terça-feira, janeiro 29, 2008

Desvio para o Eterno


Filósofos, sacerdotes e sábios, além de farta documentação apócrifa abrem o conhecimento sobre as múltiplas formas com que as culturas mais antigas enfrentaram a questão da morte. Hanna Arendt em seu livro A Crise da Cultura diz que cultura grega da antiguidade dispunha fundamentalmente de dois modos de encará-la, senão para vencê-la, pelo menos para vislumbrar os temores que suscitava. Segundo ela, o primeiro modo fundava-se na própria natureza, quer dizer, na procriação como forma de inscrição no eterno ciclo da natureza. Nesse modo o problema era enfrentado, potencialmente, no plano da espécie. Porém, um grande problema permanecia: a perenidade, na acepção individual, malograva, impedindo o homem se diferenciar das mesmas condições impostas às demais espécies animais. O segundo modo, mais complexo, consistia em realizar feitos heróicos e gloriosos que pudessem sobrepor à efemeridade do tempo. A repetição indefinida dos fenômenos naturais - dia que segue a noite que segue o dia, as estações do ano e tudo mais - garantem que o mundo natural como o conhecemos é o lugar dos acontecimentos imortais. Contudo, diz Arendt, todas as coisas que devem sua existência ao homem, como as obras, as ações, e as palavras são perecíveis, contaminadas, por assim dizer, pela mortalidade de seus autores. É precisamente esse império do efêmero que a glória devia permitir, pelo menos em parte, que se combatesse. Para Arendt, a tese tácita da historiografia antiga, quando, ao relatar fatos “heróicos”, tentava arrancá-los da esfera do perecível para igualá-los à esfera da natureza. (...) Se os mortais conseguissem dotar suas obras, suas ações e suas palavras de alguma permanência e retirar delas seu caráter perecível, então talvez essas coisas, pelo menos até certo ponto, penetrassem o mundo daquilo que sempre dura, e nele se fixassem e os próprios mortais talvez encontrassem seu lugar no cosmo, onde tudo é imortal, exceto os homens. É nesse lugar, digamos, que surge então a filosofia como uma terceira forma de responder aos desafios da imortalidade. (extrato manipulado de O que é uma vida bem sucedida? - Luc Ferry)






Adriano de Aquino

janeiro de 2008

As recorrentes alusões à efemeridade como condição inerente à vida e a arte tornaram-se uma espécie de proto filosofia dos artistas contemporâneos. Esta é uma breve reflexão sobre os conceitos encravados na mentalidade mais influente em nossos dias que pode nos ajudar a entender o modo como nosso tempo lida com o imaginário da imortalidade.Para um jovem que nos anos 60 dava os primeiros passos no mundo da arte um expressivo conjunto de valores da modernidade permeava a mentalidade da época colocando em questão a idéia ocidental de Absoluto e focando o caráter efêmero da vida e da arte. Em parte, as sucessivas marteladas de Nietzsche, que ainda ecoam como uma forma de desencantamento do mundo, a argúcia arrasadora de Freud contra as ilusões metafísico-religiosas e os fundamentos sócio-econômicos de Marx, tinham dissolvido no ar o que ainda restava de oculto nas crenças e nos negócios do mundo moderno. As colunas centrais da religião, das instituições acadêmicas e as velhas hierarquias econômico/social, alvos de contestações de toda ordem, balançavam. As ruas tornaram-se palco da insatisfação. Movimentos de jovens de todas as modalidades artísticas transbordaram das salas de concerto, museus, galerias, bibliotecas e espraiavam pelos campos e avenidas.Um enorme processo de desconstrução, que teve inicio na alta modernidade, encontrou nos jovens do século XX, sobretudo nos da geração dos anos 60/70, a voz e a potência para o confronto com toda autoridade constituída: Estado, família, arte, instituições, gênero,sexualidade, política, propriedade, ideologia, mercado, tradições, mente, corpo etc. No meu entender essa foi a derradeira agitação estético/cultural que, mobilizando e transformando inúmeros modos de expressão artística, curiosamente, não era em si, um movimento específico das artes. Não podemos esquecer que os grandes concertos de música, as polêmicas exposições de arte, a literatura, as leituras de poesia, etc. que empolgavam uma multidão de jovens ocidentais, não eram, ainda, fenômenos atrelados à indústria cultural ou submetidos a interesses econômicos mais objetivos. Essa geração se propunha reconstruir senão o mundo, pelo menos uma vida melhor, sobre as ruínas do passado.
Quando as utopias amainaram vimos que a paisagem havia se alterado substancialmente. As ideologias políticas perderam muito do seu poder sedutor, regimes autoritários entraram em colapso, e arcaicas estruturas institucionais desmoronaram por completo. Uma nova cultura econômica, aparentemente mais flexível, que acenava com a perspectiva de prosperidade para os povos surgiu no horizonte. Pouco importa o nome que se dê ao conjunto de forças políticas e econômicas que se empenharam nessa nova via. O fato é que a abundância de recursos trazidos por essas mudanças expandiu o mercado em todas as direções. Simultaneamente, uma embrionária rede tecnológica se expandiu e de forma magnífica transformou de um extremo a outro o panorama cultural. A dinâmica dos recursos oferecidos pela tecnologia da informação produziu um forte impacto em todo sistema produtivo. Na arte esse impacto é enorme. As modalidades de produção, as reações e a mentalidade que hoje se fixa no ambiente cultural dá margem a inúmeras considerações. A que aqui farei é apenas mais uma.
Parte da produção artística da atualidade, voltada para a produção de ícones, gestos, instalações, gadgets etc. e fundadas sobre a égide da efemeridade da vida e da arte é um bom ponto de partida. Os produtos artísticos mais em voga no momento se apropriam de itens inseridos no repertorio dos eventos banais e cotidianos. Parecem ao primeiro olhar, manifestações integradas ao complexo sistema de comunicação hoje disponível e um desdobramento conseqüente do impacto produzido pelos novos meios tecnológicos. Porém, se olharmos com mais atenção poderemos vislumbrar certo desconforto. Uma reação curiosa tenta ilustrar as virtudes de um novo mundo que conecta indivíduos de todo o planeta. O modelo de arte mundialista que nos últimos trinta anos enche as grandes mostras de arte internacionais parece afirmar que o desejo de ruptura das fronteiras geográficas, tão desejada pelos modernistas, tornou-se realidade. Enfim, artistas de diversas regiões do globo, oriundos de culturas há pouco tratadas como periféricas pelos grandes centros, se integraram ao Pantheon artístico universal. Para o otimista isso é uma constatação cabal de que as instituições se reinventaram e o ajustamento de suas políticas distribui saber e harmonia entre as diversas culturas do planeta. Tenho muitas duvidas sobre a positividade desse processo, porém, esse tema não é o foco de minhas reflexões nesse texto, ainda que o considere um importante player, no contexto do tema que pretendo abordar: a produção artística contemporânea.
Mais do que se imagina o surgimento das inúmeras ferramentas tecnológicas trouxe um grande problema para a arte. Incapazes de produzir, por meios tradicionais, estímulos aptos a fazer frente às trocas culturais disponibilizadas por novos recursos tecnológicos, uma parte da produção estética aderiu à demanda de uma nova fase promocional e mercantil, outra se fechou num circuito restrito. Contudo, as duas vertentes se submeteram a idéia de que uma aparente democratização das linguagens artísticas- uma espécie de vale tudo- era um recurso admissível. Contudo, essas iniciativas não responderam, muito menos ultrapassaram os expedientes repetitivos de anunciar a morte dos meios tradicionais de expressão: a morte da pintura, da escultura do desenho etc. Afinal, ninguém mais tem duvidas de que nada morre apenas por decreto. Além do mais, ao repetirem essas formulas se colocam diante de uma questão mais grave e urgente, pois, caso a morte das formas tradicionais de expressão artística fosse uma verdade, os modelos estéticos da atualidade teriam fatalmente que enfrentar a mesma sentença: seriam coagidos frente à dinâmica do presente. No entanto, essa duvida não é sequer cogitada. Ao contrário, vemos um modo de produção estética consolidado nos anos oitenta se perpetuar indefinidamente. Isso nos leva a supor que de 30 anos para cá a arte e o meio social atingiram perfeita harmonia. A longa permanência de um padrão estético levanta a suspeita de que a arte supostamente mundialista alcançou seu objetivo: recalcar o aparecimento de sucessivas experiências artísticas. Explico melhor: no sentido inverso dos artistas da vanguarda histórica que contestavam toda forma de conservadorismo, regulamentos oficiais e regimes estéticos um grande numero de artistas contemporâneos parecem satisfeitos com o padrão dominante e a regras institucionais seletivas. Em seu livro Du spirituel dans l’art Kandinsky dizia que o êxito de um grande artista é inevitável ainda que por determinado tempo seu reconhecimento seja apenas um horizonte possível. Para ele é através de um complexo processo de decantação que os procedimentos estéticos inovadores são extraídos de sua marginalidade transitória. As palavras de Kandinsky são úteis para explicar como o desconstrucionismo feroz que inspirava a vanguarda histórica, hoje nos transmite uma poderosa atitude, plena de lógica.
Em minhas considerações sobre a cultura mais difundida nas ultimas três décadas não excluo a possibilidade de sujeição da atividade criativa à crescente centralidade da economia na vida contemporânea. Ao contrário de seus precursores, um grande contingente de artistas pós–modernos enxerga na institucionalização precoce um benefício. Suas estratégias se montam a partir desse juízo. Os vários modos artísticos que surgiram no pós Segunda Grande Guerra herdaram e souberam usar a diversidade difundida pelos artistas da vanguarda histórica. Esses movimentos contestavam o sistema oficial de arte e a institucionalização pomposa. Os prodigiosos movimentos estéticos dos anos 50/60 são ricos, não apenas pelas obras que legaram e as questões que suscitaram, mas, também, pela abertura artística e cultural que disseminavam. Arrisco dizer que tal circunstancia permitiu aos artistas desse período inaugurar um fluxo produtivo fundado na autonomia criativa, ratificando, criticamente, alguns valores do modernismo e renovando a relação da arte com o imaginário da imortalidade. Esse último item é importante para entendermos melhor as repetitivas argumentações dos artistas atuais sobre a efemeridade como um enunciado estético que delineia as propostas da arte contemporânea. Ainda que o efêmero, anunciado como fundamento teórico da arte atual, pareça inédito ele não é. De fato, esse enunciado é um simulacro do imaginário da imortalidade diferenciado por sutis artifícios conceituais.
Alguns segmentos das artes plásticas conceberam uma versão própria do relativismo nietzschiano mesclado a teorias dispersas coletadas em vertentes do pensamento desconstrucionista. A ligação com a vida acadêmica levou alguns artistas a adição de aditivos excêntricos para rápida diluição de todo e qualquer critério artístico identificado por eles como reação conservadora. Munidos de fragmentos dispersos e convencidos da luta por uma causa nobre, artistas e teóricos partiram contra os focos de reflexão crítica e aptidão técnica, habilidades que vem sendo gradativamente desprezadas. Instalou-se, então, a crença de que vivemos hoje numa sociedade de homens livres e que todo individuo está apto a produzir o que bem entender sem mais se submeter a nenhum critério externo a si. Tal conceito se tornou um senso comum no campo artístico. Esse tipo de relativismo tornou-se o bálsamo para todos os males preenchendo de estratagemas a vaga idéia de que todo e qualquer procedimento estético tem o mesmo valor simbólico - a única coisa que os diferencia é a fama de quem os faz e o preço. Para consolidar sua permanência no meio cultural os adeptos dessa vertente falam da realidade como um fenômeno imutável e afirmam que a flexibilização dos meios de produção tornou possível a expansão da liberdade. Essas intervenções justificam nossa preocupação, porém, é bom lembrar que a confusão intelectual que se instalou é impotente contra a inevitável renovação crítica.
É até certo ponto compreensível, em uma sociedade altamente competitiva, a coexistência de grupos fechados. O recrudescimento das religiões, o consumismo galopante e outras formas de transferência imposta pelo cotidiano são dados que sempre levamos em conta quando refletirmos sobre a vida atual. A fragilidade das teorias dominantes que visam impor a idéia de que tudo que é avançado em arte é pleno de significado elevado e tem como objetivo a intervenção crítica imune às convenções, esbarra no fato de que o reconhecimento e a confirmação de suas investidas estão em conformidade com os pactos formais de que tudo que é identificado como avançado, inclusive o capitalismo avançado, espelham nossa época, a qual devemos nos curvar e não contestar. A soma desses fatores interage no imaginário do nosso tempo. No fundo, sobrevém a intenção de afirmar alto e bom tom que todos são parte do mesmo negócio. O negocio da arte! Essa é uma das razões que torna cada dia mais evidente que a banalidade de um gesto, objeto estético ou instalação, preconcebida para se destinar aos domínios institucionais, não consegue esconder sua mais contundente aspiração. Quando isso sobrevém a arte já se ausentou. Acreditar que a institucionalização e os altos preços de mercado é reconhecimento inconteste é depositar fé cega em algo indiferente ao interior da vida sensível.
Eis o dilema contemporâneo.
Os que conhecem a dificuldade não se iludem. Tentam abrir brechas que os permita viver e criar do modo mais autêntico possível. Deslizando por entre as beiradas dos sistemas, contornando as margens, onde de um lado se instalam os novos deuses erigidos pelo predomínio econômico sobre todas as coisas e, do outro, os homens que, em busca do conhecimento, descartam gradativamente os dogmas e se impulsionam a superar limitações. Foi o imaginário da imortalidade que deu partida a esse gigantesco movimento cultural e é ele - não as idéias de prosperidade, riqueza e fama, esses sim, conceitos efêmeros - que impele essa roda a se mover. Portanto, se formos leal à nossa vontade mais profunda continuamos insistindo, como criaturas efêmeras que somos, na renovação dos horizontes que herdamos e desse modo humano, viver com maior intensidade, alheios às sedutoras ofertas para que nos acomodemos confortavelmente nos domínios da banalidade consumada.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

O Culto ao Banal e ao Cotidiano


Adriano de
Aquino
2008



... o inferno de nossos contemporâneos chama-se mediocridade, o paraíso que buscam, a plenitude. Há aqueles que viveram e aqueles que duraram.Pascal Bruckner


Se colarmos na janela de busca do Google a frase: 'o banal e o cotidiano na arte contemporânea' surgirão centenas de ensaios,textos e aforismos sobre os muitos artistas da atualidade que adotam signos,elementos,coisas e objetos apanhados na rede de produção de gadgets ofertados pelo monumental fluxo de banalidades que se amontoam no mundo.  
A maioria desses textos considera que parte dessa produção é absolutamente inovadora e as obras, eventos e outros meios, sinalizam uma ruptura com a tradição artística e com os códigos e significados herdados do passado. Contudo, seus autores não dispensam o hábito de remeterem suas analises sobre obras contemporâneas usando e abusando das citações de pensadores e artistas consagrados na modernidade e identificados, sobretudo, ao contrário da maior parte das propostas contemporâneas que endossam, pela busca extenuante de uma visão única e muito elaborada das coisas do mundo. Diante desse pormenor a ironia escapole:Oh!Sim,claro!Compreendo o quanto é irresistível para um artista que a apresentação de sua proposta estética se misture aos feitos artísticos de um Cézane,por exemplo. Afinal, o desejo de subir no podium da grande arte é bastante sedutor. Ainda que apenas para travar um embate desproporcional com a historia na tentativa de reverte-la em visibilidade ajustada aos padrões da comunicação da atualidade. 
Todavia, tal aquiescência diz muito mais sobre os hipotéticos feitos que anunciam um suposto desligamento dos regimes estéticos precedentes.Para leitores mais ardilosos essa prática, hoje corrente na maioria dos textos sobre arte, revela somente um artifício que visa destacar uma obra 'especial' dos milhares de produtos estéticos similares
Via de regra, todo esforço teórico não consegue denegar que grande parte dessa produção apenas reafirma a natureza dos fatos e dos objetos como coisas triviais, obviedades ululantes. Muitos textos atuais surgem e se multiplicam porque é capital que alguém se apresente para difundir e justificar um pensamento que opera para banir e manter à margem os modos de fazer artístico que não se alinham na esteira produtiva. Alguns articulistas parecem orgulhosos em explicar porque determinados nomes e um modelo estético que se estende por mais de duas décadas continua na 'vanguarda'. Mesmo um observador mais criterioso que tente penetrar nos meandros do processo criativo e na política dos grupos gestores da atualidade, encontrará dificuldades para chegar aos motivos que afiançam a contínua repetição do mesmo modelo nas grandes mostras públicas, nas instituições e na mídia cultural. O imediatismo, o consumismo, a complacência, o desprezo pela excelência e pela crítica se tornaram os mais importantes quesitos da vida contemporânea.
Eles encontraram seus correspondentes estéticos em muitos artistas da atualidade. 
Uma variante caricata do outsider tornou-se a reencarnação da avant-garde contemporânea. Ela encontrou nos ícones do cotidiano uma espécie de musa inspiradora da revolução estética de nosso tempo. Diga-se de passagem que os contemporâneos, ao corromperem os princípios da vanguarda histórica, constituíram uma corporação outsider, primeira escala de acesso   à  insider   upperclass capitalista das artes.        
Soma-se a isso o fato de no plano objetivo, melhor dizendo, no âmbito dos grupos gestores, a gradual assimilação descontextualizada do pensamento de Marcel Duchamp que, em síntese, cogitava o papel das instituições artísticas na legitimação da arte, foi de tal modo banalizado que qualquer coisa introduzida no circuito artístico torna-se arte. 
Nessa nova Meca só falta a figura do Rei Midas.   
Esse paradoxo se apóia na lógica inquestionável de que o mundo artístico é a esfera mais elevada para legitimação da arte. Para os artistas comprometidos com o fazer artístico acurado esse principio é a expressão de um desejo inconteste por autonomia e liberdade e também uma verdade da arte. Ter um pé atrás com a invasão de produtos diversos e achados estéticos fortuitos que aspiram legitimação artística, é uma atitude política correta tanto para o artista quanto para o publico. Conceder de mão beijada essa preciosa herança do modernismo a qualquer traste estetizado legitimado pelo mercado é o mesmo que verter sangue, suor e lagrimas no esgoto.
No entanto, o que vemos é uma passividade espantosa.
Se antes eram as instituições da arte,a crítica criteriosa e a história que decantavam os elementos transformadores de uma obra de arte ,hoje,basta um rótulo curatorial,uma equipe de marketing e a constante visibilidade na mídia para que um produto estético seja automaticamente legitimado. 
O que se pretende?
Purificar os pecados do mundo cruel,opressor, frustrante e demoníaco através 
da inserção indiscriminada de qualquer expressão como uma  manifestação artística? 
Até as religiões exigem mais dedicação de seus fieis. A arte atravessou séculos, desbravou saberes e fazeres para no século XXI se reduzir a condição de enfermaria onde uns internos "criam" e outros vendem? Essa é uma circunstância passivamente aceita por artistas e publico? 
Acredito que não. 
Para ilustrar minhas cogitações usarei uma paródia com as pesquisas cientificas que vem atuando na concepção da vida através de intervenções genéticas e no adiamento indeterminado da morte com uso de tecnologia de ponta e pela ação das máquinas. Tirante os pressupostos éticos que tolhem a atividade humana pergunto: maior conhecimento garante maior controle contra ações mal intencionadas?
Claro que não! 
Seria ingênuo acreditar que sim. 
Sabemos que o bem não é uma das dobraduras automáticas do saber. Se fosse, aceitaríamos de bom grado, por exemplo, que o cruel sofrimento e os milhares de mortos resultantes das explosões atômicas em Hiroshima e Nagasaki têm relação positiva, previsível e justificável, com os benefícios auferidos aos milhares de doentes amparados e curados pela tecnologia nuclear em uso na medicina atual. 
A realidade como hoje se apresenta também não é garantia de que a genética traga apenas benefícios para o homem. Se em estados democráticos já acarreta suspeição, imaginem em estados totalitários e nas mãos de corporações ultra poderosas. 
Alguém deposita confiança no desenvolvimento de projetos genéticos sem transparência e visibilidade?
O que impediria organizações publicas ou privadas de desenvolverem uma linha de produção de guerreiros invencíveis e inumanos? 
Apenas nossa boa fé na ciência? 
Essas cogitações servem apenas para ilustrar o quanto podem ser ambíguas as melhores intenções quando paralelamente aos avanços científicos ocorrem disputas sangrentas pelo poder econômico e o controle político.    
Da mesma forma as perguntas sobre o caráter das ações dos financistas,dos curadores,da mídia cultural e do marketing também podem ser entendidas como um controle externo sobre a criação artística. 
Por que não?
Conhecemos bem as gracinhas criativas de alguns curadores que usam em seus projetos obras de arte como subprodutos. 
Por isso,repito, essas questões tornaram-se mais sérias agora porque se instalaram no cerne da mentalidade corrente. O clima 'liberou geral' vem permitindo que alguns segmentos ligados à produção artística façam o que bem entendem com a arte. A única coisa que deles se exige é que sejam fashion e divertidos e financeiramente poderosos. 
Essas são algumas preocupações quanto às intenções veladas que hoje atravessam, de um extremo a outro, o ambiente artístico.Sabemos que fazer o mal de maneira explícita é sintoma de acentuado desequilíbrio.
Desconheço os que o façam assumidamente.  
Por isso, talvez, os atos muito humanos, vêm se confundindo com as coisas banais e com os fatos cotidianos mais insignificantes. As questões sobre o bem e o mal na política e nos negócios ou o bom e o ruim em arte ganharam a mesma dimensão que a dúvida quanto a escolha da marca de sabão em pó ou que código de área usar para acessar uma chamada telefônica interurbana. O que vemos é que no campo das ocorrências terrenas as parábolas angelicais que apareciam para modestas camponesas num campo de margaridas são similares as que empolgam a mentalidade contemporânea. Apenas uma diferença se impõe: “o milagre é o dinheiro, o dinheiro é o milagre”. 
A opção por milagres, traduzido na esfera mercantil como boom  é menos trabalhoso. Vai daí que essa opção é hoje a mais acessada, afinal, para uma mente moldada no pragmatismo, o sucesso é o fluxo preferencial por onde transitam a fortuna e o prestigio e seu gargalo escoa, naturalmente, na liberdade plena e maravilhosa onde vivem os reis,as celebridades e os afortunados. 
É esse paraíso que um outsider sonha frequentar. 
Esquema simples e muito eficaz quando se trata de coletar mentes e corações para um negócio que incidirá em projeção social e lucro. 
Atenção!
Não discordo que negócio é para dar lucro. 
Há muito torço para que o sucesso financeiro do mercado de arte escoe também para os bolsos dos artistas. 
Porém, afora raríssimas exceções,não é isso que acontece, não é verdade?
Os que questionam o modelo em voga e as obras dele provenientes, pouco importa como o façam, são prontamente identificados como reacionários. Realmente, temos que ser muito tolerantes para não considerar essa lógica autoritária. Até mesmo a modernidade, vista por muitos como coerciva em alguns aspectos, foi mais generosa e aberta com os confrontos entre estilos artísticos e ingerências externas do que o que presenciamos atualmente. Por questão de princípio, os modernos não construíram muralhas tão sólidas contra intrusos supostamente desprovidos de 'chaves' de entendimento artístico. 
Ao contrario, são conhecidas e muito divulgadas suas contundentes manifestações e mesmo algum deleite nas contendas contra as intromissões daqueles que questionavam suas obras e idéias. Essa foi uma das mais relevantes atitudes dos artistas modernos que contribuíram para a constituição de um acervo artístico de grande valor. Eles souberam, como hoje poucos parecem saber, que o confronto era uma forma de promover a introjeção das suas mentalidades e propostas estéticas no seio de uma sociedade até certo ponto refratária à mudanças. Podemos dizer que tais atitudes elevaram no sentido inverso ao religioso, os egos artísticos e suas vontades, conservando, entretanto, suas performances no plano do sensível e de alguma forma vinculadas à tradição artística criticamente processada. Suas propostas vivenciavam reais avanços sobre as fronteiras da convenção,   ampliando o horizonte da percepção e empolgando o público a participar de algo que era feito, entre outras coisas, para que participassem, contestassem e identificassem para, enfim, amarem com todas as filigranas complexas do amor por algo que de fato partilhavam.
Entretanto,os adeptos do vale tudo parecem alheios a uma realidade dia a dia mais complexa. Suas apologias redundantes nos revelam apenas uma atração pela mesmice e um desprezo estúpido pelo fazer artístico laborioso e dedicado. Suas atitudes deixam transparecer a ingenuidade de suas crenças fundadas numa compreensão equivocada de que a vida demasiado humana se traduz literalmente no banal e no cotidiano, quer dizer, na mediocridade. Suas obras, ações e gestos nada dizem porque nada tem para dizer sobre uma autêntica manifestação artística depois da morte de deus.
Não olho com desprezo nosso tempo.
Ao contrario, creio que vivemos uma época fantástica para o conhecimento e para as artes.
Me oponho a toda argumentação que pretenda limitar a perspectiva humana e a arte a um heroico passado histórico.      
Se não acreditasse já teria abandonado a atividade artística  ou melhor, a arte teria me abandonado,pois, se trataria apenas uma categoria sócio   econômica na qual fracassei.  
Concordo que partilhar obras de arte plenas de sensibilidade e inteligencia é uma experiencia cada dia mais rara,contudo,possível.
Creio que ainda ha muito a acrescentar ao que herdamos.
Para que isso ocorra é necessário esforço e dedicação,não apenas um monte de paradigmas "geniais" fundados no arquétipo do artista negócio uma sacada do Warhol que,de um tempo para cá, o elevou a categoria de "divino". 
A estratégia de Warhol imobilizou a critica contemporânea a tal ponto que tornou-se corrente entre seus admiradores compara-lo a Michelangelo. 
Ainda que alguns artistas que se submetem a esse modelo sejam bem    
sucedidos e cotados nas alturas é uma tolice conferir à banalidade e ao cotidiano virtudes que não possuem.
O real, esse sim, uma fonte renovável de sensibilidade,conhecimento e saber.
Acreditar que teorias espertas, marketing de ponta e lucrativo negócios 
detenham um poder capaz de engrandecer obras de mesquinhas dimensões é a porta do "inferno dos nossos contemporâneos".  

     



domingo, janeiro 06, 2008

Vitimas da Cena Contemporânea




Adriano de Aquino
2008

Toda obra de filosofia deve ser suscetível de vulgarização; do contrario ela provavelmente dissimula absurdos sob uma nevoa de sofisticação aparente. Immanuel Kant


Esse axioma é um desafio para que eu tente colocar minhas ideias de forma compreensível para o leitor interessado no assunto. É, também, um alerta contra aqueles que intencionalmente se favorecem da nevoa que oculta questões e esconde os propósitos que hoje perpassam a difusão de produtos artísticos e culturais e que hoje norteia os meios de comunicação.

Alguns leitores me questionaram sobre o ensaio Anotações sobre o Catecismo Pós Moderno, postado anteriormente aqui no HiperBlog. Uns entenderam que eu tinha sido duro demais com os curadores.Outros,acharam que eu estava “aliviando” os artistas da co-responsabilidade no laisses faire que se espraia no setor das artes.Outros mais disseram que eu estava jogando tempo fora e que deveria dedicar esse tempo ao meu trabalho de arte. Alguns, mais enfáticos, criticaram minha disposição em continuar insistindo em me meter na escalada artificial que se apoderou do mundo artístico.    

Se,por um lado, essas opiniões acham inútil contrapor tal realidade,por outro, revelam o acerto pelo meu gosto em partilhar ideias, contradições e dúvidas para além do meu circulo de amigos - razão de existir desse blog. Esta ferramenta tem me permitido discutir e obter respostas interessantes sobre assuntos que abordam temas importantes da vida atual,coisa que hoje seria dificílimo fazer de maneira presencial. Também temos que levar em conta que a grande imprensa reduziu o lugar outrora dedicado às ideias. As novas diretrizes editoriais não       conseguem responder à necessidade de obtenção de dados e reflexões mais aprofundados sobre um setor especifico. 
Por sorte, a informação descompromissada com as finanças e a competitividade empresarial encontrou nos novos meios tecnológicos um canal de comunicação extraordinário. 
Acho que é um desperdício não utiliza-lo.

Para iniciar minha argumentação tentarei responder a alguns leitores que, por não pertencerem ao meio artístico, pediram que eu apresentasse, mais   detalhadamente, meu entendimento sobre a “crise da arte da atualidade”.   
De inicio,como no texto anterior, reafirmo que não existe uma crise da arte, ou melhor, da criação artística. O que vemos acontecer é um formidável confronto de forças que atingindo todos os setores da vida social também atingiu a arte. É esse fenômeno que vem sendo confundido com o que chamam crise criativa ou a crise dos valores da arte. Que sentimentos esses confrontos de ideias estão produzindo em nós? Por que o desconforto diante de um tempo de abundante conquista tecnológica e acesso a informação, mas, onde o dinheiro se assemelha a deus? 
Por vezes nos perguntamos: para que serve tudo isso se ao mesmo tempo e na mesma velocidade a vida perde sentido e valor? 
Mesmo os indivíduos de mais posses, sensíveis,cultos e sofisticados, com acesso ilimitado aos bens culturais e de consumo, reclamam da perda de sentido na existência e apontam os mais recentes meios de produção, as pressões da nova economia, as incessantes mudanças de hábitos, a mercantilização da religiosidade e o descaso com a ética como um fator importante em suas indagações existenciais. 
Tentarei comentar alguns aspectos dessa crise, notadamente no campo da arte. Não estou certo de que responderei também àqueles que me questionaram sobre uma excessiva dureza com que tratei os curadores. 
Pode ser que sim,talvez tenham razão quanto o grau de responsabilidade pelo estado de coisas que imputei aos curadores. Explico: na minha interpretação a figura do curador tem um importante papel na crise anunciada. Em síntese: são suas escolhas que fomentam a impressão de uma crise artística. Devo esclarecer, todavia, que considero as recentes atividades - curadorias, marketing e mídia cultural e outros segmentos de intermediação entre arte e público, atividades complementares uteis para difusão dos bens artísticos. Exatamente por isso suas condutas merecem uma atenção redobrada. Lamento que o crescente prestígio dos curadores venha ocorrendo simultaneamente à perda gradual da reflexão crítica. Para ver com clareza a questão é necessário subir uma ponte ligando a perda da acuidade crítica ao fortalecimento das curadorias de forma a vislumbrar de um ponto neutro o que gerou tal inversão. No meu entender o relativismo cultural que hoje permeia as ações estéticas difunde uma aparente liberalização dos meios de produção e, por conseguinte, do próprio fazer artístico. Sob o titulo de pós-modernidade, ou qualquer outro que queiram adotar,o que parece claro é que uma variante de intermediações entre arte e público, ao invés de elucidar a complexidade das propostas estéticas, as reduziu a uma nota de pé de página desprovida de substancia que demanda a reflexão. As coisas surgem prontinhas e ajeitadas as intenções curatoriais. A recente projeção dos curadores concede-lhes um notável status profissional junto às instituições e aos artistas. Essa característica peculiar vem lhes permitindo preceder e em alguns casos sobrepor à própria criação artística. Talvez por isso muitas pessoas imaginem que a arte encontra-se a reboque de fatores alheios à criatividade e essa é uma das razões da crise. 
Discordo, e tentarei explicar por que. 
Para isso é importante embrenharmos em questões às vezes chatas, porém, necessárias. Coincidência ou não,o fato é que nos últimos trinta anos uma rede de curadores estendeu sua atuação e se consolidou na forma que hoje presenciamos . Suas parcerias estratégicas, locais e globais, ganham dia a dia maior importância nos centros acadêmicos, fundações, coleções, museus etc. Esse conjunto de fatores somado à flexibilidade de princípios, lhes confere grande mobilidade no sistema por onde o dinheiro escoa. Respaldados por esse conjunto de forças as propostas curatoriais se confundem com a própria criação artística e, em casos extremos, as superam. Exemplos da argúcia curatorial podem ser observados nas ultimas Bienais de São Paulo. Creio que as considerações sobre um exemplo concreto facilitam digressões mais produtivas. Dirigindo o primeiro foco sobre a concepção - melhor dizendo, o tema eleito pelos curadores para uma bienal e direcionando o segundo foco para rede de eventos que os ligam à política cultural estatal e ao sistema de arte e do mercado mundial, pela via das estratégias dos empreendimentos globalizados, indagamos: como um curador escolhe seu tema e define a proposta de trabalho?

Deixando de lado as criticas categóricas que afirmam que isso ocorre por força dos interesses pessoais dos curadores, suas ligações políticas, afetivas ou financeiras com grupos que os apoiam e vice-versa,essa premissa faz com que muitos artistas desprezem o problema, pois, se meter neles é uma tarefa árdua. Porém, ele existe. 
Que fatores determinam as “temáticas” da Bienal?
E as estratégias curatoriais,surgem de que forma? 
São reflexos do desejo dos patrocinadores e do marketing, tendo em vista a mídia cultural e atrativos sedutores? 
Não podemos desprezar o fato de que a opção por um tema pode ser entendida como um recurso para atender a agenda sócio-educativa exigida pelo governo que subvenciona o evento. As megas exposições, para se adequarem aos paradigmas globais, precisam ter um caráter espetacular ligado aos assuntos palpitantes do momento. Por exemplo: terrorismo, violência urbana e multiculturalismo, editado em seus opostos: tolerância e convívio, aliás, tema da edição passada da Bienal de São Paulo: “Como viver juntos”. Esse modelo se encaixa no que antes chamei de alavanca, agora, com ponto de tensão nas sub teses de antropologia cultural. 
Contudo, nenhuma dessas opções reflete de fato as questões internas à produção artística contemporânea. São artifícios em voga no circuito da comunicação,mas,não necessariamente,da arte. 
Melhor dizendo: o curador elege seu tema a partir das ideias que tem sobre parte da produção artística. Até aí nada de novo chama nossa atenção. Entretanto, à medida que seu tema se determina como programa de trabalho surge uma definição hierárquica dos protagonistas em jogo. Nesse momento surge o paradoxo: o tema ajustará as obras da mostra à visão do curador, forjando parte da produção na origem, quer dizer, no ato de criação? Ou, o curador, supostamente sensível ás várias vertentes da arte contemporânea, adequará, não importa o que, ao seu tema?

Outro exemplo, coletado agora no site da Bienal de São Paulo revela esse paradoxo de modo concreto. Ivo Mesquita, curador da próxima edição, reeditou o titulo de uma bienal de décadas atrás "Em Vivo Contato”. Nas palavras de Mesquita: "O Vazio- A exposição do espaço vazio do segundo andar do pavilhão será um gesto radical de afirmação deste momento para elaborar e analisar sobre o modelo das bienais, seu papel no mundo contemporâneo. Esse gesto simbólico toma o vazio como o lugar onde as coisas são em potência, por isso pleno e ativo, ao contrário de uma manifestação niilista, onde as coisas deixam de ser e perdem o sentido. Ele é fonte geradora, o território do devir, com possibilidades de múltiplos caminhos para ser cruzado."

Emblematicamente radical, pois,radical de fato é coisa difícil de ocorrer nos nossos dias,o que essa proposta pretende induzir?
De imediato o que se destaca é sua incapacidade de entender, desvendar e apresentar, o mais amplamente possível, os múltiplos aspectos da produção contemporânea que, em essência,é a grande questão artística de nosso tempo. Tempo que, não obstante, muitos adoram chamar de Babel. No meu entender essa ideia revela apenas uma forma nostálgica de processar de modo superficial os vários meandros do pensamento e da estética contemporâneas.

O que podemos entender como o vazio na proposta de Ivo? É um estado com o qual ele identifica a produção atual? Ou, o vazio para Mesquita se refere às próprias instituições culturais?

Não fica claro,ou melhor,não é para ser claro.

Isso para não focar a ilação ultrapassada entre o mito da tela branca "como o lugar onde as coisas são em potência." 

Será que Mesquita pretende exacerbar com essa proposta o poder de escolha do curador, excluindo em bloco a produção contemporânea sobre o pretexto de em seu lugar "materializar o gesto de reflexão." Com essa premissa  Mesquita torna um problema complexo em si, em barreira impenetrável a reflexão. A seqüência de perguntas que surge desses postulados mostram apenas a inutilidade de tentar entender o resto da sua proposta.

Além disso, a interpretação curatorial sobre "um vazio expectante, o território do devir", não esclarece coisa alguma, por isso, o entendo como um sintoma do choque entre vertentes do pensamento "desconstrucionista" em oposição a critica de alguns pensadores contemporâneos sobre o desdobramento e a prolongada permanência de um modelo estético(instalações/táticas de inserção,etc.)que se eternizou nas grandes mostras de arte. Isso sim um agravante na paralisia do sistema de arte. 
Nesse contexto acredito que uma mostra pública de arte que deixasse transparecer os confrontos no campo estético seria de grande valia. Isso não acontecendo os artistas e o público perdem uma oportunidade de dialogo e tornam-se vitimas de uma decisão institucional mal pensada. Nesse episódio o que salta aos olhos é que o curador é só mais uma vitima da cena contemporânea, Suas propostas deixam isso muito claro. Vejam:
Ao propor um ciclo de conferências organizado a partir de quatro grandes entradas, das quais cito apenas duas, Mesquita nos apresenta uma intenção em busca de consenso. Nas suas palavras:
1. A Bienal de São Paulo e o meio artístico brasileiro.
2. Agentes oficiais e privados da globalização reunindo agências governamentais, ONGs, fundações públicas e privadas, todas organizações fundamentais nas estratégias das bienais.
No item 1 seria mais produtivo que ele invertesse a proposta : o meio artístico e a Bienal de São Paulo. Não especificado dessa forma,vislumbra-se de imediato a indisposição de muitos  artistas em colocar seus pontos de vista.              
O que fica evidente nesses itens é a similaridade de estilo e conteúdo dessas propostas com as apresentações dos programas sócio-educativos da UNESCO e de algumas ONGs espalhadas pelo planeta.        
A comparação das propostas com a concepção dos parques temáticos que atraem multidões é inevitável. Sabemos que os parques temáticos pertencem a um novo ramo do entretenimento globalizado que promove tanto uma aventura lado a lado com a vida selvagem, quanto proporcionam a alegria de usufruir, num breve passeio, um compacto da história de Veneza, por exemplo, dispensando o esforço exigido pelas visitas aos museus e consulta aos livros. Além do mais os parques temáticos funcionam as mil maravilhas através dos (...) "Agentes oficiais e privados da globalização reunindo agências governamentais, ONGs, fundações públicas e privadas, todas as organizações fundamentais nas [suas] estratégias [corporativas]". O que depreendemos disso é que o curador clama a parceria dos artistas para melhorar o negocio e assim submeter os atores aos métodos do espetáculo.
Além disso,a Bienal ampliou seus problemas deixando claro para todos de que é incapaz de se renovar como instituição cultural voltada para a produção contemporânea e de se redimensionar como empreendimento artístico auto financiável.
Não podemos esquecer que a ideia de amarrar o evento a um tema há muito se esgotou. Contudo, permanece a inexplicável pretensão de dar ordem ao caos (Babel?) que sabemos é um fenômeno inerente à produção artística da atualidade, visível na diversidade de meios e estilos. 
As propostas dos últimos curadores da bienal me lembram os costumes dos antigos doutos que acreditavam que o Sol girava em torno da Terra. Essas atitudes refletem um desejo latente de alterar a relação de forças através de artifícios que permeiam a mentalidade vigente em diversos setores. Mesmo sabedor do enorme poder da cultura, ninguém mais se ilude do quanto é difícil mudar a natureza das coisas. Nesses jogos sofisticados às vezes o feitiço vira contra o feiticeiro e forças monumentais se liberam moldando uma crise espetacular. 
Isso vem ocorrendo no sistema de arte, sobretudo, nas grandes instituições como a Bienal de São Paulo pelo fato de negarem refletir as férteis questões que impulsionam a produção artística contemporânea. Por outro lado, a parte atenta e dedicada da produção, aquela que permanece do lado de fora do caldeirão mágico, ou seja, os artistas que não creem em ilusões oriundas de modelos arcaicos revestidos de ideologias mercantis,não engrossam o adesismo as ideias de ocasião. Clamam por uma reforma estrutural da Bienal.         
Por isso, muitos artistas continuam trabalhando para oferecer o que, aliás, a arte sempre ofereceu: obras de alta qualidade e se lixam para os artifícios do sistema. 
Sabemos, que o meio cultural, respeitoso das diferenças, fecha os olhos à mediocridade. Tem algo mais elevado com que se preocupar.Todavia, quando a arte se contamina demais com o lugar comum e as obras daí proveniente ganham uma dimensão desproporcional nos meios acadêmicos, institucionais, difusão e mercado, como agora vêm ocorrendo, a crise se agiganta. Quando isso acontece os descontentes com as manipulações de toda natureza, tanto do lado da produção quanto do público, confrontam as veleidades mesquinhas em seus curtos reinados de soberba. Por vezes, isso parece demorar demais e tememos que não ocorra em uma vida apenas. Então, intimados a conviver com a "crise do novo de novo", ou seja, viver um presente infindável, nossas mentes mortais se põe a imaginar o quão é enfadonho a ausencia de ideias que há tempos engessou as instituições de arte.