quinta-feira, abril 12, 2018

Bichanos Domesticos





Em 1929, o magistral filme "Un Chien Andalou", Luis Buñuel registra uma sequência de imagens que penetrou fundo no imaginário dos artistas da Vanguarda Histórica do início do século XX.
Tamanha potência se tornou um ícone, uma parábola visual impactante, durante o longo percurso da modernidade. 
A sequência de quatro frames do filme, foi uma centelha que explodiu um paiol de sentimentos contidos,liberando milhares de especulações sobre Arte e Sociedade, transcendendo inclusive a proposta estética do movimento Surrealista ao qual, na ocasião, Buñuel se alinhava.
Esses momentos de rara inteligência e beleza se confrontam com a mesmice da atualidade que, vez por outra -frequentemente-  por conta de uma cegueira coletiva me fazem retroceder, retornando a um tema exaustivamente burro que insiste em guinchar, rebocar e induzir artistas incautos e o público de arte a focarem nas obras de arte ‘pautas’ das agendas da comunicação social. 
Essa tolice vem de longe. 
Teóricos e críticos de arte há muito imprimem cacetadas de hipóteses que visam relacionar a criação artística aos campos da psicologia, da sociologia, da etnia, da luta de classes e gêneros, engajamento e,até, faixa etária – arte para a Infância/Adolescência e Senilidade- e outros adornos que lotam as manchetes da realidade objetiva.
Entre o conjunto de subprodutos agregados ao fazer artístico, a política tem pauta especial.
Em período de amplo relativismo Estético/Ético, a  Política e Arte, formam uma dupla temática imbatível que se usa para se encher o papel impresso com tolices.  
Ontem, inaugurou mais uma feira de NEGÓCIOS focada em produtos artísticos.
Pelo teor das notícias em torno do evento, o que se constata é que nos dias de hoje em uma feira de arte, a última coisa que se deve pensar é negócio. 
Apesar de termos atravessado a vanguarda e aberto espaço para manifestações estéticas radicais, o ambiente cultural permanece impermeável e conservador, embebido em romantismo piegas que coloca em segundo plano a ambição da categoria em fazer dinheiro.  
O relativismo estético/cultural colocou lado a lado o protagonismo artista/público - seja em uma feira de arte, em uma visita a um museu ou a mostras contemporâneas temáticas, organizadas por curadores.
Se há alguma transgressão nessas órbitas, ela ocorre na vã tentativa de camuflar o objetivo do negócio de gerar dinheiro e promover artistas, a fim de movimentar a máquina negocista em um evento de arte. 
Ao ler: “A feira de arte contemporânea de São Paulo junta no mesmo espaço artistas e colecionadores, duas comunidades que politicamente podem estar muito desencontradas. Com o seu público classe média-alta, a SP-Arte pode não ter o público mais favorável a Lula da Silva(...)Menos de uma semana depois da prisão de Lula da Silva, o ex-Presidente do Brasil condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, começa em São Paulo a feira internacional de arte contemporânea (SP-Arte). Mas ao contrário do que se passou na última Bienal de São Paulo, que coincidiu com a tomada de posse do Presidente Michel Temer depois do impeachment de Dilma Rousseff, não se esperam grandes protestos na feira de arte que dura até domingo no edifício do Parque Ibirapuera, desenhado por Oscar Niemeyer(...)bem como a secção performance, que abordavam temas ligados à escravatura e à descriminação racial, o que foi possível ver em poucas horas no primeiro dia”.
Ora! Se uma feira de arte serve para promover e colocar em debate as tendências artísticas em voga na atualidade, os demais segmentos da cultura se tornam periféricos. Quer dizer, tornam-se apenas repetidores do 'mainstream', focado nos fatos cotidianos e de olho na grana. 
Esse texto não é um manifesto, sequer um protesto. 
É apenas uma indagação: Se a realidade não nos basta, a Arte, que nos abre perspectivas existênciais mais amplas, impulsionada pelo frescor do novo, se torna apenas um cosmético seco e inóspito, que transforma beleza em feiura sob a premisa de  refletir uma 'face' do  Real? Uma feiura, mas, Real!  
Então, recortes da  realidade objetiva da comunicação social se impõem, soberana. 
Ela demanda e estimula a criação  de cenários irreais, inundados de autobiografias estetizadas, discursos e expressões individuais egóicas que manifestam - na  aparência de fugaz realismo – o objetivo de enaltece-lo , não transcende-lo.
Miau!
Au!Au!