domingo, maio 04, 2014

Saudoso naentherdal*


Resiliência é um termo usado com frequência por analistas que estudam as tendências sócio/cultural do nosso tempo. Na Física a palavra é relativa a característica mecânica que define a resistência aos choques de materiais No dicionário formal a palavra resiliência significa a capacidade que temos como pessoa ou sociedade de voltar ao estado natural, principalmente após alguma situação crítica e fora do comum.Ora,se há alguma coisa “fora do comum”,uma virada de procedimentos que faz com que tudo no nosso dia a dia pareça ‘antinatural’,quer dizer, fuja ao ciclo previsível dos acontecimentos naturais tipo amanhecer,entardecer e anoitecer, é a dinâmica do tempo estendido motivado pelo fluxo ininterrupto da informação.Ela é responsável pela transformação veloz com que as coisas ocorrem num dia que se amplia para alem das 24horas convencionais.Um veiculo de comunicação,como um jornal, por exemplo, sobre a mesa do café da manhã,no almoço será um calhamaço de papel onde se relembra noticias do passado. Admitamos ou não o nosso tempo ‘natural’ digamos assim, foi estendido potencialmente pela cultura digital. Os fatos e as coisas do mundo nos chegam instantaneamente. Não são mais passiveis de serem editadas a posterior. São apreendidas de imediato. Os meios tradicionais de noticias que não se adéquam ao tempo virtual são expelidos do presente. Esse é um dos dados que as transformações radicais propiciadas pelo acesso on line a informação esparramou por todo o globo.A “volta ao estado natural” remete,queiramos ou não,ao mito do “beau sauvage”. Ainda que os analistas pós modernos tentem desviar desse conceito(Rosseau) em suas considerações,ele permanece ao fundo,como um fantasma a nos lembrar de um passado glorioso no qual o homem era mais humano e feliz.
Oh!Maldita tradição (ou traição)que insiste em moldar a imagem,semelhança e mentalidade os nascituros!
Minha leitura desse domingo desviou da cretinice da vida política nacional para percorrer trechos de um debate sobre as habilidades socioemocionais consideradas importantes para profissionais do futuro. Num seminário intitulado Educar Para as Competências do Século 21 ocorrido em março, no Brasil, e na Conferência de Educação Privada, realizada em abril em San Francisco (EUA) pela International Finance Corporation, ligada ao Banco Mundial,os participantes tatearam questões que afligem as sociedades,os pais e as escolas.
Mais uma vez se comprova o quanto é confortável projetar o futuro dentro de um laboratório ou de um gabinete político. Como parece fácil e sofisticado avaliar as tensões culturais e sociais da atualidade e projeta-las num sistema lógico de pressupostos. Ocorre que nem sempre o futuro é tão acolhedor às ideias e pressupostos antecedentes. É admissível que os especialistas se mobilizem para transferir para programas de educação simulações do que ocorre -HOJE- no mercado de trabalho com o objetivo de buscar aperfeiçoamentos nos sistemas de ensino atuais. Isso é bacana e demonstra uma preocupação meritória em como conduzir milhões de jovens num mundo devastado por guerras, corrupções desmesuradas e todo tipo de ação que reverte contra a vida igualitária e justa, mas também, "com as habilidades cruciais, não exclusivamente técnicas, mas, sim, sociais e emocionais como a resiliência, a curiosidade, a colaboração,o pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas, por exemplo."Eventos dessa ordem soam como positivos. Contudo, ao firmarem um propósito de ‘reparação’ num mundo corroído pela violência, a estupidez e a destruição em busca do ‘progresso” econômico, as colunas do edifico futurista parece não ter fundações solidas.Sequer tocam o chão.
A resiliência projetada a partir das otimizações de um advir consonante com as observações do passado/presente, diferentemente da ocorrência na física onde objetiva definir a resistência entre os materiais, pode ser um método eficaz e bom. Mas, nada garante que também possa ser tão ruim, dócil e submisso quanto o método anterior . A superação de desafios, o pensamento crítico e colaborativo que hoje tornam o mundo menos ignorante, surgiram de experiências educacionais que previam resultados pautados em projeções antecedentes focadas em objetivos muito diferentes e conflitantes com a realidade dos nossos dias.
Só de provocação: a resiliência aplicada a um personagem como o Putin, por exemplo, pode ser apenas a volta da Rússia ao estado natural de União Soviética. A resiliência aplicada a Dilma pode ser nada mais que a volta ao ‘estado natural’ de colônia. A resiliência do Sarney, um retorno ao estado natural das cavernas e assim por diante,quer dizer,pé a pé para trás.
*Uma proposta corporalística/mental para um cientista resiliente é clonar um gene
naentherdal e inocula-lo numa Barbie humana.Criar o ultra beau sauvage

sexta-feira, maio 02, 2014

‘Como conquistar uma nova geração de patronos para os museus’ é o titulo de um artigo recente no NYT que expõem os aspectos decisivos da passagem do cetro dos velhos magnatas provedores dos museus para a mais nova geração de endinheirados.No ambiente perfumado do mais sofisticado aroma e cheio de glamour e elegância das grandes marcas onde transitam coisas belas para os olhos e deliciosas ao paladar, as fissuras do sistema que as sustenta é invisível. Mas,é ele que agora está em jogo.
A crise é grave!
E não é apenas de natureza econômica,é, sobretudo,cultural.Quando as duas vertentes centrais da sociedade-economia e cultura- sentem-se ameaçadas no seu ajustamento estético é por que as coisas estão em processo de mudança e poucos se apercebem disso.A crise das instituições culturais não se restringe apenas a manutenção dos museus.Ela afeta o modelo de amostragem de arte tipo bienais, exposições temáticas hiperbólicas,entediantemente desproporcionais em confronto com a cultura que se expande nas ruas,guetos e canais das grandes cidades e nas avenidas virtuais.
Um choque ‘fin de siècle’,diria um ‘sans culottes’ ejetado pela máquina de um tempo revolucionário.
Apesar dos rituais milionários dos leilões apontarem que o dinheiro inunda o sistema da arte em lances com valores mirabolantes, a crise do sistema institucional de arte se agrava.Na verdade, se hoje uma grande instituição não é financiada com dinheiro público ela padecera na decadência estrutural e funcional. Mas, ao contrario do que muitos supõem não se trata apenas de um problema econômico. Não se trata de economia demais ou de menos no sistema. O que vemos é o vértice de uma crise cultural de proporções transformadoras.
Não façam ilações precipitadas.
A crise que agora se apresenta não é de natureza artística. Aliás,é bom lembrar que a arte sempre soube e sempre se nutriu,renovou e reinventou-se nas crises da cultura estabelecida. Essa será mais uma ‘virada’ da qual a arte fará bom uso para moldar novos campos de experimentação.
A montagem das fotos que ilustra esse post é uma picardia. A palavra picardia, catada no velho vocabulário, se ajusta ao ambiente aristocrático de outrora que legitimou a arte de uma época. Ao lado, a imagem de um sofisticado ambiente museológico dos dias atuais que, a rigor, pretende legitimar a arte do nosso período. O espelhamento de dois tempos refletidos num só plano escancara as diferenças formais e estilísticas, porem, não de modos e atitudes. É incrível,mas,permanecem os mesmos!Quanto esforço fez a aristocracia para reter entre seus dedos as tramas da cultura. Quanto esforço e capital os novos patronos empoderarão no sistema de museus e grandes mostras para oxigenar um aparelho moribundo?A cultura digital se agigantou de tal forma que não dá mais para evitar uma radical substituição dos valores. A informação maciça e fluente esmaga inexoravelmente os meios de comunicação tradicionais. Todos parecem assustados com o que virá. As tendências, antes ditadas por um núcleo editorial, se esgueira nas redes.Estamos no olho do furacão de uma transformação sem precedentes na historia da cultura.
Não adianta resistir.Alias,para que resistir?
Não basta, portanto, trocar a geração de provedores. O problema das grandes instituições de arte é muito mais profundo. Num certo sentido assemelha-se a perda gradual de poder dos aristocratas cultos do século XVIII, detentores de fortuna, poder e saber.
Brecht já alertava: “Alegrem-se com o Novo, envergonhem-se do Velho!”
Em 06/2010 postei um artigo no Hiperblog que vem de encontro as minhas considerações nesse texto.Quem tiver interesse acessa o link:
http://adrianodeaquino.blogspot.com.br/2010/06/alegrem-se-com-o-novo-envergonhem-se-do.html






Arrastar a Arte para a classe do espetáculo acentuou a vulnerabilidade da cultura as praticas submetidas a centralidade econômica. Muitos pensadores do modernismo criticavam os efeitos devastadores de se submeter o fazer artístico e as instituições culturais as diretrizes do mercado. Poucos críticos daquele período vieram a conhecer o que nos últimos vinte anos se consolidou como marketing cultural. Em contrapartida,os críticos da atualidade perderam a prevalência sobre assuntos artísticos para os curadores. Um conjunto de novos agentes e gestores institucionais festejam os efeitos de um sistema promocional que independentemente dos valores intrínsecos da arte, deposita suas certezas e energias nas técnicas do marketing que fomenta a visibilidade de parte da produção contemporânea.A meta é agregar aos produtos indicadores de preços atraentes,grande visibilidade midiática e enorme frequência de público numa exposição.Essa técnica de comunicação visa formatar na cabeça do público leigo uma miragem.Quem não se dobra a essa doutrina é antiquado,para não dizer burro.A intenção é não deixar margem a duvidas.Ou seja,aqui,nesses espaços, se abriga o reconhecimento artístico de uma época.Porém, todo esse poder e glamour não foi esperto o bastante para aquilatar o que estava acontecendo nos subterrâneos da cultura. O advento e a universalização da cultura digital acelerou um impasse que afetou sobremaneira a mentalidade de uma nova geração de possíveis “clientes” das grandes mostras de arte. Contudo, para alguns, a crença no poder do dinheiro de promover glamour e atrair novos ‘clientes’ para os museus ainda permanece latente. Será que a troca dos velhos magnatas provedores das grandes instituições de arte por jovens endinheirados ira persuadir os usuários do ambiente digital a ceder aos encantos dos espaços institucionais onde se instala a arte tecnicamente ajustada à consagração?

http://www.nytimes.com/2014/03/20/arts/artsspecial/wooing-a-new-generation-of-museum-patrons.html?ref=artsspecial&_r=0