sábado, outubro 18, 2014



Hoje em dia adoramos quando algo dá errado na pintura e, principalmente, quando nós não percebemos quando ela funciona bem. É o que veio a acontecer depois do Impressionismo, mas também podemos nos referir aos métodos aleatórios que ficaram bem conhecidos depois da pintura de Pollock

Pode-se dizer que a indeterminação é uma condição “existencial” do modernismo. Nesse sentido, o que é “impintável” refere-se às experiências que ficam de fora da capacidade de representação. Antagonicamente, podemos dizer que o “impintável” vem do desejo de parecer verdadeiro.

Fiquei pensando nessas coisas enquanto percorria com o olhar os quadros do Adriano de Aquino expostos na Gávea.

A história da pintura é essencialmente a resposta emocional de uma alma sensível à uma parede ou tela em branco. A superfície plana tem sido sempre um estímulo para excitar a imaginação desde a primavera do Homem. Os pintores rupestres podem ter pintado bisões e cervos nas paredes das cavernas para assegurar uma boa caçada, mas é necessário estabelecer outra suposição naqueles desenhos, ou seja, supor que havia um vínculo emocional entre o morador da caverna e o espaço da parede da caverna que ele via. A emoção vivida desta união é de natureza particular, é o espaço sutil e medido de uma parede em branco exigindo ao pintor a sua atenção.

Vou dar um salto enorme no tempo e chegar até o francês Gustave Courbet que afirmou: "... a pintura deve consistir apenas na representação de objetos que o artista pode ver e tocar." O materialismo social que fazia parte do novo Realismo ignorou o experiência abstrata e emocional fundamental para o pintor. As pinturas com qualidade fotográfica de Courbet foram contrastadas pelo trabalho de dois contemporâneos - os pintores Eugene Delacroix e Jean-Baptiste Corot. Ambos expressaram uma nova consciência da cor: Corot - com sua ênfase sobre o efeito da luz sobre os objetos; e Delacroix - com sua ênfase sobre os efeitos das cores sobre as cores. Com as contribuições de Turner, Corot e Delacroix a pintura do século XIX explodiu em várias direções, com a cor se tornando a principal fonte de energia. A superfície plana de uma tela tornou-se um laboratório de experimentação de cores - cujo objetivo era conciliar o que vemos com o que sentimos. Mas, antes que "ver" e "sentir" pudessem ser conciliados, o pintor devia se afastar dos preceitos que definiram a realidade como mera representação do mundo visível.

A obra de Edouard Manet deu o impulso para a revolução estética que viria a seguir; ele achatava suas cores e formas, trazendo o foco para o plano da tela bidimensional. Ao intentar reproduzir o processo psico-fisiológico da visão, os impressionistas adotaram um cânone da física que, em essência, afirma: superfícies pretas não refletem a luz e, portanto, o preto não é uma cor! Assim, os impressionistas, seguindo um preceito da ciência, eliminaram a cor preta de sua paleta. Eles reconheceram a verdade científica de física, mas ignoraram a verdade básica de nossos sentidos - que o preto é uma cor – até muito mais cor do que a maioria dos pigmentos, por causa da sua força emocional!

Quando chegaram na Europa, as cores brilhantes e achatadas das gravuras japonesas criaram uma revolução dentro da revolução! O esforço estético gerou o desenvolvimento de cinco pintores pós-impressionistas. Talvez o mais conhecido - mas não tão compreendido - foi Vincent van Gogh. A turbulência emocional provocada por sua psique supersensível criou um estilo explosivo de pintura, de tal forma que desde Michelangelo nenhum pintor desnudou sua alma para que todos a pudessem contemplar. As formas e cores planas de Paul Gauguin deram um significado cheio de sensualidade e frescor às formas pictóricas. A reconciliação entre "ver" e "sentir" avançou de uma forma inesperada na obra de Georges Seurat. Ele combinou uma abordagem cerebral ao pintar, unindo a estrutura física da cor (semelhante a dos impressionistas), com "leis" de relações harmônicas. Henri de Toulouse-Lautrec se desgarrou dos nobres ambientes de origem, para frequentar a vida noturna parisiense. Suas pinturas e cartazes levaram a nobreza a se misturar com a burguesia – um break-through sem precedentes para a época. Paul Cezanne - o quinto pós-impressionista - descarta as velhas definições de "cor" e "forma", criando assim uma forma-cor multidimensional. Os componentes estruturais e plásticos de suas composições reafirmam o vínculo entre o pintor e uma superfície plana. Cezanne é do mesmo nível histórico de Giotto , quando, depois deles, a pintura partiu em uma nova direção.

Nesse ponto devemos retornar à galeria da Gávea. Uma característica de todas as formas de arte moderna, da pintura à literatura, é a consciência do artista. Em outras palavras, em qualquer trabalho, o artista vai chamar a atenção direta ao fato de que o que as pessoas estão vendo (ou lendo, ouvindo,...) é uma obra de arte. O que estou dizendo pode soar como algo consabido e comum, mas antes do advento da era moderna artística (no Impressionismo), a arte não chamava a atenção para si, mas para celebrar formas figurativas e retratar fielmente as coisas que tinham alguma base na realidade.

Por deliberadamente chamar a atenção para o nivelamento natural da tela, os artistas têm exercido um fenômeno exclusivamente moderno, em que o espectador não se destina a apreciar a representação de alguma coisa, mas o próprio ato de pintar. O que torna este um ato consciente, é que o artista está reconhecendo abertamente as limitações mecânicas de tentar aplicar profundidade visual a uma superfície bidimensional. Essa é uma saga que ainda não se encerrou. –Essa me parece ser a perene e sempre renovada experiência à qual Adriano de Aquino nos conduz.
A denomine de reflexos ou de esfacelamento prismático de uma superfície, criando planos onde aparentemente não há nada, Adriano consegue reafirmar de um modo inédito a bidimensionalidade da superfície. Paradoxalmente, e no mesmo instante, nos submerge literalmente dentro dos planos que parecem brotar de uma forma mutante. Somos obrigados a nos mover continuamente diante da tela, não apenas espectadores, mas dando continuidade ao trabalho do pintor. É uma experiência no tempo! A nossa visão se torna aderente ao objeto visual diante de nós. A forma não precede a visão. A forma é o próprio olhar. Ficamos conscientes disso todo o tempo!
Demais, Adriano!



domingo, outubro 12, 2014





Convite estendido.
Peço aos amigos que levem em conta que o depoimento desse web release é apenas uma fala do artista.
As pinturas expressam por si.Para falar a verdade,elas(as pinturas)acham melhor que o artista fique calado e apenas convide os amigos.
Portanto,estão todos convidados!















segunda-feira, agosto 11, 2014

Dizem por aí!

Não é difícil entender! 
O que é difícil é situar a mentalidade dominante, aparentemente aberta à fruição da arte, no contexto da cultura contemporânea. Alguns simpatizantes das ‘vanguardas’ da atualidade- artistas/espectadores- manifestam aversão espantosa contra quem quer que ouse criticar o que se auto denomina arte no tempo presente. O poeta Ferreira Gullar, por exemplo, já deve ter sido mandado para o fogo do inferno centenas de vezes. Mas, para aporrinhação dos seus oponentes, o poeta não se queima e, para piorar, se nega ao silencio. Ele vai a uma exposição e dela sai sentando o cacete na maioria das obras que viu. Em sucessivos textos o poeta afirma que a maior parte das obras hoje consideradas como arte, não são Arte. Isso não seria nada demais caso os leitores ofendidos não partissem para a contra ofensiva.
Oh!Deus!Para piorar as coisas, eles se aventuram.
Partem açodadamente em defesa do que estimam como um campo aberto a todas as formas de expressão com a fúria dos combatentes de uma guerra santa. O paradoxo da aventura arrebatada em defesa da trincheira- ‘arte é tudo que eu digo que é arte’- é tão evidente quanto um elefante vermelho num cubo branco.
As argumentações restritivas ao livre pensar e à crítica autônoma que advogam chega às raias do ridículo. Os argumentos se restringem a negação explicita ao direito de expressão dos contrários.
Amparados na censura mais imbecil que existe esbravejam orgulhosos de suas vanguardices: “Múmia!Reacionário! Conservador.”
Pronto!Disseram tudo esbravejando suas maldições contra os seus críticos.
Suponhamos que o foco dessa arenga fosse, de fato, a defesa da arte e não a expressão particular de um ou outro artista. Suponhamos, também, que o FG não publicasse seus artigos num jornal. Seriam seus pensamentos tão relevantes para o circuito das artes visuais?
Tenho certeza que não!
Os textos do poeta, hostis a grande parte da produção da atualidade, podem até não induzir a reflexões profundas sobre a arte do momento. Todavia, por serem publicados em veículos da grande imprensa incidem em visibilidade. Visibilidade é uma peça chave no atual sistema de arte e,sobretudo, para o mercado.
Ir a guerra sem ter clareza contra quem se combate é uma idiotice completa. Alistar-se no batalhão dos fieis ao deus da Arte sem carregar uma fileira de explosivos na cintura é coisa para amadores.
Assim,os ‘radicais’ que não tem como alvo os templos da Arte,mas,sim seus críticos e oponentes,continuam contribuindo com seus dízimos para a grandeza e a riqueza do sistema.
E a arte?
Ora,tudo É!
Dizem por aí.

domingo, junho 08, 2014

A pele que nos protege


Arsène Housset(nome de nascimento),Alfred Mousse(pseudônimo),era a dupla de nomes que se agregava a face do escritor francês Arsène Houssaye (18141896).Além da  frenética disposição para escrever sobre os mais variados temas, Houssaye teve muita influencia no meio cultural quando em  1843 dirigiu a revista L’artiste,aberta a jovens escritores como Charles Baudelaire, Theodore Bainville, Henri Murger Monselet entre outros.
Também colaborou com outras duas publicações como  La Revue des Deux Mondes e Revue de Paris.Nos anos finais da decada de 70,durante minha residencia em Paris,me caiu nas mãos um dos seus livros mais famosos“História da quadragésima primeira cadeira da Academia” (1845).Fui atraído pelo tema desse livro que tocava, de maneira curiosa, sobre as “escolhas” da cultura que elegem, sem que saibamos exatamente os motivos,as obras,artistas e autores que se consolidam como modelos  de uma época e  ícones da sociedade.O livro toca de raspão no enigma  da hierarquização dos modelos estéticos pela cultura dominante.Nesse livro Arsène Houssaye criou discursos de ‘aceitação’ imaginários de grandes escritores que nunca pertenceram à Academia Francesa. A ideia de publicar discursos  imaginários  feitos por escritores não reconhecidos pelo mérito acadêmico, me pareceu  uma maneira irônica de decretar uma ruptura com os cânones conservadores que    definiam os parâmetros artísticos da época e um passo arrojado que precedeu as atitudes dos artistas mais radicais da modernidade.      
Mais intrigante ainda foi  a decisão de Houssaye  de jamais tentar  negociar  politicamente - teria dinheiro e prestigio para isso- ou mesmo aplicar-se para Academia Francesa.Vale dizer que para Houssaye a Academia Francesa era o motor da ascensão de figuras de proa da cultura e lugar de consagração dos literatos.São inúmeras as suposições sobre a repulsa de Arsène à instituição.Hoje,esse velho modo de louvor literário foi superado.As academias não mais influenciam a politica cultural,ao contrario são influenciadas pelas circunstancias do poder politico.Nos dias correntes a consagração social de um artista é forjada pelo mercado de arte,a industria editorial,instituições publicas e privadas e pelos veículos de comunicação.As Academias se tornaram emblemas opacos de um passado glorioso da corporação dos escritores e refúgios seguros para a velhice.Mais curioso ainda é que a postura arrojada do Houssaye no tocante a “institucionalização” da arte e  na contramão do sistema, se contrapõem a sua atitude conservadora ao vetar a publicação no La Presse(1862) dos poemas em prosa “Paris Spleen” de Baudelaire  a ele dedicados,sob o argumento de que os poemas, em sua opinião, chocariam os leitores.Ele atrasou a publicação por todos os meios, afetando severamente Charles Baudelaire que sofria da falta cronica de dinheiro.
Pois bem, a obra de Baudelaire segue pulsando na longa travessia do tempo,enquanto Houssaye desfrutava do seu  ostracismo.Quer dizer,até semana passada, quando o New York Times publicou uma matéria em que  Houssaye  reaparece na cena cultural por motivos paralelos a sua obra literária e,de certa forma, inusitado,enquanto objeto cultural.Um romance ou tese a ele atribuído intitulado  “Dos Destinos da Alma”,acervo da Houghton Biblioteca,vem, desde abril deste ano, fascinando os pesquisadores da instituição.Uma nota manuscrita na publicação declara que o livro foi encadernado com a pele tirada das costas de uma mulher. Uma vez que,segundo o manuscrito,"um livro sobre a alma humana merecia ter uma cobertura humana”.Comprovada cientificamente como real, resta saber quem fez a “criação” e a quem pertencia a pele que reveste a publicação. Se Houssaye dormia sossegadamente nas baias do esquecimento, esta semana foi  subitamente despertado do sono e hoje se sujeita a duas especulações.A primeira é se foi o próprio autor quem determinou a edição de um exemplar  tão enigmático onde a  pele que nos protege e nos contata ao mundo foi extraída de uma pessoa e aplicada no exemplar .A outra é se a concepção foi feita pelo doador do livro que 1934  passou a integrar o acervo da biblioteca.  

domingo, maio 04, 2014

Saudoso naentherdal*


Resiliência é um termo usado com frequência por analistas que estudam as tendências sócio/cultural do nosso tempo. Na Física a palavra é relativa a característica mecânica que define a resistência aos choques de materiais No dicionário formal a palavra resiliência significa a capacidade que temos como pessoa ou sociedade de voltar ao estado natural, principalmente após alguma situação crítica e fora do comum.Ora,se há alguma coisa “fora do comum”,uma virada de procedimentos que faz com que tudo no nosso dia a dia pareça ‘antinatural’,quer dizer, fuja ao ciclo previsível dos acontecimentos naturais tipo amanhecer,entardecer e anoitecer, é a dinâmica do tempo estendido motivado pelo fluxo ininterrupto da informação.Ela é responsável pela transformação veloz com que as coisas ocorrem num dia que se amplia para alem das 24horas convencionais.Um veiculo de comunicação,como um jornal, por exemplo, sobre a mesa do café da manhã,no almoço será um calhamaço de papel onde se relembra noticias do passado. Admitamos ou não o nosso tempo ‘natural’ digamos assim, foi estendido potencialmente pela cultura digital. Os fatos e as coisas do mundo nos chegam instantaneamente. Não são mais passiveis de serem editadas a posterior. São apreendidas de imediato. Os meios tradicionais de noticias que não se adéquam ao tempo virtual são expelidos do presente. Esse é um dos dados que as transformações radicais propiciadas pelo acesso on line a informação esparramou por todo o globo.A “volta ao estado natural” remete,queiramos ou não,ao mito do “beau sauvage”. Ainda que os analistas pós modernos tentem desviar desse conceito(Rosseau) em suas considerações,ele permanece ao fundo,como um fantasma a nos lembrar de um passado glorioso no qual o homem era mais humano e feliz.
Oh!Maldita tradição (ou traição)que insiste em moldar a imagem,semelhança e mentalidade os nascituros!
Minha leitura desse domingo desviou da cretinice da vida política nacional para percorrer trechos de um debate sobre as habilidades socioemocionais consideradas importantes para profissionais do futuro. Num seminário intitulado Educar Para as Competências do Século 21 ocorrido em março, no Brasil, e na Conferência de Educação Privada, realizada em abril em San Francisco (EUA) pela International Finance Corporation, ligada ao Banco Mundial,os participantes tatearam questões que afligem as sociedades,os pais e as escolas.
Mais uma vez se comprova o quanto é confortável projetar o futuro dentro de um laboratório ou de um gabinete político. Como parece fácil e sofisticado avaliar as tensões culturais e sociais da atualidade e projeta-las num sistema lógico de pressupostos. Ocorre que nem sempre o futuro é tão acolhedor às ideias e pressupostos antecedentes. É admissível que os especialistas se mobilizem para transferir para programas de educação simulações do que ocorre -HOJE- no mercado de trabalho com o objetivo de buscar aperfeiçoamentos nos sistemas de ensino atuais. Isso é bacana e demonstra uma preocupação meritória em como conduzir milhões de jovens num mundo devastado por guerras, corrupções desmesuradas e todo tipo de ação que reverte contra a vida igualitária e justa, mas também, "com as habilidades cruciais, não exclusivamente técnicas, mas, sim, sociais e emocionais como a resiliência, a curiosidade, a colaboração,o pensamento crítico e capacidade de resolução de problemas, por exemplo."Eventos dessa ordem soam como positivos. Contudo, ao firmarem um propósito de ‘reparação’ num mundo corroído pela violência, a estupidez e a destruição em busca do ‘progresso” econômico, as colunas do edifico futurista parece não ter fundações solidas.Sequer tocam o chão.
A resiliência projetada a partir das otimizações de um advir consonante com as observações do passado/presente, diferentemente da ocorrência na física onde objetiva definir a resistência entre os materiais, pode ser um método eficaz e bom. Mas, nada garante que também possa ser tão ruim, dócil e submisso quanto o método anterior . A superação de desafios, o pensamento crítico e colaborativo que hoje tornam o mundo menos ignorante, surgiram de experiências educacionais que previam resultados pautados em projeções antecedentes focadas em objetivos muito diferentes e conflitantes com a realidade dos nossos dias.
Só de provocação: a resiliência aplicada a um personagem como o Putin, por exemplo, pode ser apenas a volta da Rússia ao estado natural de União Soviética. A resiliência aplicada a Dilma pode ser nada mais que a volta ao ‘estado natural’ de colônia. A resiliência do Sarney, um retorno ao estado natural das cavernas e assim por diante,quer dizer,pé a pé para trás.
*Uma proposta corporalística/mental para um cientista resiliente é clonar um gene
naentherdal e inocula-lo numa Barbie humana.Criar o ultra beau sauvage

sexta-feira, maio 02, 2014

‘Como conquistar uma nova geração de patronos para os museus’ é o titulo de um artigo recente no NYT que expõem os aspectos decisivos da passagem do cetro dos velhos magnatas provedores dos museus para a mais nova geração de endinheirados.No ambiente perfumado do mais sofisticado aroma e cheio de glamour e elegância das grandes marcas onde transitam coisas belas para os olhos e deliciosas ao paladar, as fissuras do sistema que as sustenta é invisível. Mas,é ele que agora está em jogo.
A crise é grave!
E não é apenas de natureza econômica,é, sobretudo,cultural.Quando as duas vertentes centrais da sociedade-economia e cultura- sentem-se ameaçadas no seu ajustamento estético é por que as coisas estão em processo de mudança e poucos se apercebem disso.A crise das instituições culturais não se restringe apenas a manutenção dos museus.Ela afeta o modelo de amostragem de arte tipo bienais, exposições temáticas hiperbólicas,entediantemente desproporcionais em confronto com a cultura que se expande nas ruas,guetos e canais das grandes cidades e nas avenidas virtuais.
Um choque ‘fin de siècle’,diria um ‘sans culottes’ ejetado pela máquina de um tempo revolucionário.
Apesar dos rituais milionários dos leilões apontarem que o dinheiro inunda o sistema da arte em lances com valores mirabolantes, a crise do sistema institucional de arte se agrava.Na verdade, se hoje uma grande instituição não é financiada com dinheiro público ela padecera na decadência estrutural e funcional. Mas, ao contrario do que muitos supõem não se trata apenas de um problema econômico. Não se trata de economia demais ou de menos no sistema. O que vemos é o vértice de uma crise cultural de proporções transformadoras.
Não façam ilações precipitadas.
A crise que agora se apresenta não é de natureza artística. Aliás,é bom lembrar que a arte sempre soube e sempre se nutriu,renovou e reinventou-se nas crises da cultura estabelecida. Essa será mais uma ‘virada’ da qual a arte fará bom uso para moldar novos campos de experimentação.
A montagem das fotos que ilustra esse post é uma picardia. A palavra picardia, catada no velho vocabulário, se ajusta ao ambiente aristocrático de outrora que legitimou a arte de uma época. Ao lado, a imagem de um sofisticado ambiente museológico dos dias atuais que, a rigor, pretende legitimar a arte do nosso período. O espelhamento de dois tempos refletidos num só plano escancara as diferenças formais e estilísticas, porem, não de modos e atitudes. É incrível,mas,permanecem os mesmos!Quanto esforço fez a aristocracia para reter entre seus dedos as tramas da cultura. Quanto esforço e capital os novos patronos empoderarão no sistema de museus e grandes mostras para oxigenar um aparelho moribundo?A cultura digital se agigantou de tal forma que não dá mais para evitar uma radical substituição dos valores. A informação maciça e fluente esmaga inexoravelmente os meios de comunicação tradicionais. Todos parecem assustados com o que virá. As tendências, antes ditadas por um núcleo editorial, se esgueira nas redes.Estamos no olho do furacão de uma transformação sem precedentes na historia da cultura.
Não adianta resistir.Alias,para que resistir?
Não basta, portanto, trocar a geração de provedores. O problema das grandes instituições de arte é muito mais profundo. Num certo sentido assemelha-se a perda gradual de poder dos aristocratas cultos do século XVIII, detentores de fortuna, poder e saber.
Brecht já alertava: “Alegrem-se com o Novo, envergonhem-se do Velho!”
Em 06/2010 postei um artigo no Hiperblog que vem de encontro as minhas considerações nesse texto.Quem tiver interesse acessa o link:
http://adrianodeaquino.blogspot.com.br/2010/06/alegrem-se-com-o-novo-envergonhem-se-do.html






Arrastar a Arte para a classe do espetáculo acentuou a vulnerabilidade da cultura as praticas submetidas a centralidade econômica. Muitos pensadores do modernismo criticavam os efeitos devastadores de se submeter o fazer artístico e as instituições culturais as diretrizes do mercado. Poucos críticos daquele período vieram a conhecer o que nos últimos vinte anos se consolidou como marketing cultural. Em contrapartida,os críticos da atualidade perderam a prevalência sobre assuntos artísticos para os curadores. Um conjunto de novos agentes e gestores institucionais festejam os efeitos de um sistema promocional que independentemente dos valores intrínsecos da arte, deposita suas certezas e energias nas técnicas do marketing que fomenta a visibilidade de parte da produção contemporânea.A meta é agregar aos produtos indicadores de preços atraentes,grande visibilidade midiática e enorme frequência de público numa exposição.Essa técnica de comunicação visa formatar na cabeça do público leigo uma miragem.Quem não se dobra a essa doutrina é antiquado,para não dizer burro.A intenção é não deixar margem a duvidas.Ou seja,aqui,nesses espaços, se abriga o reconhecimento artístico de uma época.Porém, todo esse poder e glamour não foi esperto o bastante para aquilatar o que estava acontecendo nos subterrâneos da cultura. O advento e a universalização da cultura digital acelerou um impasse que afetou sobremaneira a mentalidade de uma nova geração de possíveis “clientes” das grandes mostras de arte. Contudo, para alguns, a crença no poder do dinheiro de promover glamour e atrair novos ‘clientes’ para os museus ainda permanece latente. Será que a troca dos velhos magnatas provedores das grandes instituições de arte por jovens endinheirados ira persuadir os usuários do ambiente digital a ceder aos encantos dos espaços institucionais onde se instala a arte tecnicamente ajustada à consagração?

http://www.nytimes.com/2014/03/20/arts/artsspecial/wooing-a-new-generation-of-museum-patrons.html?ref=artsspecial&_r=0

domingo, janeiro 19, 2014

15” de GRANDE BELEZA




As analogias entre Jep Gambardella (A Grande Beleza/ Paolo Sorrentino) e Marcello Rubini ( Doce Vida/Fellini) são notáveis.Em algumas cenas Jep transita sobre a imagem ausente de Rubini a lhe completar os passos. Os dois heróis modernos do mundanismo convivem com a angustia e o desconforto dos indivíduos que se contorcem e não se ajustam a sensação de que nem mesmo todos os exageros que o dinheiro pode comprar são suficientes para aplacar o vazio de suas vidas.
Os dois personagens sentem-se seres distintos daqueles com os quais convivem.Por isso se colocam na posição de observadores.Consideram-se, cada um a seu modo, destinados à sensibilidade e imaginam que enxergam para além dos personagens com os quais compartilham prazeres e delírios nos luxuosos ambientes das altas rodas movidas pela afetação e suscetível aos ‘ultrajes’ escarnecidos e a elegância de folhetim.
Embalados pela musica ensurdecedora, pelas performances peculiares, pelo sexo e pelas drogas e, claro, pela exposição do dinheiro e pelo sorriso escancarado das celebridades em dialogo com o maçante histrionismo de um artista da vanguarda, empenhado em interpretar sua própria lenda.
Jep Gambardella como Marcello Rubini transitam entre dicas clarividentes,chics e gratuitas dos amantes das artes e da cultura.Os dois sorvem a ironia palatável aos salões,servidas junto com champanhe de safra especial, adornada pelos comentários de um intelectual ‘outsider’ tendo ao fundo um balé de protagonistas que compõem as cenas e adornam o cenário luxuriante do High Society.
Sorrentino trilha o mesmo percurso do seu conterrâneo Fellini. Ele toma emprestado do notável narrador, a crítica acida à sociedade naquilo que me parece o mais crucial: o desprezo sutil e elegante pelos valores mais elevados da vida e uma atração mórbida,revestida de luxo e amenidades,por tudo que se refere a precariedade da existência humana.
O triunfo e a centralidade econômica, que nos últimos trinta anos conduz todo o fazer social, criou uma camada de fuligem e limo que entranhou na mentalidade do nosso tempo.
O modo de ver, entender e viver o mundo foi sugado pelos indicadores econômico/financeiro, pela luxuria cafona e pela visibilidade ostensiva.
É fácil entender porque em nosso tempo tudo tem que ser tão veloz .
Hoje,até o efêmero é cronometrado.
Se durar mais de quinze segundos os protagonistas entram em tédio
Aprecie e descarte!
A dicotomia do nosso tempo se projeta sobre duas profundidades : Vazio e Abismo.
A elegância inerente ao bom convívio social cultua a superficialidade dos debates teatralmente acalorados.
O ponto avançado da trajetória social estabeleceu o individualismo compartilhável como uma nova fase da comunicação entre pessoas.
Paradoxalmente,é nesse cenário que o individuo é destituído de valor.
Nesse ambiente a beleza se tornou um detalhe tão fugaz e passageiro quanto o próprio evento social.
O público 'eleito' interage in loco com as manifestações estéticas. São protagonistas da obra/performance/instalação que se ajusta a frenética rotatividade e interrompe o ciclo atemporal da contemplação.
O mundo pós moderno repudia a contemplação.
Gambardella e Rubini sofrem a angustia do tempo enquanto os aspones da transitoriedade festejam quinze segundos de glória no protagonismo criativo, envoltos pela sensação de imersão completa na experiencia fugaz ofertada pela banalidade contemporânea.
É nesse território conflituoso e angustiante que o filme de Paolo Sorrentino se desenrola.
O desafio é grande mas o diretor se mostra um realizador dotado de mestria e potencia criativa ao armar e desarmar as armadilhas onipresentes na vida,na sociedade, arte e cultura da atualidade.