segunda-feira, março 15, 2010

Capacitação Humana

Esse recente texto de Vargas Llosa, publicado na imprensa brasileira, me entristeceu.
A manifestação publica desse grande escritor agravou meu sentimento de vergonha quanto ao silencio dos intelectuais e artistas brasileiros na violência que vem sendo praticada pelo regime cubano contra seu povo. Vargas Llosa é um escritor consagrado e suficientemente rico para se dedicar apenas a aprimorar sua arte e usufruir os prazeres da vida. Porém, não é isso que esse homem faz. Ele se indigna! Não permanece apenas “literariamente” indignado, ele se mobiliza, participa de seminários a favor da liberdade de expressão e se manifesta publicamente contra a opressão, a tortura e a morte impetrada pelos regimes ditatoriais, onde quer que se encontrem.
Convivi com alguns intelectuais brasileiros de esquerda que se indignavam e manifestavam a favor da redemocratização, escreviam e subscreviam abaixo assinados mobilizando a sociedade civil. Hoje, onde foi parar o protagonismo público dos artistas e intelectuais?
No meu entender, os intelectuais de esquerda, simpatizantes do regime cubano, seriam as pessoas mais indicadas para abrirem um dialogo publico produtivo, que buscasse resultados objetivos e avanços concretos a favor de uma flexibilização do regime castrista. Salvo honrosas exceções, nada nesse sentido é ao menos cogitado. A maioria parece acreditar que o socialismo cubano é uma experiência política frágil que deve ser mantida a custo de muitas prisões e de milhares de mortes. Contudo, o regime castrista já dura mais de 50 anos. É, talvez, o regime político mais longevo e estável da América Latina. Será que esses intelectuais e artistas simpatizantes não percebem que o apoio fraterno indiscriminado vem funcionando como uma “carta branca” para o regime infligir o medo, o silencio, a dor, a prisão e a morte aos cidadãos que pensem diferente do governo?
As miseráveis crianças abandonadas nas ruas das grandes capitais brasileiras não recebem nem uma vírgula de apoio às suas causas. Contudo, quando qualquer individuo manifesta repudio ao que vem ocorrendo em Cuba, os simpatizantes do regime se perfilam na tropa dos apedrejadores dos “burgueses”, “imperialistas”, “colonialistas”, “capitalistas sanguinários”, “máfia de Miami”, e toda a lenga lenga constante do manual doutrinário, para justificar os horrores do regime.

Com a palavra:

MARIO VARGAS LLOSA
A decepcionante visita de Lula
O ESTADO DE SÃO PAULO – domingo- 07/03/2010

Minha capacidade de indignação política atenua-se um pouco nos meses do ano que passo na Europa. Suponho que a razão disso seja o fato de que, lá, vivo em países democráticos nos quais, independentemente dos problemas de que padecem, há uma ampla margem de liberdade para a crítica, e a imprensa, os partidos, as instituições e os indivíduos costumam protestar de maneira íntegra e com estardalhaço quando ocorrem episódios ultrajantes e desprezíveis, principalmente no campo político.
Entretanto, na América Latina, onde costumo passar de três a quatro meses ao ano, esta capacidade de indignação volta sempre, com a fúria da minha juventude, e me faz viver sempre temeroso, alerta, desassossegado, esperando (e perguntando-me de onde virá desta vez) o fato execrável que,provavelmente, passará despercebido para a maioria, ou merecerá o beneplácito ou a indiferença geral.Na semana passada, experimentei mais uma vez esta sensação de asco e deira, ao ver o risonho presidente Lula do Brasil abraçando carinhosamente Fidel e Raúl Castro, no mesmo momento em que os esbirros da ditadura cubana perseguiam os dissidentes e os sepultavam nos calabouços para impedir que assistissem ao enterro de Orlando Zapata Tamayo, o pedreiro pacifista da oposição, de 42 anos, pertencente ao Grupo dos 75, que os algozes castristas deixaram morrer de inanição - depois de submetê-lo em vida a confinamento, torturas e condená-lo com pretextos a mais de 30 anos de cárcere - depois de 85 dias de greve de fome.
Qualquer pessoa que não tenha perdido a decência e tenha um mínimo de informação sobre o que acontece em Cuba espera do regime castrista que aja como sempre fez. Há uma absoluta coerência entre a condição de ditadura totalitária de Cuba e uma política terrorista de perseguição a toda forma de dissidência e de crítica, a violação sistemática dos mais elementares direitos humanos, de falsos processos para sepultar os opositores em prisões imundas e submetê-los a vexames até enlouquecê-los, matá-los ou impeli-los ao suicídio. Os irmãos Castro exercem há 51 anos esta política, e somente os idiotas poderiam esperar deles um comportamento diferente.
DESCARAMENTO
Mas de Luiz Inácio Lula da Silva, governante eleito em eleições legítimas, presidente constitucional de um país democrático como o Brasil, seria de esperar, pelo menos, uma atitude um pouco mais digna e coerente com a cultura democrática que teoricamente ele representa, e não o descaramento indecente de exibir-se, risonho e cúmplice, com os assassinos virtuais de
um dissidente democrático, legitimando com sua presença e seu proceder a caçada de opositores desencadeada pelo regime no mesmo instante em que ele era fotografado abraçando os algozes de Zapata.
O presidente Lula sabia perfeitamente o que estava fazendo. Antes de viajar para Cuba, 50 dissidentes lhe haviam pedido uma audiência durante sua estadia em Havana para que intercedesse perante as autoridades da ilha pela libertação dos presos políticos martirizados, como Zapata, nos calabouços cubanos. Ele se negou a ambas as coisas. Não os recebeu nem defendeu sua causa em suas duas visitas anteriores à ilha, cujo regime liberticida sempre elogiou sem o menor eufemismo. Além disso, este comportamento do presidente brasileiro caracterizou todo o seu mandato. Há anos que, em sua política exterior, ele desmente de maneira sistemática sua política interna, na qual respeita as regras do estado de direito, e, em matéria econômica, em vez das receitas marxistas que propunha quando era sindicalista e candidato - dirigismo econômico, estatizações, repúdio dos investimentos estrangeiros, etc. -, promove uma economia de mercado e da livre iniciativa como qualquer estadista social-democrata europeu.
Mas, quando se trata do exterior, o presidente Lula se despe de suas vestimentas democráticas e abraça o comandante Chávez, Evo Morales, o comandante Ortega, ou seja, com a escória da América Latina, e não tem o menor escrúpulo em abrir as portas diplomáticas e econômicas do Brasil aos sátrapas teocráticos integristas do Irã.
O que significa esta duplicidade? Que Lula nunca mudou de verdade? Que é um simples mascarado, capaz de todas as piruetas ideológicas, um político medíocre sem espinha dorsal cívica e moral? Segundo alguns, os desígnios geopolíticos para o Brasil do presidente Lula estão acima de questiúnculas como Cuba, ou a Coreia do Norte, uma das ditaduras onde se cometem as piores violações dos direitos humanos e onde há mais presos políticos.
O importante para ele são coisas mais transcendentes como o Porto de Mariel, que o Brasil está financiando com US$ 300 milhões, ou a próxima construção pela Petrobrás de uma fábrica de lubrificantes em Havana. Diante de realizações deste porte, o que poderia importar ao "estadista"
brasileiro que um pedreiro cubano qualquer, e ainda por cima negro e pobre, morresse de fome clamando por ninharias como a liberdade? Na verdade, tudo isto significa, infelizmente, que Lula é um típico mandatário "democrático" latino-americano.
Quase todos eles são do mesmo feitio, e quase todos, uns mais, outros menos, embora - quando não têm mais remédio - praticam a democracia no seio dos seus próprios países, mas, no exterior, não têm nenhuma vergonha, como Lula, em cortejar ditadores e demagogos, porque acham, coitados, que desta maneira os tapinhas amistosos lhes proporcionarão uma credencial de "progressistas" que os livrará de greves, revoluções e de campanhas internacionais acusando-os de violar os direitos humanos. Como lembra o analista peruano Fernando Rospigliosi, em um artigo admirável: "Enquanto Zapata morria lentamente, os presidentes da América Latina - entre eles o algoz cubano - reuniam-se no México para criar uma organização (mais uma!) regional. Nem uma palavra saiu dali para exigir a liberdade ou um melhor tratamento para os mais de 200 presos políticos cubanos." O único que se atreveu a protestar - um justo entre os fariseus -foi o presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera. De modo que a cara de qualquer um destes chefes de Estado poderia substituir a de Luiz Inácio Lula da Silva, abraçando os irmãos Castro, na foto que me revoltou o estômago ao ver os jornais da manhã. Estas caras não representam a liberdade, a limpeza moral, o civismo, a legalidade e a coerência na América Latina. Estes valores estão encarnados em pessoas como Orlando Zapata Tamayo, nas Damas de Branco, Oswaldo Payá, Elizardo Sánchez, a blogueira Yoani Sánchez, e em outros cubanos e cubanas que, sem se deixarem intimidar pelas pressões, as agressões e humilhações cotidianas de que são vítimas, continuam enfrentando a tirania castrista. E se encarnam ainda, em primeiro lugar, nas centenas de prisioneiros políticos e, sobretudo, no jornalista independente Guillermo Fariñas, que, enquanto escrevo este artigo, há oito dias está em greve de fome em Cuba para protestar pela morte de Zapata e exigir a libertação dos presos políticos.
O curioso e terrível paradoxo é que no interior de um dos mais desumanos e cruéis regimes que o continente conheceu se encontrem hoje os mais dignos e respeitáveis políticos da América Latina

terça-feira, março 09, 2010

A Fabula do Lobo e da Ovelha - versão pós -pós moderna


Desde o fim da IIª Grande Guerra, quando a hegemonia cultural se transferiu da Europa para os Estados Unidos, os europeus tentam retomar a liderança perdida.
Sabemos que toda perda impõem conseqüências psicológicas complexas.
Lutas duras e investimentos vultosos não conseguiram dar sustentação a ambição européia de retomar o centro do debate artístico/cultural. As tentativas mais objetivas, realizadas pelas políticas de estado europeias  transitaram, nos últimos 60 anos, entre a implantação de novos equipamentos -Beaubourg, New Tate,novos museus alemães,etc- e o crescente incentivo fiscal para a participação do capital privado nos negócios de arte e cultura.
No âmbito do mercado as ações mais agressivas visando alçar as alturas o preço da arte européia encontrou em Saatchi um agente eficaz. Às vezes imagino que esse brilhante homem de negócios é um agente secreto tipo 007. Ele se destaca de todos os demais. Sua potencia econômica e suas investidas táticas são tão bem feitas que lembram um plano estratégico elaborado pelos serviços de inteligência das agencias do governo britânico. Esse negociante inglês viu com clareza que a New Art inglesa seria  mais eficiente se tomasse de assalto o mercado norte americano, começando o ataque pelo foco central da arte contemporânea- Nova York. Foi o que fez. Aliou-se a Gagossian -outro agente secreto- e, montados em grosso volume de capital, deram inicio a uma nova fase da arte britânica em escala global.
Xinguem à vontade mas, até agora, o plano está dando certo e rendendo milhões. Saatchi inaugurou uma colônia artística britânica overseas muito influente e poderosa a contragosto dos artistas, críticos e marchands norte americanos. Contudo, o esforço europeu de centrar o foco no velho modelo das bienais continua afundando. Argumentos de lá e de cá não configuram nada que valha a pena comemorar. Tentativas de incluir a arte de países considerados periféricos até agora não surtiram resultados que abonem as 154 bienais espalhadas por todo o mundo. Ficam na mera ação de mostrar,mostrar e mostrar,porém, a integração cultural além fronteiras geográficas permanece um entrave real.
Segundo Carolyn Christov, a nova curadora de Kassel, “as bienais possuem uma certa independência territorial e independência enquanto laboratórios de experimentação para novas praticas artísticas e novos modelos de sociedade”. Só por essa afirmação amalucada já da pra sentir a bobagem que vem por aí. Pretender que, nos dias de hoje, um evento de arte seja o laboratório onde se processam as “novas praticas artísticas” e, pasmem, “novos modelos de sociedade” é um delírio juvenil. Nem os hippies de outrora, com a cabeça cheia de maconha, diriam tal sandice.
Pois, é! Será nas mãos e na cabecinha dessa moça que os alemães pretendem dar o novo recado estético ao mundo. Vocês não esperam que eu contra argumente o laboratório de uma doidona. Processar, em circuito fechado, uma nova arte, lembra doutrina de estado fascista. Paro por aqui!Não vale a pena ir adiante, pois, qualquer movimento que exclui o que esta sendo processado aqui fora, no real e no cotidiano, é tema para agentes da KGB que, alias, já encerrou sua missão no fim da guerra fria.
Nesse conjunto de fatores as ações mercantis, desavergonhadas e ultra agressivas de Saatchi soam como algo mais eficiente, compatível com o tempo de predominância econômica sobre todas as coisas e, portanto, passível de ser discutido,contestado e atacado.
Já, os “bonzinhos” gestores das Bienais, protegidos por paradigma falso e mentiroso, de interação radical com a cultura e,supostamente, desvinculados do mercado, praticam o mal maior para as artes de nossos dias.