece o Estado segue a orientação política do vencedor.
Coisas simples assim, várias vezes comentadas em prosa,verso e textos esclarecedores sobre a insidiosa parceria Estado/ Cultura, acabar sendo debatida nas dependências da Corte Suprema,desperta em mim a melancólica sensação de sentir de novo o gosto amargo da decepção de que não basta uma 'ideologia para viver'.
Parte expressiva da categoria precisa mais que isso.
Precisa de um Estado para prove-la.
Em resumo; uma variante 'artística' das necessidades do povo pobre, submetido à cultura do Estado forte,onipresente.

PS
 Não é apenas ingenuidade.
Ha algo mais preocupante na insistente e prejudicial formula da comunidade artística nacional
 empurrar para baixo do tapete questões que se evita abordar em profundidade. 
Não ha como evitar que os modos de intermediação Estado/Cultura,plantados no país durante o regime militar, que mais tarde se desdobrou em diversos subsídios culturais que atingiram o ápice com a bem intencionada Lei Rouanet, por xs criticada por selecionar 'beneficiados' com grande visibilidade e muitos recursos obtidos nos ramos da industria cultural, um dia viria à tona. Não creio que esse governo tenha ideia clara sobre a importância do assunto, pela maneira descuidada com que o está tratando. Até mesmo a ministra Carmem Lucia que acolheu as denuncias dos artistas, se confunde. E como se confunde! Fala no mesmo tom sobre "Censura e Constituição”. Para ela - a “Constituição deve prevalecer sobre as dificuldades.” Convenhamos, isso não ocorre nem com matérias menos complexas abordadas pelo STF. Rouanet, um intelectual sério,que quando ministro criou a lei que leva seu nome e Capanema que em 1937, por sugestão de Mário de Andrade e Rodrigo Melo Franco, criou o Iphan,duas Politicas de Estado, que deveriam se sobrepor as vontades dos governantes, certamente não previam,sequer imaginavam, que essas politicas sofreriam adulterações de viés politico administrativo nas sucessivas gestões que os sucederam..Considero a 'resistência' -de um lado e de outro -prejudiciais ao bom debate que a Cultura brasileira,por sua importância,ha muito merecia encarar e desenvolver.Mas, como no titulo do seu livro,Mércio Gomes nos alerta que sempre que se abre um clarão de oportunidades - 'O Brasil Inevitável'- surge com virulenta reação que teima em 'buscar' o futuro no passado recente e, muitas xs, na velha tradição patrimonialista.