domingo, julho 29, 2007

Nunca nesse país...

As coisas mudam para permanecerem o que sempre foram.

Il Gatopardo

Giuseppe Tomasi di Lampedusa

As palavras de ordem tipo fora Lula proliferam nos textos exaltados contra o atual governo. Muitos não lembram que isso é um plágio da forma petista de fazer oposição. As vaias, manifestação informal de repudio, despertaram a “magoa” do presidente Lula, reconhecido como um político que despreza as regras formais de representação governamental. Os partidários do presidente dizem que ele fala com o coração. Porém, parece não aceitar que parte da população se expresse assim. Adeptos do governo, por oportunismo ou crença, e que militam na mídia, reafirmam essa contradição. Paulo Henrique Amorim (cujos ressentimentos o atormentam a ponto de postar no seu site do IG a gracinha adolescente intitulada "IVDL: Índice Vamos Derrubar o Lula”), e Mino Carta,(com seu monótono bordão:"sanha golpista da mídia nativa") que rosna como lobo escondido na matilha do pastor, dentre outros, aproveitam para cavar trincheiras lucrativas onde organizam a resistência contra um suposto golpe eminente.

Uma pena não usarem dos poderes premonitórios para evitar acidentes aéreos e mortes. É curioso, porém explicável. Talvez não gostem de aviões e aeroportos, nem do povo que os freqüenta.

Para quem pretende vivenciar experiências inéditas e participar do jogo democrático, tudo parece igual ao que sempre foi.

É desanimador.
Esses exemplos revelam apenas que a velha cultura política se perpetuou no país nos aprisionando nas fronteiras do atraso.

Três episódios recentes refletem os limites de nosso confinamento. Em ordem de importância hierárquica: primeiro o discurso do Presidente Lula na solenidade de posse do Ministro Nelson Jobim, segundo a pilhéria de Marta Suplicy frente à bagunça em que se transformaram os aeroportos e em terceiro os gestos espontâneos de Marco Aurélio Garcia no aconchego de seu gabinete no palácio do Planalto. Por não serem fatos isolados - falam da mesma crise - eles refletem um dos aspectos dessa cultura, impregnada de informalidade, que tem um significado mais profundo do que aparenta.
Alguns simpatizantes do governo vêem nesses episódios a marca de um estilo próprio de governar que identificam como autentico, pois desprovido do manto vetusto que encobria a hipocrisia dos ex-governantes e escondia a natureza perversa de seus desejos. Para eles a postura do atual presidente e de seus ministros reflete um estilo de gestão que pretende enterrar de vez os velhos e embolados discursos e métodos da elite. Desejam mostrar a todos que não escondem o que pensam e fazem. Se fosse apenas uma questão de estilo as pessoas sensíveis aos significados que cercam os cargos públicos seriam obrigadas a suportar só as piadinhas, os gestos e os discursos auto referentes e maçantes, até o fim desse governo. Sabemos, contudo, que não é apenas isso. Os que partilham dos códigos do poder vigente e dele se beneficiam sempre encontrarão motivos para rir. Entretanto, tenho certeza de que para aqueles que atravancados no direito de ir e vir nos aeroportos, nos hospitais, nas escolas, nos lares e ruas inseguras, uma certa austeridade seria menos afrontosa.

Temos ciência de que a forma não é tudo. Porém, em momentos de dor o riso é um escárnio diante da catástrofe e das mortes.

Esse amontoado de problemas revela, entre outras coisas, que o confronto político está ocorrendo fora do campo ideológico. Frustraram-se os que acreditavam que o estilo Lula de governar ampliaria a discussão sobre os destinos do país. O que se ampliou foi o sectarismo de grupos.

Os governos passados foram duramente criticados pelas autoridades atuais, por usarem de dispositivos condenáveis de pressão sobre o congresso nacional, seja através do cerceamento, da cooptação ou da abundancia de decretos lei que submetem a classe política aos desejos do executivo. A historia brasileira é marcada por esse tipo de atuação. Ficou claro que as criticas que o PT fazia a tradicional cultura política brasileira era só brincadeira. Muitos riem disso. Apesar das velhas regras que impregnam as relações do executivo com o parlamento não ter graça nenhuma. Os métodos que adotaram, ao contrario do que pregavam, são similares aos usados pelos políticos que antagonizavam. Nesse aspecto prevaleceu a tradição, não vejo motivos para o atual governo se orgulhar, muito menos rir.

A queda de Collor foi uma lição que Lula aprendeu e aplica nas negociações com os parlamentares e no agrado aos ditames do poder econômico.

O presidente pode não gostar de ler, ele não é o único caso que comprova a existencia de outras formas de aprender e ter sucesso na vida. O mercado é cheio de exemplos que confirmam isso. Muitos historiadores admitem que “aprender fazendo” foi um método vital para o êxito e o desdobramento da revolução industrial iniciada na metade do século XVIII na Inglaterra. Se gostasse de ler, o presidente teria melhores meios para desvendar problemas ocultos àqueles que acreditam demais em si próprios. Aspectos marcantes das personalidades altivas de homens notáveis, que oriundos da pobreza alcançaram fortuna e poder, são abundantes na literatura mundial onde encontramos ensinamentos fundamentais.Com isso ele teria outros modelos comparativos, além de Vargas, Juscelino, Collor e Fernando Henrique.A atual conjuntura política tornou compreensível que o presidente Lula se abstenha de comparar sua gestão com a do presidente Sarney.

Administrar interesses em prol do bem publico e intervir em conflitos sociais difundindo prosperidade e segurança são pré-requisitos dos chefes de estado. Poucos mandatários alçam a gloria administrando bem essas questões. Quando o fazem tornam-se estadistas. Lamentavelmente são raros. Eles emanam, para além de suas presenças, confiabilidade e respeito, sobretudo em momentos de crise e dor quando a nação, como um todo, não apenas alguns setores da sociedade, busca apoio e esperança.

O discurso informal que o presidente Lula fez na posse do ministro Nelson Jobim transmitido pelo radio, porém, dirigido ao fechado circulo palaciano, produziu um efeito devastador nas mentes enlutadas da nação. Somente os membros da corte palaciana, isolados do pesar nacional, acharam graça na autentica simplicidade presidencial, que segundo o próprio visava desafogar a dor.

Ao negar o contato próximo com os familiares e amigos das vitimas do acidente com o avião da Tam, que seria o recurso mais esperado de um político que adotou a informalidade como estilo de governo, o presidente alargou a distancia que o separa das idéias daqueles que o criaram a imagem de um líder com forte identidade popular.

Agora sabemos que além de temer cerimônias fúnebres e vaias, o presidente também teme aviões -os três fatos colocados na mesma ordem de importância. Ao mesmo tempo ficamos sabendo que não constará da agenda presidencial solenidades que possam colocar em dúvida a popularidade do presidente.

Esses acontecimentos comprovam que a informalidade pode ser tão hipócrita quanto à austeridade, quando oculta os verdadeiros temores, os interesses e as vinculações que levam e mantém um governante no poder.

Adriano de Aquino

agosto de 2007