segunda-feira, julho 11, 2016

Vazios da matéria






As infinitas interações subjetivas,autônomas  ou  embasadas em vetores do conhecimento especializado como a psicanalise,a sociologia,  a antropologia cultural,a filosofia,a física quântica,as ciências naturais e exatas e etc, contribuem para  a amplitude e a intensidade do nosso contato com a arte . 
Todavia,os 'insights', fundados nesses saberes, quando usados como linha condutora para a elaboração de uma proposta estética, faz com que tudo se reduza à ilustrações que agem no sentido inverso,reduzindo e limitando o horizonte da experiencia criativa,das ideias e da fruição de uma obra de arte. Os embustes são em geral bem ancorados na interpretação por temerem o vazio onde se amalgamam os elementos que elevam ao infinito o mistério da arte.
Uma historinha para quem ama ilustrações: Ernest Rutherford não foi um artista. Ele era um físico (1871-1937)que realizou  experiências com o modelo atômico conhecido até então. Rutherford tomou como ponto de partida o principio de Thomson que entendia  o átomo como uma esfera de carga elétrica positiva, incrustada de elétrons (negativos), de modo que sua carga elétrica total seria nula.
A experiencia cientifica de Rutherford consistia em bombardear uma  folha-de-ouro com um feixe de partículas alfa (α), partindo de uma amostra de polônio contido num bloco de chumbo com um orifício por onde  sairiam apenas as emissões de partículas alfa. Para complementar o conjunto foram colocadas placas de chumbos com orifícios em seus centros, a fim de orientar o feixe na direção da lâmina de ouro. Atrás da lâmina de ouro ele colocou um anteparo recoberto com sulfeto de zinco. O sulfeto é uma substancia que se torna fluorescente quando alcançada por partículas alfa.
Ao final deste experimento, Rutherford notou que a maioria das partículas alfa atravessava a lâmina de ouro. Poucas partículas alfa se desviavam e muito poucas retrocediam.
O resultado dessa experiencia levou Rutherford a conclusão  que, ao contrário do que Dalton e Thomson pensavam anteriormente, o átomo não poderia ser maciço.Na verdade, grande parte do átomo é vazio contendo um núcleo muito pequeno, denso e positivo. 
O que essa historia tem a ver com arte,interpretação e a experiencia criativa?
Aparentemente,nada.
Tirante a característica cientifica,o objeto que dá corpo a essa experiencia dispõem  de materiais dispares que juntos formam uma imagem sugestiva que pode ser apreciada pelos leigos apenas pelo contexto estético.    
Porem,quando um artista plástico/visual se apropria do objeto  concebido para uma experiencia cientifica,como a do Rutherford,por exemplo,ao modo do 'aproprianismo'-estilo artístico que tem suscitado algumas teorias que vagam no circuito de arte - revestindo-o de um simbólico ausente,ele gera um produto anódino. 
No fundo, dá corpo a uma interpretação fora de lugar. 
A interpretação, que serve de modelo para produção de obras de arte que ilustram questões sociais,ecológicas, ambientalistas e etc, usam desse recurso com objetivo de se apresentarem como arte de contestação/denuncia, quando,de fato, não passam de ilustrações obvias,facilmente constatáveis pelo senso comum e esvaziadas de potencia critica.  
Susan Sontag ,no seu ensaio "Contra a Interpretação"  lança luz  sobre esse equivoco que ainda perdura e rende incontáveis subprodutos . Para ela, a interpretação 'não é um valor absoluto,um gesto do espírito situado em algum domínio atemporal das capacidades humanas. A interpretação deve ser avaliada, dentro de uma concepção histórica da consciência humana'. 
Em certos contextos a interpretação cultural pode ser um ato libertador quando tem como objetivo rever, transvalidar  e ,assim, escapar dos modelos do passado. Em outros contextos culturais,inclusive na produção de objetos estéticos/artísticos,esses recursos se mostram oportunistas e reacionários, desprovidos de ousadia e esvaziados de espirito.