domingo, janeiro 25, 2015

Arte & Estrategia



Seria um contrassenso para não dizer um absurdo exigir dos artistas contemporâneos uma sequencia lógica e contínua do que foi a ruptura moderna, sobretudo, as marcas inconfundíveis da vanguarda histórica. Pergunto-me se o desejo ardente por atitudes similares, inspiradas na ruptura do modernismo, se tornou uma obsessão para os artistas contemporâneos. Ser contemporâneo e como ser contemporâneo virou regra geral, não uma postura, uma atitude. As réplicas chupadas pelos *heady made -para o dissabor paternal do Duchamp- se tornaram o dever de casa das academias e uma pauta dominante da produção estética dos últimos trinta anos. Quer dizer,definiu-se um punhado de códigos estéticos apanhados nas vertentes mais radicais do modernismo fez-se download das variedades e saiu-se pelo mundo atribuindo certificado de atualização da "Arte Contemporânea" a partir dos programas e temas pré definidos pelos curadores. Tudo feito com autorização explicita dos artistas. Ingenuidade,burrice ou oportunismo e os três simultaneamente, afetam de forma direta o primado fundamental da criação: liberdade. Aí surge o primeiro sintoma da dependência orgânica de grande parte dos artistas da atualidade aos ditames do mercado 'livre'.Eles entendem literalmente o paradigma ' livre mercado' e enxergam, pela brecha,a liberdade criativa como um acessório disponível a todos os dotados de virtudes artísticas.O temor infantil dos artistas, expressado na repulsa ao contraditório, mostra que de fato a tão aludida liberdade é um blefe que sucumbe até a contradição explicitada nas criticas do Gullar. Como,em tese,desprezam o entendimento estético do Ferreira é possível que o temor se localize na difusão e na penetração do veiculo da grande imprensa onde o poeta tem uma coluna.Quer dizer,em termos objetivos,trata-se de uma defesa corporativa aparentemente fundada na ilusão de que a ARTE é uma instancia divina e a liberdade uma dadiva dos deuses.Está,portanto,acima do bem e do mal e dissociada dos interesses mesquinhos e utilitários. Podem fazer o que bem entendem,vale tudo,porém,exigem que todos entendam,aceitem e omitam suas criticas ao que fazem sobre a ameça de se tornarem reacionários.Os tolos,fincados no ideário do politicamente correto,acreditam que ser critico do sistema vencedor,não importa qual, é ser intolerante e,portanto,reacionário.Nem desconfiam que a burrice é um mau maior! Um paralelo grotesco pode ser percebido na advertência:"Ame-a ou deixa-a" em paz,tão caro aos autoritários mais retrógrados da historia.Esses 'anjos' celestiais sequer imaginam a muralha de resistência que Duchamp e amigos enfrentaram na ocasião da ruptura histórica que tentam a todo custo reeditar.Claro,essas crianças mimadas obedecem as ordens gentis e amigáveis que os abriga de ruídos e contradições oriundas do real:seus amáveis curadores de estimação.
*Heady enquanto, inebriante,intoxicante,arrebatado,impetuoso,violento,temerário etc, me parece melhor definir o espirito elegantemente indomável dos replicantes contemporâneos.

quarta-feira, janeiro 21, 2015

Triste Despedida


Às 10:36 GMT foi divulgada a notícia de que um pequeno grupo de fanáticos terroristas invadiu a sede do Charlie Hebdo.
Às 10:30GMT eu já estava embarcado no avião que me traria de volta ao Rio.
Um atraso- por condições climáticas- de aproximadamente uma hora para decolagem permitiu que os passageiros embarcados pudessem acessar seus celulares.

Isso me permitiu ter acesso a informação ‘in loco’ sobre o atentado ao Charlie Hebdo que até aquele instante havia registrado 12 mortes.

Às 11:28 GMT,cinco minutos antes do comandante anunciar a autorização para decolagem e pedir para os passageiros desligarem os celulares, a foto que ilustra esse post foi a última imagem que vi da cidade onde passei mais de um mês, comemorei meu aniversário, o Natal e a entrada de um novo ano junto a minha irmã, sobrinhos e amigos.

A notícia desviou minhas divagações sobre a estadia em Paris.
Meus pensamentos  tomaram outro rumo.

A França, Paris em particular, são emblemas de conquistas libertárias. Naquela terra, naquela cidade e sobretudo naquela cultura de incontáveis conquistas sociais, onde a indústria de bens se expande do campo objetivo de produção para as áreas do pensamento, da cultura, da arte e dos direitos humanos, a fortuna que mais se destaca aos olhos do viajante é a liberdade individual.

Esse item está diretamente vinculado ao maior orgulho nacional: ‘Le droit du citoyen’.

Ainda que a liberdade seja um conceito sujeito a todo tipo de abordagem e especulações de fundo teórico, na prática, ela se manifesta na sociedade francesa de maneira inequívoca.
Não é a toa que atribui-se aos parisienses a invenção do ‘trottoir’ que na versão popular significa apenas uma boa calçada mas, no sentido atribuído pelos poetas da cidade, é a arte de andar, passear e flanar pelas ruas  às três horas da tarde ou da madrugada, sem se sentir ameaçado por hordas bárbaras  ou mesmo pelas forças de segurança pública simplesmente porque você é uma pessoa diferente da maioria.

Discutir nos bistrôs, portar publicações radicais, vestir-se como um dândi, um gótico ou um Aiatolá, ou mesmo gritar aos quatro ventos o que pensa, em Paris, é uma atitude tão natural quanto respirar.

Antagonizar o governo, as indústrias, o consumo, as corporações do setor econômico, a imprensa, o 'pouvoir'  e  a hegemonia militar do ocidente é um clássico do ativismo social francês. 

Contudo, matar o HUMOR, foco da irônica resistência, atinge a liberdade no seu ventre.

Esse ato deve trazer à tona a irresponsabilidade de uma militância supostamente esquerdista e debiloide do ocidente que apoia atos terroristas que visam restringir, para não dizer exterminar definitivamente, a liberdade.
Saio dessa cidade com uma sensação de tristeza  e luto por todos os jornalistas mortos neste ato estúpido de consequências terríveis.

O epitáfio dessa ação pode ser sintetizado numa frase anônima bem ao estilo de maio de 68,poucos anos antes do Charlie Hebdo ressurgir das cinzas do velho  HaraKiri Hebdo, extinto por descontentamento de um ministro gaulista: "Um homem não é estúpido ou inteligente: ele é livre ou não é."

Essa é a questão maior da tenebrosa intolerância do extremismo religioso e a que mais aflige as sociedades livres do Ocidente.


Levante auspicioso




Adriano de Aquino
Paris/Sexta feira -12/12/14 
12°/vento e chuva fina.
Ontem, eu havia programado o circuito que hoje faria  por algumas exposições imperdíveis. Descartada de cara  a ida ao Beabourg, tendo em conta que a instituição programou como o destaque do mês a ¨retrospectiva¨ de Jeff Koons, artista cuja obra não se encaixa no meu interesse estético, além de não se  ajustar ao termo retrospectiva de jeito algum .Mas, convenhamos, faz jus a todos os predicados que definem a pujança do marketing pessoal e da ambição espalhafatosa pelo sucesso, fundamentos básicos para quem se empenha na técnica de alavancar currículo e preços e que, hoje, nas alturas, compram até mesmo prestigio, que dirá retrospectivas.
Se a estratégia de mídia do show de Koons objetivava criar um vácuo onde a crítica de arte não tivesse ambiente para germinar, o objetivo foi atingido em cheio. 
Argumentos tolos e as maiores bobagens foram publicadas em vários veículos de comunicação com a mesma altivez com que se diz coisas sérias sobre as correntes estéticas do momento. A orientação parece ter sido a de exacerbar  interrogações para seduzir  o público consumidor de cultura artística  que anseia por respostas para tudo e veem questões  embutidas na banalidade e no gosto dos artistas endinheirados, as 'celebridades' que galgaram o status de  mídia, produzindo os mesmos maneirismos, carregados da doce inocência dos predestinados à fama e a fortuna, que encantam o espectador ávido por novidades e delicias do sucesso.
Enfim, mais do mesmo, diluído  em falsa polemica.
Matérias aos borbotões enchem paginas com fofocas e comentários de admiradores em contraponto as manifestações de repulsa visceral dos que consideram a arte do Koons puro lixo.
O esquema atrai o inocente  o levando a supor que está diante de algo revolucionário e transformador. Chamadas de mídia cheirando a mofo: "impostor ou gênio? Koons, um homem de negócios bem sucedido ou o ultimo artista pop?" De tão manjadas deixam claro que ninguém que pensa  vai se ocupar  a respeito, sequer responde-las. 
O mega esquema para o show do Koons, usou de todos os recursos promocionais, inclusive, disponibilizando simultaneamente no Beaubourg um debate sobre um tema saturado no ambiente artístico/intelectual. Para conceder "inserção" histórica ao pop star, ajeitaram o calendário da agenda de palestras da instituição para incluir a obra de  Koons na temporalidade das rupturas históricas do  modernismo ao contemporâneo,  em  um evento paralelo e simultâneo à mostra -até 05 janeiro de 2015- com  palestras  de críticos e estudiosos  sobre as reflexões do Duchamp e suas intervenções nos  parâmetros estéticos vigentes no inicio do Século XX e a 'redefinição'  das fronteiras da  arte..  Tudo bem montadinho para bombar o show do Koons no Beaubourg. E...bombou!

Foi com essa argumentação que convenci à Lynne que eu não era a companhia ideal para acompanha-la nessa tarde  de convencional  e brochante turismo cultural pós moderno.
Então, ela sugeriu que a acompanhasse  à uma galeria do quartier para visitar a exposição 'L'Art de la Aprpropiation'.Meu interesse era zero. Mas, para não frusta-la mais uma vez, cedi.
 A exposição consistia na montagem de uma serie de obras do que hoje se convencionou chamar de 'appropriationisme", o mais recente estilo já convenientemente aplicado ao mercado e nas escolas de arte. Nada que valha a pena realatar.
Poucos comentários de ambas as partes, nos dirigimos, então,  para o Gran Palais para ver a mostra do Hokusai. Porém, a  terceira  tentativa de visitar esta  exposição que desejávamos ver,  foi novamente frustrada. Uma fila enorme de japoneses obstinados em prestigiar o grande mestre, somada a chuva fina e o vento frio, acabaram por quebrar nossa resistência.
De volta a estação La Muette, seguimos para visitar a exposição "Impression,Soleil Levant".Nessa estadia visitei essa mostra umas quatro vezes.
Mesmo não sendo a mostra de maior destaque na agenda  cultural parisiense deste dezembro, eu havia anotado essa visita como obrigatória antes mesmo de sair do Rio.
Primeiro por conta do museu. O Marmottan é meu museu preferido desde o tempo de estudante em Paris. Segundo, porque a proposta da mostra de abordar a verdadeira história do "chef-d'oeuvre" de Claude Monet, me pareceu um desafio a conferir. Sobretudo, tendo em vista que a primeira grande historia do impressionismo, escrita por John Rewald e publicada nos anos 50, que apontava essa obra como o ícone do Impressionismo e titulo  que deu origem ao nome desse  estilo, ao contrario das suposições que indicavam a pintura intitulada "La Gare de Saint-Lazare" como a gênese desse movimento artístico.
Comprovei mais uma vez como um trabalho de curadoria criteriosa define uma museografia correta capaz de tornar uma visita a um museu uma experiência intensa entre o visitante e o tema proposto, entre obra e espectador. 
A iluminação adequada-perfeita para falar a verdade-integrada a uma museografia discreta e elegante empenhada em destacar pontos convergentes entre as obras expostas e enfatizar a busca incansável do artista pela luz e contra planos que marcam a poética profundidade pictórica de Monet, fazem dessa mostra um delicado estudo sobre a pintura e enlevam o visitante em uma experiência sensível e emocionante conduzida por um trabalho curatorial serio e dedicado, desprovido de vaidades supostamente autorais. O desafio da curadoria é ainda maior tendo em vista que ao sair dessa mostra o visitante desce dois lances de escada e mergulha nas profundezas das 'nynfeas' que pertencem a coleção nacional de arte, agora, definitivamente instalada no museu Marmottan Monet.
Só a titulo de curiosidade colo aqui uma citação critica contra a histórica exposição de 1874, intitulada "L'impression"(soleil levant sur la Tamise) que consta do catálogo desta exposição:<<...la impression de Lever le soleil est traitee par la main enfantine d'un ecolier qui etale pour la premiere fois des couleurs sur un surface quelconque...>>na versão literal em português: "  A pintuira Soleil Levant  é processada pela mão infantil de um colegial que pela primeira vez espalha cores em qualquer superfície"  Marc de Montifaud,L'Artiste,1 mai 1874, inserida no catalogo de forma a nos dizer que os ponto de vista de  críticos e intelectuais do oficialato cultural de uma época, se dissolvem no ar como pensamentos fugazes e ínsitos, contra ou a favor . 
As grandes obras transcendem o tempo.
Ainda que a opinião do critico de então  não tenha correspondência direta com meu comentário sobre o show do Koons,  o assunto não deixa de ser engraçado dado que, hoje, o marketing e a mídia cultural em consonância com as politicas institucionais, valorizam ao extremo  a projeção econômica de alguns produtos artísticos,  com  ênfase no sucesso  pessoal e na  economia do espetáculo, itens alheios a verdadeira  polemica que perpassa o ambiente artístico dos nossos dias. 
Enfim, esses fatores, juntos e misturados, são o inverso  de Marc de Montifaud,,mas, como ele, tendem a figurar na história de forma semelhante.
Saímos satisfeitos e fomos nos deliciar com uma refeição e um papo substancioso no Pure Cafè.