sábado, junho 27, 2009

Os clinicamente vivos e o morto Michael Jackson

Esse desagravo, com cara de tributo, foi escrito após uma sequencia de artigos sobre a vida e a obra de Michael Jackson. Não sou propriamente um ingênuo que acredita em compensações justas advindas da sociedade ou por parte da midia ou do publico.O que me indignou em alguns informes foi a enorme banalidade e uma especie de dissecação revestida de moralismos e lições de vida sobre um cadáver insepulto.Poucas vezes testemunhei tal cinismo. No estado em que se encontra MJ não tem mais nada a aprender ou se indignar.Identifiquei o tratamento "clinico" e debochado de alguns artigos como um desrespeito a inteligência e a sensibilidade dos leitores.


Menos de três dias da morte de Michael Jackson e parte da mídia, alguns blogs e paginas das redes de relacionamento, se enchem de textos explorando os aspectos pessoais, a personalidade e esquisitices da vida de Michael Jackson. Muitos dos textos em tom “clinico” exaltam os aspectos geniais do compositor, coisa obvia e difícil de contestar, ao mesmo tempo em que se arrogam a analisar o comportamento pessoal do homem recém morto.

Requentando velhos assuntos polêmicos, pra lá de conhecidos sobre Jackson, os “clínicos da vida equilibrada” se dedicam a avaliar o cadáver não sepulto à luz das mesmices de sempre. Nas ultimas vinte quatro horas venho ouvindo e lendo “vozes divinais” surgirem por entre lagrimas, tributos e tristeza e de seus púlpitos de razão esclarecida, discorrem sobre uma espécie de “morte anunciada” de Michael Jackson.

Até as pedras sabiam que Jackson era um ser atormentado e sofrido. O bonito de sua historia é que, acima disso, ele não se embasbacou com o sucesso precoce. Ao contrario, transcendeu com esforço e muita dedicação seu enorme talento natural. Durante sua carreira transformou-se artística e fisicamente. Suas varias metamorfoses físicas, por serem mais objetivas e de comunicação imediata, deram margem as mais severas interpretações. Em nossa sociedade as questões relativas à aparência física e identidade pessoal são bastante confusas. Uma sociedade racista descrimina, ainda mais, um negro que se torna branco. É aceitável que os brancos se tornem o que bem entenderem. Um negro virar branco gera ruídos inconvenientes nas duas etnias. Quando tal desconforto não é imediatamente execrado é cinicamente explicado e mesmo convenientemente tolerado. O que se tenta esconder com essa atitude é que o individuo pouco ou nada importa. Não esqueçamos que essa é a mais poderosa fórmula de dissolver as identidades.

Alguns dizem que depois de Thriller Michael Jackson iniciou uma descida vertiginosa rumo ao desastre e a morte como astro de primeira grandeza. Parecem querer nos lembrar que o MJ era um ser humano cheio de problemas. Talvez pensem que “nosotros” não sabíamos ou seriamos incapazes de imaginar. Já estávamos carecas de ouvir as incontáveis e historias dos moralistas sobre a brancura de Jackson que nasceu negro, acusado de pedofilia, apontado como dependente químico, infantilizado e de sexualidade confusa, derrotado por seu próprio ego e financeiramente falido. O que querem nos dizer reprisando essas informações? Que os homens que sobem demais um dia caem? Que poetas, artistas e seres sensíveis merecem o castigo e a dor por não seguirem os receituários de boa conduta? Existe disponível nessa sociedade hipócrita uma receita de equilíbrio emocional e afetivo que sirva igualmente para todos os indivíduos? Ou um ingrediente cientifico que arranca a dor das experiências pessoais e familiares? Enfim, um astro rico e famoso estaria acima das pressões de um mercado altamente competitivo e de uma sociedade ávida por novos estímulos.

MJ artista é resultado do homem que foi. Múltiplo e poderoso criador.


terça-feira, junho 23, 2009

O tempo passa, o tempo voa.


A CIA e o laboratório iraniano - é o titulo do artigo de Thierry Meyssan divulgado esta semana por vários amigos.Recebi dúzias de emails indicando esse texto para leitura e reflexão. A unica coisa que conclui é que o tempo passa,o tempo voa e a esquerda continua a mesma de sempre.

Ler o texto é possível, refletir sobre ele é inviável. O artigo é escrito seguindo o velho modelo de textos ideológicos simplificados misturado a episodios de conspiração. O autor expõe dois ou três aspectos da política internacional das grandes potencias. Fala das suas perversas estratégias, da ganancia e do controle dos recursos naturais e das riquezas dos países subdesenvolvidos, do conluio das classes dominantes provinciais com o rico empreendedor estrangeiro. Porém,nada fala dos anseios por liberdade manifestado pelo povo iraniano e das possíveis razões internas que incendeiam os tumultos que vem ocorrendo em Teerã.

Isso porque para Meyssan (como para boa parte da esquerda) povo não existe,quando existe não tem vontade própria. Nesse pensamento tudo que o povo produz, pensa ou faz é manipulado,quando não imposto pela força ou interesse vil,como é o caso das manifestações que vem ocorrendo em Teerã.Para ele o “caos é provocado com muita astucia pela CIA, que semeia a confusão inundando os iranianos de mensagens SMS contraditórias”.

Para dar corpo a suas idéias o autor volta a “março de 2000 quando a secretária de Estado Madeleine Albright admitiu que a administração Eisenhower havia organizado uma mudança de regime no Irã, em 1953(...)A Operação Ajax visava derrubar Mossadegh, com a ajuda do xá, e substituí-lo pelo general nazi Fazlollah Zahedi, até então detido pelos britânicos”

Essa lenga-lenga serve para levantar a suspeita de que as atuais manifestações em Teerã seriam inspiradas nas ações que ocorreram naquela ocasião quando a “CIA imaginou um cenário que desse a impressão de um levantamento popular quando se tratava de fato do andamento de uma operação secreta. O auge do espetáculo foi uma manifestação em Teerã com 8000 figurantes pagos pela Agência a fim de fornecer fotos convincentes à imprensa ocidental”. A partir dessa historinha Meyssan penetra nos velhos métodos de ajustar a realidade e as informações aos seus interesses político/ideológicos. Coisa que os stalinistas faziam com muita astucia. Diz ele que o que estamos vendo é “mais uma vez, o Iran se tornar um campo de experimentação de métodos inovadores de subversão. A CIA utiliza agora uma arma nova: o domínio dos telefones móveis. Desde a generalização dos telefones móveis, os serviços secretos anglo-saxões multiplicaram as suas capacidades de intercepção (...). Em primeiro lugar, trata-se de difundir por SMS durante a noite dos tumultos a notícia segundo a qual o Conselho dos Guardiões da Constituição (o equivalente ao Tribunal Constitucional) havia informado Mir-Hossein Mousavi da sua vitória. A partir daí, o anúncio, várias horas mais tarde, dos resultados oficiais — a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad com 65% dos votos expressos — parecia uma fraude gigantesca. Entretanto, três dias antes, Mousavi e os seus amigos consideravam a vitória maciça de Ahmadinejad como certa e esforçavam-se por explicá-la pelos desequilíbrios na campanha eleitoral. Assim, o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani pormenorizava as suas queixas numa carta aberta. Os institutos de sondagem dos EUA no Iran prognosticavam um avanço de 20 pontos percentuais de Ahmadinejad sobre Mousavi. Em momento algum a vitória de Mousavi pareceu possível, mesmo sendo provável que fraudes tenham acentuado a margem entre os dois candidatos. Nos países que ocupam — Iraque, Afeganistão e Paquistão —, os anglo-saxões interceptam a totalidade das conversações telefônicas quer seja emitidas por tele móveis ou por aparelhos com fio. A finalidade não é dispor de transcrições de tal ou tal conversação, mas identificar as "redes sociais". Por outras palavras, os telefones são espiões que permitem saber com quem uma dada pessoa está em relação. Partindo daí, pode-se esperar identificar as redes de resistência. Num segundo tempo, os telefones permitem localizar os alvos identificados — e neutralizá-los".

Mais adiante o autor revela toda montagem da conspiração: “Simultaneamente, num esforço novo, a CIA mobiliza os militantes anti-iranianos nos EUA e no Reino Unido para aumentar a desordem. Um Guia da revolução no Iran foi distribuído. Ele inclui vários conselhos práticos, tais como: acertar as contas Twitter no fuso horário de Teerã; centralizar as mensagens nas contas Twitter@stopahmadi e não atacar os sítios internet oficiais do Estado iraniano. "Deixem isso para o exército dos EUA (sic).Uma vez aplicados, estes conselhos impedem toda autenticação das mensagens Twitter. Já não se pode saber se eles são enviados por testemunhas das manifestações em Teerã ou por agentes da CIA em Langley, não se pode mais distinguir o verdadeiro do falso. O objetivo é criar cada vez mais confusão e levar os iranianos a lutarem entre si."

E continua:"Os estados-maiores, por toda a parte do mundo, seguem com atenção os acontecimentos em Teerã. Cada um deles tenta avaliar a eficácia deste novo método de subversão no laboratório iraniano. É evidente que o processo de desestabilização funcionou. Mas não é seguro que a CIA possa canalizar os manifestantes para que eles façam por si mesmo aquilo que o Pentágono recusou fazer e que eles não têm qualquer vontade de fazer: mudar o regime, acabar com a revolução islâmica."

Resumindo: o pedante texto insiste na velha ideia de que apenas pessoas como Meyssan e outros pressunçosos esquerdistas enxergam através da cortina de fumaça dos tumultos sociais.Os demais,quer dizer,todos que lutam de alguma forma por liberdade e transparência, o povo iraniano que se manifesta pelo respeito ao voto que se traduziria em pequenas reformas, os pensadores do ocidente que apoiam a expansão do conhecimento,dos direitos humanos e da liberdade em escala global são para Meyssan apenas massa de manobra,ingênuos úteis,manipulados com astucia pelos mais destacados ‘gênios da espécie humana’ –os agentes da CIA.

O original encontra-se em http://www.voltairenet.org/article160639.html

segunda-feira, junho 22, 2009

Marcel Duchamp and Maya Deren First Part


Este filme é uma experiência da "vanguarda" histórica.Depois que vanguarda deixou de ser "experiência" e se tornou disciplina escolar e estilo artistico consolidado,virou maneirismo repetitivo e monótono.

domingo, junho 21, 2009

Mousavi x Ahmadinejad e o povo no meio




O que Mousavi e Ahmadinejad têm em comum?
Ambos foram militantes de primeira hora da Revolução Islâmica de 1979 – em que religiosos xiitas, comunistas e liberais derrubaram a monarquia do xá Reza Pahlevi.Os dois têm opiniões semelhantes quanto à importância do projeto nuclear para o país. No que tange à estrutura dos poderes, os dois políticos são coincidentes e não propõe mudanças no sistema de governo vigente – no qual clérigos mulçumanos xiitas fiscalizam os políticos eleitos. Para se ter uma idéia do poder e das incumbências desse conselho religioso basta dizer que é ele que escolhe quem chefiara o Poder Judiciário. O que a academia chama de governo teocrático é o que permanecerá sendo praticado no Iran com um ou outro lider politico no poder.
O que difere Ahmadinejad de Mousavi?Ou,a luta pela transparência eleitoral.
Ahmadinejad enfrenta acusações de corrupção e é contrário a reformas políticas e institucionais internas. No plano externo, especializou-se em atacar os americanos e o estado de Israel. Sobre os judeus, aliás, tornou-se famoso por ofender a história e defender o indefensável: a esdrúxula versão de que o Holocausto – o assassinato de cerca de 6 milhões de judeus pelos nazistas na II Guerra Mundial – não aconteceu. A bravata lhe valeu a condenação por parte de nações de todo o mundo, incluindo líderes islâmicos. Outro desafio ao mundo foi o anúncio da criação de um programa nuclear, o que resultou em sanções econômicas impostas pelo Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Além disso, Ahmadinejad, nega direitos às mulheres. Seus eleitores são, em maioria, pessoas mais velhas, de classe baixa e menor grau de escolaridade.
Mousavi foi primeiro-ministro do Irã entre 1981 e 1989, quando o presidente era o atual líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. É favorável a uma abertura no regime, com mais direitos democráticos às mulheres e diálogo com os Estados Unidos. Seus eleitores são, em maioria, representantes da classe média, vivem nos centros urbanos e tem maior grau de escolaridade.Muitos consideram que as mortes nos recentes confrontos de rua não justificam a reduzida possibilidade de reformas importantes que permitam,por exemplo,maior participação das mulheres na sociedade,a extinção e a punição da brutalidade policial contra as minorias etc. Contudo, maior liberdade opinativa,ainda que não mude as coisas de forma radical, permitira aos poucos que a tolerancia e o convivio de ideias descortine outros caminhos.

quinta-feira, junho 04, 2009

Santa Paciencia


Veneza dá início a Bienal mais "magra"

Esse é o título da matéria publicada hoje na Folha de São Paulo
Faz sentido! No mundo dominado pela cultura dietética e torturado pela estética esquelética, "ficar mais magra" é sinal de conformidade aos padrões da atualidade. É uma mentira, sabemos, mas, tem gente que acredita.
"O título é "Fazer Mundos" no maior número possível de línguas", explica curador da Bienal, que começa hoje para convidados
A Bienal de Veneza, mais tradicional exposição de artes do mundo, chega à sua 53ª edição mais "enxuta”, diz o jornalista. Acho que deve estar vestindo um modelinho adequado aos novos tempos.
Não sei onde nasce a pretensão de achar que num mundo conturbado por enormes transformações que atinge a grande mídia, a economia e afeta a vida de milhões de pessoas uma Bienal "mais magrinha" possa renovar um modelo antiquado de exposição de arte tipo Bienal. Para muitos artistas esse "modelinho" já esta pra la de ultrapassado, não da mais conta da enorme diversidade e mobilidade da produção artística da atualidade.
Adriano de Aquino

Adriano, meu caro,
Hoje a sua indignação permitiu a ironia e verifiquei como você é um bom polemista. É uma espada afiada.
Falam coisas mirabolantes sobre bienais, salões, museus. Tive há uma semana uma conversa com um conselheiro da bienal. Ele ficou pasmo com a minha simplicidade camponesa: eu disse que todos os problemas se devem ao afastamento destas entidades do fenômeno arte. Uma coisa é a responsabilidade financeira, vergonhosamente recusada pelas prefeituras, estados e união. Outra coisa é a essência: estes locais devem expor arte. Idéias sobre comunicação, relação arte e público, a crítica e a educação do burguês, o sofrimento dos filhos paralíticos de motoristas de veículos coletivos, a sobrevivência ou não da mídia impressa, a inclusão da minoria armênia, a gravidez precoce das meninas da periferia urbana, são questões realmente importantes e devem ser discutidas em simpósios, no congresso nacional, ser tese universitária , objeto de comunicação à UNESCO e, quem sabe, devem receber até a opinião dos doutos Sarney e lula. No espaço bienalesco propriamente dito, nos espaços museológicos, nos centros culturais, devemos ter a humildade de acreditar na arte e na sua capacidade de ampliar a nossa consciência e expor a obra dos artistas. Não é necessário fazer exposições gigantescas. Basta escolher alguns artistas, todos referendados pelo passado, pela obra já construída (este critério é uma das bases), e mostrar a sua produção dos últimos anos. Aos muitos jovens, mesmo aos que são apontados com tanta ligeireza como gênios, devemos reservar espaços institucionais, universitários, etc.. O resto é com o mundo.
Um abraço forte deste camponês que vos fala,
Jacob Klintowitz


Caro amigo
Seus comentários são estímulos ao pensamento. Abrem portas no corredor estreito onde o transito das idéias é prejudicado pela aglomeração de poderes, desejos, aspirações e ambições conflitantes. Minha ironia, no “curto e grosso” comentário para a matéria da Folha é filha de impaciência. A impaciência é como uma filha adolescente, rebelde e mal educada. Sou um péssimo educador. Mal consigo conviver com minha própria má criação. Após a leitura de seu comentário, recobrada a serenidade, é bom que ela prevaleça, lembrei que desde o inicio dos diálogos de blog sobre a Bienal de Veneza trilhei uma passagem que me levasse ao interior do sistema de exibição de arte. É bom dizer que os assuntos relativos aos modelos de exibição de arte, as artimanhas do mercado e do mundo da mídia, as transas curatoriais e as politicagens protecionistas de grupos gestores não são assuntos que me encantam. Ao contrario, me entediam. Não existe substancia nutritiva nesse ambiente amorfo. Porém, ainda não atingi a perfeição de poder viver sem desembainhar a espada e colocá-la a serviço de uma boa causa. Amigos dizem que a causa é a própria arte. Contesto veementemente essa idéia, pois a considero a seiva mais nutritiva dos usurpadores. Temo as grandes idéias sobre arte com o mesmo rigor com que me previno contra as grandes idéias sobre a vida. A historia comprova o gigantesco poder das grandes idéias em exterminar as diferenças.
Portanto, retornando ao inicio do dialogo, tentarei justificar porque tomei um trecho do livro de Alloway sobre a Bienal de Veneza escrito há algum tempo atrás. Nesse livro o autor coloca a “diversidade extrema” que hoje admitimos como território consensual da arte contemporânea, no centro da discussão. Falar isso hoje soa como lugar comum, contudo, até a Bienal de 1968 não era. Alloway diz que “a diversidade extrema da Bienal, sobretudo, as mudanças estéticas dos trabalhos exibidos colocaram em questão o conceito do trabalho de arte como símbolo permanente”. Nesse contexto, não só os artistas, mas, os críticos e gestores institucionais - não existiam os curadores na concepção que hoje conhecemos - foram artífices de um novo modelo de exibição de arte que revolucionou as formas de mostragem e estabeleceu novos paradigmas para a arte e para própria instituição Bienal. Esse conjunto de fatores não surgiu por acaso foi fruto de muito esforço, trabalho e inteligência de todos componentes em jogo. A permanência desse modelo por longo período acabou por estagnar o sistema dando inicio a decadência e a agonia de um modelo outrora bem sucedido. Muitos pensam que isso ocorre por força das características estéticas das obras contemporâneas. Ledo engano, a crise das instituições de arte é fruto do descompasso entre produção, critica e a concepção dos modelos expositivos. Confundi-la com uma crise ou “vazio” da arte é um grande engano.
Em resumo: a usura, a ambição, a vaidade excessiva, os artifícios do mercado, o capitalismo “selvagem” etc. são, sem duvida, fatores de considerável importância, porém, não são o foco das questões artísticas fundamentais pelo fato de não o serem para a própria existência humana. São fatores importantes, falam muito do tipo de sociedade que vivemos, mas, não servem como matéria de reflexão sobre nossa própria existência como individuo. Quando vamos a uma exposição de arte a ultima coisa que perguntamos é como esses fatores incidem em nossa percepção da arte. Nós apenas percebemos, avaliamos e interagimos. A vida, por mais tecnologia que se coloque no nosso dia a dia, é coberta por um manto de mistério, por que a arte seria diferente dela?
Adriano
Meu caro Adriano,
Magnífica a tua resposta. Não respondi imediatamente porque faria uma conferência no dia 6 e precisava pensar sobre ela. O que foi ótimo, pois me possibilitou reler o que escrevestes. Tenho para mim que você deveria transformar num artigo e enviar para as pessoas. Já está quase pronto.
O reconhecimento da diversidade é uma conquista européia sobre o euro-centrismo. Não é de hoje, pois a alteridade que permitiu o reconhecimento de civilizações antigas ou coevas, mas diferentes, como detentoras de um corpo de saber válido, data do início do século XX. É um avanço permanente. E sabemos, nós dois, a imensa influência que a arte africana, australiana e pré-colombiana teve na formação do modernismo europeu. Você coloca a questão muito bem.
Entretanto, Adriano, eu me pergunto sobre a arte como eternidade/universalidade na medida em que ela formaliza essências modelares. A teoria dos arquétipos é fundada nesta questão. E é um produto do século XX oriundo do plano das idéias perfeitas, de Platão. Os modelos perfeitos é a concepção do universo divino, parece-me. A concepção de um universo espiritual, certamente confere um papel importante para a arte. Sei bem que não é o seu caso, mas a idéia da diversidade e de sua validade, de sua equivalência, levou, na vida universitária americana, ao absurdo de equivaler um poeta qualquer africano à Shakespeare... Desde muito cedo estive habituado à idéia da diversidade. Primeiro, porque eu sou diverso... depois, pela fascinação que as antigamente chamadas artes primitivas – hoje, artes primeiras - exerciam sobre mim. Nunca vi a diferença essencial entre uma certa escultura pré-colombina de uma mulher parindo (está num museu especializado em Washington) e o melhor do Picasso. Eu simplesmente alargava a minha concepção do que era arte, sem perder a fascinação ou deixar de considerá-la uma manifestação do mais elevado do ser humano. Nunca senti qualquer frisson pela concepção da arte como manifestação da super-estrutura ou derivada de determinadas condições sócio-econômicas.
Eu também acho que a arte não está em crise e não é a crise. A crise está no que acreditamos ser a arte e as formas expositivas.
Fico com receio destas comunicações rápidas. Há tanto a dizer, tantos meios-tons, tantas sombras, e eu digo estas coisas apressadas. Conto com a sua benevolência
Jacob Klintowitz
Caro Jacob
Inevitável não ir adiante depois de ler seu comentário. Concordo que esse espaço "virtual" inibe as nuances mais sutis do pensamento. Todavia, a crueza dos fatos e a dimensão das calamidades que deságuam no campo da arte todos os dias nos pedem abordagens criticas urgentes sobre as ocorrências da arte na atualidade. Concordo totalmente com sua colocação: "a idéia da diversidade e de sua validade, de sua equivalência, levou, na vida universitária americana, ao absurdo de equivaler um poeta qualquer africano a Shakespeare". Cristalino!Acertou na mosca! Em uma palestra realizada em dezembro de 2007, publicada na integra no HiperBlog, identifiquei o mesmo artifício "acadêmico",tão bem descrito por você, como um dos vetores da crise do pensamento critico na atualidade.A idéia é que:"A subsistência de um pensamento desconstrucionista que, tendo solapado de dentro para fora a tradição racionalista da filosofia ocidental e deixado a modernidade sem uma base filosófica profunda para suas crenças e instituições,vem impedindo que apareçam novas respostas ao relativismo contemporâneo".Compartilho dessa sintese de Fukuyama sobre a crise da atualidade.Ao testemunhar a profussão de produções estéticas concebidas como um simulacro de "tese acadêmica" esse entendimento se fortalece.Tal artificio confirma que as propostas estéticas supostamente "revolucionarias" são, de fato, calcadas num sistema hierarquico "academico" bastante convencional.
Uma grave contradição despiu grande parte das iniciativas artisticas contemporaneas de qualquer intenção critica, revelando o quanto a produção vem gradativamente se submetendo a modelos suscetiveis de serem manipuladas por interesses difusos.
Num trecho do livro O Dilema Americano Francis Fukuyama ataca frontalmente o problema,por isso relaciono a analise do pensador americano a crise do momento.É muito claro que a paralisia em relação a crise que vivemos ocorre,em parte,pela continuidade de um modelo dominante. Fukuyama enfatiza um trecho do livro de Allan Bloom intitulado The Closing of the American Mind que toca no centro desse problema. Nas palavras dele, Allan Bloom "relaciona de forma brilhante o Rectoratsrede de Heidegger com a crise contemporânea da universidade americana, bem como com sexo, drogas, musica e outras tendências da cultura popular". Este livro toca no nervo exposto da crise ao identificar um problema real (assim como voce o identificou). O problema reside na longa regência do relativismo cultural. Essa permanência tornou possível a difusão e a expansão da crença de que a "razão é incapaz de se erguer acima dos horizontes herdados pelas pessoas".O que,convenhamos,revela o poder de um determinismo sufocante,submetendo todos a ideia de que a realidade é imutavel.Tal fenômeno acabou por se tornar um dogma da contemporaneidade. “Na “verdade, essa ideia ganhou tal repercussão que passou a fazer parte da vida intelectual contemporânea.” Foi legitimada, em um nível elevado por pensadores sérios como Nietzsche e Heidegger, transmitida por modismos intelectuais como o pós – modernismo e o desconstrucionismo e traduzida na pratica pela antropologia cultural e por outras partes da academia contemporânea”. Alguns artistas da atualidade adotaram a ideia como modelo se sujeitando a produzir coisas a partir dessa dissimulada doutrina.Os modelos expositivos tipo Bienal e outras megas mostras de arte foram levados nessa onda e acabaram por se colocar na posição de presa fácil dos aventureiros gestados nos bancos das academias.As boas praticas da critica de arte foram,gradativamente,sendo excluídas dos centros de discussão sobre a produção contemporânea.Tal feito acabou por detonar a parceria mais produtiva que os artistas tinham com as idéias e a reflexão critica mais férteis fundamentadas na experiencia impar da criação e do fazer artístico.
Abraço
Adriano