terça-feira, janeiro 11, 2011

Zangões em Fúria



Sabe aquela revolução sonhada? Aquele desejo íntimo de virar o mundo de pernas pro ar? Aquela fúria contida de gritar pra toda gente sua visão de mundo como uma nova percepção, fundada numa metódica instalação do caos, que você tão bem sabe organizar. E aquela "idéia genial" que você teve na adolescência? Vai abandoná-la? Não faça isso! Reelabore a inspiração que tanto te mobilizou. Reveja os inúmeros recortes de antropologia cultural que te entusiasmaram na universidade e que resultou em muitos estudos para obras que um dia sonhou realizar.
O que você está esperando?
A hora é essa! Libere-se!Vai fundo!
As instituições públicas e privadas de arte e cultura evoluíram muito. Hoje, tudo é aceito e nada mais obstrui as ações estéticas de ponta. Nunca na historia da cultura, tirante, é claro, períodos totalitários, a arte, as instituições oficiais, a economia e o mercado resultaram em almagama tão consistente. Portanto, meu caro, não se faça de vitima da prosperidade. Ninguém escutará suas lamúrias! Mexa-se, corra atrás, procure amanhã mesmo um bom produtor, um divulgador, um agente de marketing. Sistematize seu projeto, se associe a um curador, invista nos contatos com os negociantes de arte, faça tudo que for possível, não importa o que, mas, faça alguma coisa.
Lembre-se: aprimore sua atuação na política acadêmica, produza teses, some títulos vetustos, inclua na apresentação de sua obra, citações fundamentais da arte. Cite, cite muitos nomes da vanguarda histórica, da escola de Frankfurt, de filósofos incompreendidos, mas, muito estimados, dos mitos e signos da rebeldia estética do modernismo, do pós modernismo e tudo mais que te pareça revolucionário, inquieto e transformador. 
Se toque, tudo está ao alcance da mão. Ou melhor, ao alcance da oficialidade cultural, da consciência mediana e, claro, da economia.
A escalada das vanguardas contemporâneas ao topo do sistema de arte é um fato incontestável. Se inteire e participe desse avanço!
A predominância de grupos de artistas contemporâneos nas agendas curatoriais e institucionais é um marco da enternecedora conivência entre arte e sociedade. Essa maravilhosa circunstância decretou o fim dos confrontos entre liberdade criativa e preceitos coercivos de intermediação social. Não cace pêlo em ovo! Nem se abata com críticas rigorosas e bem fundamentadas contra sua obra, as despreze, pois, são apenas reações rancorosas dos conservadores.
Abandone qualquer intenção de buscar significado e beleza, esses quesitos são irrelevantes para um trabalho que objetiva expor com clareza, sem hipocrisia, a carne crua, as fezes e os berros da fauna oprimida e as entranhas da verdade e da vida.  
Aproveite! O caminho está aberto, só te resta explorá-lo.
Observe atentamente os movimentos sociais de ponta, fundados nas premissas do multiculturalismo, da diversidade, da pluralidade, da multiplicidade, da heterogeneidade e variedade, na comunhão dos contrários, na intersecção de diferenças ou ainda, na tolerância mútua. Se as premissas supracitadas não podem ser aferidas na sua totalidade porque, de fato, não se concretizam horizontalmente no ambiente social como um todo, na arte, de um tempo para cá, se tornaram ocorrências sistemáticas.
Acorde, olhe em torno, veja o que seus colegas estão produzindo, siga o fluxo, elabore uma tática, copie e cole os fundamentos teóricos das lutas sociais de ponta e introjete, no fundo da sua alma, as teorias estéticas em voga. Salpique, aqui e ali, retalhos de antropologia cultural e fragmentos autobiográficos. Trace com precisão sua estratégia, arme sua rede de relacionamentos, porém, nunca se esqueça de demonstrar uma atitude contestadora. Sempre que tiver oportunidade critique com dureza todo sistema social, de dicas sobre os temas na pauta da grande imprensa, não faça silêncio, manifeste sempre uma opinião quando solicitado, seja sobre os avanços da física quântica ou educação fundamental. Aproveite qualquer oportunidade para afirmar, peremptoriamente, que sem educação o povo não terá acesso a uma cultura artística transformadora, aliás, a cultura alguma, nem mesmo a que ele próprio produz,vibra e se encanta.
A fúria, meu caro, desconhece limites!  

domingo, janeiro 02, 2011

So far so close (um roteiro)

                      
As recorrentes proclamas da derrocada da America tem algo de  fábula medieval. Os novos tempos estão a me sugerir que por trás das lamúrias da corte, se articula um esquema terrível, uma estratégia que deixaria Maquiavél embasbacado.
Os repetitivos anúncios do tombo da nação mais rica do planeta, em alguns aspectos, sugerem um conto do vigário em escala planetária.
Essa fábula medieval espoca a partir de um flash. Num dia tempestuoso e lúgubre, envolto por um céu típico de El Greco, surge - plano médio -  numa corrida desabalada – plano fechado- as costas e cabelos desgrenhados do  grão Vizir.A câmara o acompanha,ele  atravessa a toda velocidade os labirínticos corredores do palácio anunciado aos berros: A peste! A peste! A peste chegou.
Nesse ínterim takes aleatórios mesclam- numa edição alucinada - trilha sonora do U2(esses menestréis são os mais cotados para as narrativas tenebrosas). Corte/Seqüência- spots da aldeia global. Cidadãos embasbacados, paralisados diante de gigantescos monitores Leds de ultima geração. Os aldeões exclamam em coro:- Oh!
Corte / seqüência- O Mouro, absorto em seus pensamentos- monologo em off: - Maldito Regan ( info na fita –Regan foi um manda chuva! Ex esposa do duque de Cornualha, depois de trocar de sexo,  tornou-se o amante da primeira Ministra do reino da Grã Bretanha) O que me fizeste? Seu trapaceiro!Enfiou-me goela adentro todas as "cerimônias adulatórias"!
Corte /Editores em êxtase fundem imagens da Virgem Maria com as de investidores se atirando do alto das torres de aço e vidro, em pleno vôo, rumo ao solo, takes do WTC em chamas em fusão com uma tremenda correria na Praça de São Pedro.
Close no Mouro
-O maldito Regan com sua alquimia globalizante me engoliu por completo. Meu reino entrou em colapso. O monstro tomou conta das minhas entranhas e está me devorando.
Plano seqüência intimista. Trilha sonora inspirada no desencanto.   
 Close em Cordélia.
_Ora, querido, veja as coisas pelo lado da razão!
_Razão?Cordélia!Onde está a razão?
_ Onde sempre esteve! Ao lado dos poderosos. Nosso reino deu novo sentido à prosperidade social.Enquanto investíamos pesado na mudança de paradigmas, processávamos simultaneamente uma nova era de incertezas.                
Os povos que libertamos se tornaram, dia a dia, menos pobres. Alguns estão prestes a se rebelar. O que antes anunciávamos como progresso mundial hoje se tornou um problema. Mais que nunca precisamos ser firmes. Ha mais de três décadas que não investimos um tostão em crendices industriais. Desejamos que o mundo volte a ser um paraíso de campos verdejantes.  Hoje,nossos investimentos se concentram em tecnologia de ponta,investigação espacial e conhecimento científico mais avançado. 
Sabemos que o importante é o que virá não o que  está ocorrendo. O Vale do Silício, a NASA e os grandes centros científicos estão aqui, em nosso reino. A administração do tesouro real é ocupação para economistas e contadores, funcionários do sistema. Eles entendem de ordenação e regras, contudo, quem da as ordens são os  banqueiros mais poderosos do mundo. Eles é que mandam de fato no Federal Reserve System e,são eles, que representam a razão pura!
São eles os nossos verdadeiros aliados para a disseminação da sensação de insegurança global de que tanto precisamos. Só nós podemos produzi-la em escala monumental. Nada mais útil para os avanços dos nossos projetos que a quebradeira mundial. Quem,além de nós,  poderia induzi-la? Os europeus?Os africanos?Os latinos?Os asiáticos? Os pobres e desesperados povos do oriente médio?Ora, ora! Esses povos são tementes a deus e,sabemos, fiéis pagadores de promessas. Querido e estimado Mouro, seja paciente tudo está ocorrendo conforme previsto. Nada mais comovente para os desprotegidos que um pedido de ajuda vinda de um rico. O clamor dos pobres, via de regra, é desprezado e  jamais atendido. Nossas contas estão paulatinamente sendo resgatadas, em parte, com o sofrimento do nosso próprio povo que, aliás, me parece uma conseqüência justa. Além disso, algumas aldeias globais estão com os cofres abarrotados com nossas divisas. Pergunto, então: existe sabedoria maior que a razão?Fade black-