quinta-feira, maio 24, 2018

Gestos

Claudia Roth Pierpont, escritora e jornalista, colaboradora do The New Yorker, apesar da semelhança do sobrenome, não é parente do escritor que morreu hoje. 
Em 2013 ela publicou um ensaio intitulado ‘Roth Unbound: A Writer and His Books, na edição brasileira da Companhia das Letras tem o título: “Roth Libertado — O Escritor e Seus Livros”. 
Para penetrar nas sutilezas da vida de um escritor polemico como Roth, Claudia não poderia deixar de lado temas delicados e profundos como a decisão do escritor em abdicar de escrever. Saber os porquês de um autor potente como Roth tomar uma decisão como essa é irresistível sobre vários aspectos. Para mim, como artista, é uma decisão existencial profunda. No meu caso particular, não pensar na possibilidade de abdicar de pintar, como expressão de vontade e potência diante das vicissitudes da vida ou mesmo para desviar intencionalmente da mecânica compulsiva de produzir mais objetos estéticos, apenas por temer os males da falta do que fazer ou, pior, cumprir compromissos dolorosos como suprir o mercado de produtos artísticos culturais, sempre me pareceu uma fraqueza diante das grandes interrogações da vida. A 'compulsividade sensivel' me desperta muitas suspeitas.Na maior parte das vezes, as suspeitas se confirmam na visão ou leitura de alguns artefactos estéticos de grande sucesso midiático,palatáveis ao gosto geral. 
Dito isso, li com atenção redobrada as colocações de Claudia sobre a radical decisão do escritor sobre o medo de acabar deprimindo com a falta de ocupação e inábil para enfrentar a vida sem a dedicação diária à escrita. Entretanto, para espanto geral, Claudia informa o leitor que o próprio Roth se sentiu surpreso ao constatar que a decisão o levou a se “sentir livre”. 
Apenas esse aspecto da sólida estrutura mental de Roth desperta incontáveis reflexões. Afinal, o que não falta no mundo são obras de arte e produtos culturais inócuos que servem, sobretudo, para encher estantes, paredes,instituições museológicas  e espaços performáticos  com ‘mais do mesmo’, sem qualquer atributo intrínseco de real valor. A sensação de ter realizado o que se pretendia como criador e, ainda, ter potência suficiente para estancar o que deixou de ser um fluxo criativo original e surpreendente para o próprio autor, é a máxima das liberdades disponíveis na nossa curta existência.Tudo indica que Roth exerceu em plenitude essa liberdade.
Como disse, sendo essa uma questão crucial de um artista, procurei o 'contraditório' entre a crítica especializada e 'outras' interpretações sobre a decisão de um excelente escritor como Roth de não mais escrever.
Em 2014,Joshua Cohen, colaborador do The Gardian, publicou uma critica ao livro da Claudia. Nela,Joshua, esmerilha o escritor no modo de quem cava fundo a fim de encontrar um diamante falso. Num trecho ele escreve: “Isso sugere que Roth Unbound pode ser ainda mais do que suas promessas de publicidade sem fôlego; na verdade, pode ser a façanha mais virtuosa de Roth. Imagine Roth se aproximando de seu aniversário de 80 anos carregado de prêmios e títulos honoríficos, traduzido globalmente, lido universalmente, seu talento triunfando sobre todas as adversidades: colapso mental, doença cardíaca, ortodoxia rabínica, feminismo. Como um artista que sempre prosperou na transgressão, ele deve ter discernido sua mortalidade no sentido de que não havia oposição a ser superada. Mais uma vez, ele teria que inventar uma, uma perseguição não romântica ou erótica desta vez, mas última o suficiente para flertar com o póstumo, e assim ele concedeu acesso a um biógrafo, e fingiu se aposentar. Previsivelmente, a perspectiva opressiva de ter um estranho narrar sua vida revigorou Roth e fez com que ele reafirmasse a proeminência de seu trabalho, realizado por uma ‘ghostwriting’ na forma de um estudo. A negligência da prosa, então, deve ser atribuída não à senescência de Roth, mas às exigências de escrever sob uma identidade assumida. Incapaz de suportar não receber crédito por esse feito, e por ter concluído sua carreira na voz de uma mulher simpática, Roth escolheu um pseudônimo - "Claudia Roth Pierpont" - apenas tolo o suficiente para trair a verdade. Roth, parece, está de volta, e mais uma vez ele está implorando para ser punido.”


quinta-feira, abril 12, 2018

Bichanos Domesticos





Em 1929, o magistral filme "Un Chien Andalou", Luis Buñuel registra uma sequência de imagens que penetrou fundo no imaginário dos artistas da Vanguarda Histórica do início do século XX.
Tamanha potência se tornou um ícone, uma parábola visual impactante, durante o longo percurso da modernidade. 
A sequência de quatro frames do filme, foi uma centelha que explodiu um paiol de sentimentos contidos,liberando milhares de especulações sobre Arte e Sociedade, transcendendo inclusive a proposta estética do movimento Surrealista ao qual, na ocasião, Buñuel se alinhava.
Esses momentos de rara inteligência e beleza se confrontam com a mesmice da atualidade que, vez por outra -frequentemente-  por conta de uma cegueira coletiva me fazem retroceder, retornando a um tema exaustivamente burro que insiste em guinchar, rebocar e induzir artistas incautos e o público de arte a focarem nas obras de arte ‘pautas’ das agendas da comunicação social. 
Essa tolice vem de longe. 
Teóricos e críticos de arte há muito imprimem cacetadas de hipóteses que visam relacionar a criação artística aos campos da psicologia, da sociologia, da etnia, da luta de classes e gêneros, engajamento e,até, faixa etária – arte para a Infância/Adolescência e Senilidade- e outros adornos que lotam as manchetes da realidade objetiva.
Entre o conjunto de subprodutos agregados ao fazer artístico, a política tem pauta especial.
Em período de amplo relativismo Estético/Ético, a  Política e Arte, formam uma dupla temática imbatível que se usa para se encher o papel impresso com tolices.  
Ontem, inaugurou mais uma feira de NEGÓCIOS focada em produtos artísticos.
Pelo teor das notícias em torno do evento, o que se constata é que nos dias de hoje em uma feira de arte, a última coisa que se deve pensar é negócio. 
Apesar de termos atravessado a vanguarda e aberto espaço para manifestações estéticas radicais, o ambiente cultural permanece impermeável e conservador, embebido em romantismo piegas que coloca em segundo plano a ambição da categoria em fazer dinheiro.  
O relativismo estético/cultural colocou lado a lado o protagonismo artista/público - seja em uma feira de arte, em uma visita a um museu ou a mostras contemporâneas temáticas, organizadas por curadores.
Se há alguma transgressão nessas órbitas, ela ocorre na vã tentativa de camuflar o objetivo do negócio de gerar dinheiro e promover artistas, a fim de movimentar a máquina negocista em um evento de arte. 
Ao ler: “A feira de arte contemporânea de São Paulo junta no mesmo espaço artistas e colecionadores, duas comunidades que politicamente podem estar muito desencontradas. Com o seu público classe média-alta, a SP-Arte pode não ter o público mais favorável a Lula da Silva(...)Menos de uma semana depois da prisão de Lula da Silva, o ex-Presidente do Brasil condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, começa em São Paulo a feira internacional de arte contemporânea (SP-Arte). Mas ao contrário do que se passou na última Bienal de São Paulo, que coincidiu com a tomada de posse do Presidente Michel Temer depois do impeachment de Dilma Rousseff, não se esperam grandes protestos na feira de arte que dura até domingo no edifício do Parque Ibirapuera, desenhado por Oscar Niemeyer(...)bem como a secção performance, que abordavam temas ligados à escravatura e à descriminação racial, o que foi possível ver em poucas horas no primeiro dia”.
Ora! Se uma feira de arte serve para promover e colocar em debate as tendências artísticas em voga na atualidade, os demais segmentos da cultura se tornam periféricos. Quer dizer, tornam-se apenas repetidores do 'mainstream', focado nos fatos cotidianos e de olho na grana. 
Esse texto não é um manifesto, sequer um protesto. 
É apenas uma indagação: Se a realidade não nos basta, a Arte, que nos abre perspectivas existênciais mais amplas, impulsionada pelo frescor do novo, se torna apenas um cosmético seco e inóspito, que transforma beleza em feiura sob a premisa de  refletir uma 'face' do  Real? Uma feiura, mas, Real!  
Então, recortes da  realidade objetiva da comunicação social se impõem, soberana. 
Ela demanda e estimula a criação  de cenários irreais, inundados de autobiografias estetizadas, discursos e expressões individuais egóicas que manifestam - na  aparência de fugaz realismo – o objetivo de enaltece-lo , não transcende-lo.
Miau!
Au!Au!