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Brasil – Uma perspectiva
Adriano de Aquino
15/06/2011
Os países americanos são tributários de uma herança cultural oriunda da Europa. Mas, não nos bastou herdar seus postulados civilizatórios, a arte e a cultura. Coube a nós uma grande responsabilidade: formar nações capazes de retornar à humanidade uma contribuição que refletisse outros aspectos do saber e da experiência humana. Esse esforço de constituição de uma cultura própria, singular, é expresso no Brasil de jeitos diversos.
O primeiro deles nos remete ao século XVII, quando o crescimento do investimento clerical implicou a introdução da arte barroca. A partir desse momento, começam a ser identificadas em terras brasileiras as primeiras manifestações artísticas, tais como compreendidas pela cultura européia. No início do século XIX, quando a corte portuguesa aporta no Rio de Janeiro, transferindo para o território brasileiro a administração do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves ocorre um primeiro corte com relação à tradição religiosa que espraiava nos mais distantes recantos da antiga colônia.
A Coroa portuguesa trouxe consigo a intenção de implementar no Brasil os métodos e costumes da metrópole. No processo de consolidação desse reino, a ciência, a cultura e o saber são tratados como primazia: é criada a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, a Real Biblioteca, o Real Teatro de São João, a Missão Francesa e o Horto Real. De 1822 a 1889, após sua independência, o Estado brasileiro constitui-se como o Império do Brasil e assim “o Império do Sul torna-se uma experiência política e social sem igual no Ocidente”.
Na virada do século XIX para o século XX, com a proclamação da republica, tem início a busca do caráter íntimo da cultura brasileira: todo um movimento em direção ao interior, ao que se supunha ser a origem primária da nação, aponta um novo caminho na busca de uma identidade cultural. Uma nova burguesia letrada e cosmopolita, em geral educada na Europa, olha para o país com o ânimo redobrado para remexer as tradições, os mitos e fazeres populares à procura de algo que oferecesse significado consistente para as bases de uma cultura brasileira moderna. É assim que os pensadores, os artistas, os poetas e os compositores começam a cantar um Brasil profundo, misterioso e fascinante que espreitava por entre as influencias das culturas hegemônicas.
No fim da Segunda Grande Guerra Mundial, o Brasil, como muitos outros países das Américas, já possuía um grande contingente de operários nas suas manufaturas. A cultura brasileira incorpora, nesse momento, uma vontade de intervir de maneira mais objetiva na vida social. Os movimentos artísticos se multiplicam, mobilizando um grande número de pensadores e artífices que se esmeram em ampliar o campo estético agregando não só elementos da busca de valores próprios da emoção e da sensibilidade, mas, também, a inserção da razão e da critica no repertório criativo.
Os anos 60 e 70 repercutem e disseminam essa vontade de construção expandindo o imaginário para além dos códigos de representação tradicionais. Essas vertentes, divisadas pelos contrastes entre as feições rurais e urbanas da nação, se inter-relacionam nas artes plásticas, na arquitetura, na literatura, no teatro, no cinema, na música e no design, entre outras áreas. Tais fronteiras de criação visavam investigar sua própria atualidade, ou seja, o tempo em que se inseriam e a capacidade de exercer leituras do Brasil e do mundo.
Nessa ocasião, o país atravessa um longo tempo ditatorial e grande parte da arte desse período é produzida como uma forma de resistência ao arbítrio e à violação dos direitos e das liberdades individuais. Ao desafio da busca de linguagens próprias somam-se atitudes radicais de militância política associada às ações estético-artísticas
Após a redemocratização do país, novos desafios se apresentaram.
A globalização em curso é um dos desafios que hoje se impõem não só à organização econômico social das nações, mas, também, à arte, ao pensamento e a cultura dos nossos dias. No campo artístico-cultural, essa circunstância produziu um enorme impacto independentemente das condições sócio- econômicas e culturais dos países que se esforçam para acompanhar as velozes demandas globais. Na produção artística da atualidade as mudanças foram tão grandes que muitas pessoas alegam dificuldades para definir fronteiras que possam distinguir a origem e a identidade da arte produzida na Europa daquela feita na China, na Índia ou nas Américas.
Apesar das diferenças - e, sobretudo por causa delas -, as Américas marcaram posições muito específicas na constituição da cultura de um novo mundo, e por que não dizer de um novo tempo?
Há muitas décadas, os brasileiros têm se inspirado no intenso poder de contágio social oriundo de manifestações culturais fundadas, a um só tempo, na razão e nas derivações da busca de felicidade, rumo a um futuro sem dúvida incompleto, porém renovado pela força de viver. Em seu conjunto, os eventos e as exposições apresentados ao publico belga no Festival Europalia. Brasil visa descortinar o empenho da alma e do pensamento brasileiros na consolidação de suas contribuições aos campos da arte e do conhecimento no âmbito de um horizonte hoje global.