terça-feira, março 27, 2007

Valores da Arte ou Valores do Dinheiro?

Donald Kuspit

Não existem mais movimentos de arte. Existem movimentos de mercado.
Walter Robinson


Em Elegy, Rainer Maria Rilke nos fala das “barracas de uma feira” que satisfazem ao mais curioso gosto. O poeta enfatiza que no turbilhão da compra e da venda,no transito dos mais variados desejos, um gosto se destaca dos demais : o gosto por produzir dinheiro!
Divertida anatomia! Órgãos do dinheiro à vista!
Nada escondido! Instrutivo, uma garantia para aumentar a fertilidade!
O poder gerador e a permanência do dinheiro - o poder do dinheiro em produzir mais dinheiro - não para fertilizar os mais elevados valores humanos, mas para confirmar para todos os homens que o dinheiro “tem valor em si”.O pragmatismo floresce num ambiente em que o $ é valioso não pelo que pode comprar, produzir,conquistar. Mas, pelo que pode corromper mascarar e induzir. A mentalidade de nossa época é modelada pelo poder do $. Essa é a partenogênese da visão do dinheiro como um valor em si, um valor “destilado pela pureza”, que o eleva a quinta essência nas sociedades contemporâneas do ocidente. Leia-se: que enchem de glória o capitalismo financeiro.
Há muitos anos Meyer Schapiro afirmou que havia uma diferença radical entre o valor espiritual da arte e seu valor comercial. Advertiu sobre o efeito niilista de desmoronar essa diferença. Eu admito que hoje na mente pública, e, talvez no inconsciente de muitos artistas, não há nenhuma diferença. O valor comercial da arte usurpou seu valor espiritual, e, certamente, parece determiná-lo. Os valores estéticos, cognitivos, emocionais e morais da arte - suas variedades dialéticas de saber crítico - foram submetidos pelo valor do dinheiro.
A arte nunca prescindiu do dinheiro, sabemos, agora, tornou-se dependente dele. O hiper-investimento de dinheiro na arte é, implicitamente, uma tentativa de oprimi-la, de forçá-la a render seus valores mais elevados, induzindo todos ao entendimento de que o dinheiro é superior à arte, ao conhecimento e ao próprio homem.

A voluntariedade da arte e mesmo a ânsia em ser absorvida pelo dinheiro ...sugere que a arte, como qualquer outra empresa cultural ou tecnológica (em muitos casos a cultura tornou-se uma extensão e mesmo uma modalidade da  tecnologia) é uma maneira de fazer e adorar o dinheiro, e, um modo de afirmar o capitalismo. Certamente, essa atitude sinaliza o triunfo do capitalismo sobre o socialismo, isto é, a perseguição desimpedida do dinheiro e do lucro no custo do bem humano comum que pôde ser conseguido pela re-distribuição da riqueza capitalista.
O capitalismo move-se bem onde o comunismo falhou, entretanto, ambos desconsideram os seres humanos de maneiras diferentes... a abertura de espaços não oficiais de arte em países ex-comunistas nos confirma isso. Hoje, [olhando para trás] suas ações nos parecem ter sido úteis, uma espécie de cabeça de praia [termo militar], que garantiu os avanços do capitalismo nos paises outrora dirigidos por sistema socialista, à maneira dos padres que acompanharam os conquistadores durante a disseminação do Cristianismo.
(...) Tomando a lista de registros de novos negócios da Artnet de 2006 constatamos que a tecnologia da pintura permanece a maneira mais bem sucedida de se fazer dinheiro...
(...) Atualmente, a critica ou a teoria da arte não mais a legitima... a arte legitima-se através do dinheiro.


(...) Inevitável é recordar a idéia de Andy Warhol sobre a arte do negócio e o negocio de arte, isto é, seu reconhecimento de que a arte se transformou num negócio... fazer dinheiro no negócio é uma arte, o que implica dizer que fazer dinheiro e fazer arte envolvem hoje a mesma motivação. Uma nova hierarquia de valor foi estabelecida: o dinheiro veio a ter um valor mais elevado do que a arte.
O dinheiro já não fomenta a arte, a arte serve e obedece aos ditames do dinheiro. Quando o dinheiro rega suas bênçãos na arte ele transforma Júpiter em Danae e a arte se espalha a seus pés em sinal de gratidão. Em 1947 Rothko disse que “o artista despreza talão de cheques”. Isso quando a arte nos parecia “eterna” e “transcendental”, para usar suas palavras.
[Todavia]... o dinheiro tornou-se eterno e transcendental, o artista que não via valor num talão de cheques é visto hoje como um tolo autodestrutivo.
Desde que Rothko escreveu, testemunhamos o coroamento lento mas constante do dinheiro na arte. A escalada de preços confirma que a capitalização da arte está completa. O dinheiro conquistou completamente a arte transformando-a numa espécie de dinheiro.
Os coletores e os negociantes olham, como os conquistadores, o mercado encurralado em uma arte particular e sobre ela se concentram para extrair o último bocado de dinheiro. Garimpam ouro na arte, buscam o cálice sagrado, indiferentes ao sentido que os nativos valorizavam o ouro artístico porque ali viam o esplendor do deus do sol, simbolizado pelo seu poder de gerar a vida. Era uma luz espiritual que confirmava que a arte era sagrada. Esta é uma necessidade da vida e da mente. A arte era o espírito materializado, o material na arte era o meio para alcançar a extremidade espiritual. A arte era sempre interna... Dürer compreendeu isso quando lamentou o derretimento de muitos trabalhos sagrados da arte Pré-Colombiana em busca de seu ouro, processo que testemunhou em sua visita à corte do Imperador dos Países Baixos espanhóis.
(...) A história oficial da arte tende a seguir a ligação dos mercados da arte, consciente ou inconscientemente. O triunfo da arte excedente de dinheiro é o triunfo final do capitalismo que Marx descreveu no Manifesto Comunista.
Quando a idéia de Schumpeter do capitalismo como “a destruição criativa” se anexar de forma apropriada a Marx (perguntaremos)... se o poder destrutivo do capitalismo limita a liberdade criativa ou se é um estimulo adequado à criatividade. O desejo de lucrar economicamente com o fazer da arte a torna espiritualmente rentável?
É a convergência da arte com o dinheiro que a iguala ao dinheiro.
Eu retornarei à pergunta do efeito espiritual geral da apropriação capitalista da arte pelo dinheiro, mas agora eu quero começar por baixo, sobre as aderências de preços da arte em 2006 e de seu efeito na percepção e na avaliação da arte. Eu oferecerei um ponto de vista sobre o valor e o sentido dos trabalhos de arte em extensão aos artistas que os fizeram, frente à quantidade de dinheiro que se pagou por eles. Pagar uma determinada quantidade de dinheiro por um trabalho de arte pode ser comparado a colocar uma aposta em um número na roleta. É de fato um jogo, porque se mais dinheiro se coloca num número de arte mais se garante que ganhará o jogo. O dinheiro grande garante retornos históricos - fortunas históricas anunciam um futuro econômico promissor. É uma maneira de controlar o jogo. É uma maneira de controlar a rotação da roda da fortuna de modo que esteja sempre a favor. Jogadores como o negociante de arte Jeffrey Deitch e os colecionadores Donald e Mera Rubells se instalaram recentemente entre os membros da associação de arte de uma faculdade ao lado de Jerry Saltz e Peter Plagens, dois críticos de arte. Isso confirma o que o dinheiro pode fazer sobre o exame critico da arte. Deitch e o Rubells nunca perdem, os críticos de arte são os perdedores intelectuais (a profissão declinou desde os dias de Greenberg e de Ruskin). É o dinheiro do novo rico que encontra um novo sentido na arte velha e um sentido velho na arte nova, com suas perversas introspecções e profundo desconhecimento crítico.
Que dizer sobre De Kooning, Mulher III /1952-53 vendida pelo magnata David Geffen de Hollywood ao bilionário Steven A. Cohen por $142.500.000? O fato que uma pessoa rica o vendeu a uma outra pessoa rica lhe empresta um rico sentido? Que sentido?
O fato que Geffen também vendeu no. 5 do Pollock/ 1948 por $140.000.000 significa que Pollock é menos artístico e importante do que de Kooning, cuja pintura custou $2.500.000 mais? A importância financeira de De Kooning pode ser confirmada pelo fato de que Geffen vendeu a pintura Gazette de Polícia (1955) por $63.500.000. Geffen está manipulando valores da arte ou está fazendo apenas tanto dinheiro quanto pode? Ou, tornou-se um ponto no inconsciente coletivo onde Geffen e Cohen aparecem como mais importantes do que De Kooning e Pollock simplesmente porque manipulam muito dinheiro, muito mais que qualquer um deles teve? Os jogadores tornaram-se mais importantes do que os artistas, cujos trabalhos jogam porque têm o dinheiro e os artistas não? Nos olhos de nossa sociedade, a quantidade enorme de dinheiro que Geffen e Cohen despendem nas pinturas de De Kooning e Pollock lhes confere um valor sublime e uma importância incondicional que de outra forma não teriam?
O valor intrínseco destas pinturas pode ser compreendido de varias maneiras. O valor extrínseco que adquirem pela razão de seu valor de troca, isto é, dinheiro, só nos revela que pretendem se transformar em seu equivalente... Os argumentos que os questionam caem em orelhas surdas, e, geralmente, a voz argumentadora é silenciada pela marginalização... [Insisto] que o preço pago por um trabalho de arte se transformou em valor absoluto de forma autoritária, mesmo se o valor que o preço implica não esteja particularmente em questão... ele nos é apresentado sem explanação – o preço é a explanação....
Assim, o pensamento artístico da atualidade vem marcando um novo território e tornando
inabitáveis recantos de um passado recente hoje vistos como espaços old-fashioned e ingênuos, assim como tudo mais que pareça estar falando uma “verdade” da arte. Os amantes do conhecimento e da erudição artística que trabalham sobre campos como Leonardo e Michelangelo se tornaram bastiões da verdade artística em território bárbaro.
De acordo com a lista de Artnet, é possível analisar a procura no mercado durante outubro e novembro de 2006. A lista descrimina os preços, os artistas e os trabalhos que venderam o que, presumidamente, acarreta na formação de uma nova hierarquia de valor.

(1) Gustav Klimt, Adele Bloch-Bauer II, $87.936.000;

(2) Paul Gauguin, L' hache do la do à do homme, $40.336.000;
(3) Ernst Ludwig Kirchner, Berliner Strassenszene, $38.096.000;
(4) Willem de Kooning, Untitled XXV, $27.120.000;
(5) Edward Hopper, janela do hotel, $26.896.000;
(6) Egon Schiele, Einzelne Häuser--Mit Bergen de Häuser, $22.416.000;
(7) Clyfford Still, 1947-R-no.1, $21.296.000;
(8) Andy Warhol, Mao, $17.276.000;
(9)Norman Rockwell, Quebrando os Laços do Repouso, $15.416.000;
(10) Francis Bacon, versão No. 2 da figura encontrando-se, $15.416.000.

Há coisas notáveis nesta lista. Ela indica, de maneira diferente, o poder do dinheiro de criar, ou pelo menos impor, o valor da arte. Se entendermos o preço pago por um trabalho de arte como um aspecto estético de sua recepção, capaz de criar um novo horizonte de interesse e novas modalidades perceptivas, podemos dizer que o preço é também uma maneira de criar um novo valor crítico.
A pergunta é: que valor crítico?



A lista da Artnet sugere um conflito entre valor crítico e valor social onde o valor social tende a ser reduzido a valor nacional, compreendido implicitamente como uma linha inferior de valor. Para dizer de outra maneira, o preço é uma guerra política realizada por armas econômicas. Fixar preço pressupõe uma forma de supremacia entre artes nacionais.
[Dessa maneira]... o artista austríaco na posição número 1 da lista, com menor reputação no cenário cultural mundial do que o artista francês na posição 2, é explicável sobretudo porque a arte austríaca moderna no geral era e continua sendo menos considerada do que a arte francesa moderna. Todavia, um recente movimento de mercado concedeu ao artista austríaco uma extraordinária proeminência econômica (se pagou por Klimt mais que duas vezes o que se pagou para o trabalho de Gauguin)..., o introduzindo ao pantheon, lado a lado com a grande arte do seu tempo. Essa reconfiguração de valores críticos ocorreu por causa do dinheiro, e com ele abriu-se um novo campo para a batalha familiar entre valores nacionais austro - germânico e franceses.
(...) Vemos uma mudança na hierarquia de valores estilísticos e canônicos e como Rhadamanthus diz, constatamos que: o mercado faz julgamentos críticos decisivos... baseado na competição sócio econômico entre nações.
A França foi derrotada pela Alemanha... os Estados Unidos entraram na Segunda Grande Guerra e ajudaram a liberação francesa... agora a Alemanha é economicamente mais bem sucedida do que França e um forte aliado dos Estados Unidos. Acredito que esta é uma das razões para que a arte alemã e austríaca venha conseguindo preços mais elevados do que a arte francesa e americana...[que] em razão da guerra do Iraque, da incerteza diplomática, para não falar da arrogante atitude da administração atual.
(...) Os preços da arte [podem] refletir realidades sócio política,... a nacionalidade do artista não é o fator principal no preço, mas, no tocante ao dinheiro, é freqüentemente um fator decisivo... O suposto trans nacionalismo da arte não extingui os estilos nacionais que continuam a existir... [Num certo sentido] o dinheiro segue a avaliação da prosperidade de um país, em que a arte contribui significativamente ao produto nacional bruto, especialmente quando o país é um destino atraente nos guias de turismo cultural e as artes e seus artistas são tratados como tesouros nacionais respaldados por credibilidade “teórica”. Mas no capitalismo o dinheiro é teoria e prática em si. Desse modo ele tornou-se suficientemente poderoso para afirmar e convencer [qualquer coisa].
(...) Curioso é o voto de confiança econômica em Hopper, que parou aparentemente de ser um atrativo para o mercado de arte quando Pollock emergiu. Será que estamos diante de retorno ao realismo social nas artes?
Como Hopper entrou no pantheon de artistas modernos com seu trabalho calcado no realismo social americano? A resposta é clara, Hopper atingiu enorme prestigio artístico com os ganhos econômicos que produziu.
...O escravo e o leão de Xu Beihong que ocupa o 12º lugar na lista, foi vendido por $6.925.450 em Hong Kong. Em que outro lugar do planeta esse artista alcançaria tal preço? O mesmo pode ser dito sobre a pintura Danshui de Chen Chengbo, vendido também em Hong Kong por $4.478.149, o que o colocou na16ª posição na lista. Apenas um lugar antes dele, o número 15, foi para Pastorale do pintor russo K.A. Somov, vendido por $5.184.615 numa “mostra de retratos russos importantes” em Londres.
Spaziale de Concetto de Lucio Fontana foi vendido por $4.030.189, o que o colocou no 19º lugar. Alcançaria esse preço se não fosse uma venda italiana? Na minha opinião sua identidade italiana dá-lhe um valor econômico que não teria se fosse simplesmente apenas mais uma obra de um artista da arte de vanguarda ou experimental de qualquer outra região. É a importância da Itália, que carrega a importância de Fontana, não vice versa... Fontana vem de um país onde a grande arte foi feita, assim, [para o entendimento geral] ele deve ser um artista grande, atraindo por isso atenção econômica séria.
Em Madrid, Casino de Paris do EL do H.A. Camarasa foi negociado por $3.701.266, o pondo num respeitável 22º posto. Se o trabalho fosse vendido fora de Espanha é provável que não teria sido adicionado a lista. Não há como escapar do fato de que o orgulho nacional é responsável pela elevação do preço... $1.600.000 pago em novembro 2006 pela pintura de Norman Rockwell, Lincoln o Railsplitter (1965)... em 17 fevereiro de 2007 esse retrato foi comprado de Ross Perot pelo Institute of American Art, o que nos diz que seu valor tem mais a ver com caráter superamericano do que com suas qualidades artísticas.
...determinados itens da lista revelam uma certa ironia. Por exemplo, a Planície de aço e alumínio de Carl André e o Carrinho do N.C. Wyeth disputaram o 36º posto (listados em $2.032.000 cada, na ordem 36 e 37), sugerindo que o Minimalismo e a ilustração têm o mesmo valor... coisa que soa esquisito.
Similarmente, Henri Eugène, Le Sidaner’s La table aux Lanternes, Anselm Kiefer, Balder’s Triume, e Grandma Moses, Sugaring Off Lanternes, ocuparam a 52ª posição (listados como 52, 53, e 54) por que se obteve $1.360.000 na venda de cada uma dessas obras. Isto revela um interessante aspecto crítico e nos leva a perguntar: por que um trabalho de um Impressionista francês menor, um trabalho de um Neo-Expressionista alemão principal e um trabalho de um artista popular americano famoso, foram vendidos pelo mesmo preço? São iguais em valor artístico?
Moses era uma artista amadora e produzia pinturas bem simples, Kiefer é um artista profissional de carreira, estudou na Academia de Düsseldorf e foi discípulo de Joseph Beuys.
Como esse meio não exige credenciais de instrução artística para confirmar a importância de um grande artista, é possível que qualquer trabalho supostamente artístico feito por uma anciã e oriundo dos ambientes rurais se tornem grandes obras de arte.
(...) Perguntas sobre a criatividade na arte são levantadas quando analisamos a equivalência comercial entre Kiefer e Moses.


Eu posso continuar através da lista da Artnet, que numera 401 artigos, levantando perguntas similares sugeridas por preços comparativos. O último trabalho na lista é Untitled, de Tetsuya Ishida, que foi vendido por $100.257 na feira Contemporary Asian em Hong Kong. É um de 27 artistas asiáticos da lista, sugerindo que a arte asiática adentrou a idade econômica e que a identidade nacional faz uma diferença importante, porque a mensagem é: a Ásia, particularmente a China, é uma força econômica principal no mundo global da arte.
O desenrolar dos preços da arte segue o desenvolvimento das nações mais do que segue o desenvolvimento (autônomo) dos valores da arte... Resumindo, a credibilidade de um artista esta amarrada à credibilidade de seu país.
A credibilidade política e o poder econômico dos Estados Unidos estão em declínio enquanto a credibilidade política e o poder econômico da China crescem... Xangai alcança New York e mesmo Londres e Frankfurt como um novo centro comercial... excluindo-se algumas exceções, a arte produzida nos Estados Unidos está perdendo valor econômico e artístico enquanto a arte produzida na China ganha valor econômico e artístico.
O mercado vai para onde há maior crescimento. O fato que o Quadrado de Tiananmen, de Zhang Xiaogang, ter sido vendido por $2.318.766, o colocando em 33º na lista, e a Menina do Daddy, de Eric Fischl, ter sido vendido por $1.920.000, o colocando em 39º, nos sugere uma mudança de foco econômico.
Parece claro, então, que a nacionalidade do artista influencia o preço de sua arte. O preço é de fato um barômetro do tempo econômico de sua nação, isto é, [reflete] a expansão da riqueza potencial de seu país... Onde o mercado é mais livre os preços da arte se elevam, isso confirma que o mercado de arte é um mercado livre. O caráter libertário do mercado é uma forma de concordância com o caráter não regulado da produção da arte contemporânea.
Presume-se, portanto, que o suporte financeiro para alguns nomes marcará a publicidade de uma arte nova de modo a começar a elevar seus preços no mercado.
A arte tornou-se claramente publicidade, e também um bom negócio. Nicolas Serota, diretor das galerias da Tate, anunciou que “sete das 10 atrações mais sedutoras ao visitante do Reino Unido são os museus publicamente financiados. O impacto econômico total dos museus e das bibliotecas nacionais é de 2 bilhões de libras ano”. E foi além quando disse que “o conselho das artes aumentou em 70% o financiamento para arte desde 1996”, o que em 2002 resultou na exportação “de bens culturais no valor de $8.5 bilhões, mais do que os Estados Unidos e mais do que China” (FT, 2/15/07, P. 7). Claramente a arte oferece um retorno excepcionalmente bom ao investimento. Serota é um bom homem de negócios, sobre esse aspecto não temos nenhuma dúvida.
Enfatizo que quando as comparações entre preços elevam o valor da arte, o mercado silencia e não oferece nenhum conceito significativo ou racional que os justifique. Certamente o que quer que as diferenças nacionais incitem, o mercado tende a neutraliza-las impossibilitando a discussão crítica das diferenças artísticas cruamente, apenas as sinalizando. A razão do dinheiro é suficiente para conceder importância crítica às obras que negociam.
(...) Ou seja, o dinheiro tornou-se a única razão de ser da arte e o sentido ou, finalmente, sua principal causa para existir. Você pode dizer que os valores do dinheiro não têm nada a ver com os valores da arte. Todavia, os preços da arte confirmam que não há nenhuma outra razão tão forte que justifique uma avaliação independente para arte. Toda percepção independente da arte perde potencia frente ao capitalismo que a transformou num formulário de equidade estilizado que antecede a estética e a arte.
Hoje a importância da arte é criar dinheiro. Seria um absurdo dizer que o dinheiro cria a arte, porém, é inegável que ele a mantem sobre seus domínios. O valor da arte é garantido pelo dinheiro, que significa dizer que sem dinheiro a arte não tem nenhum valor, contudo, é o valor do dinheiro que cancela o valor da arte quando ela cede a seus ditames. A arte e a critica foram derrotadas pelo dinheiro, mesmo que o dinheiro conceda a arte um cachê crítico a validando como arte... insidiosamente o dinheiro tornou-se mais existencialmente significativo do que a arte.
(...) Estou certo de que o dinheiro lançou a arte no vácuo ao separa-la da plenitude de seu significado existencial, a fazendo abrir mão de sua finalidade espiritual. Para pôr de outra maneira, os investidores especulativos na arte, isto é, aqueles que a compram como um investimento material e não por suas qualidades espirituais, negam-nas de fato. Quando se mostram indiferentes ao sentido espiritual e existencial são comparáveis aos “locustídeos” de Franz Münterfering, ex-presidente do partido social democrata alemão, quando chamou os investidores de fundos que fazem ofertas hostis para as companhias. O “locustídeo” move-se em um campo para comer, e depois se move sobre o seguinte sem olhar para trás.(FT, 2/15/07, P. 3.).
Concluirei com uma citação de Paul Raffaele quando da visita aos Korowai, uma tribo canibal de Nova Guiné (Smithsonian, 9/06):"Uma vez que o ser humano torna-se uma bruxa (khakhua), se torna comestível, perde a condição de ser humano... Homens brancos (laleo) como Raffaele “são proibidos de entrar em seu rio sagrado e a sua presença irrita os espíritos. Os Korowai são animistas e acreditam que seres poderosos vivem em árvores e em partes específicas dos rios. O chefe da tribo exige que nós devemos dar ao clã um porco para nos absolver do sacrilégio. Um porco custa 350.000 rupiahs, ou aproximadamente $40. É um extrato da idade da pedra. Eu conto o dinheiro e passo-o ao homem, que apenas olha de relance para moeda corrente (Indonésia) e nos concede a permissão para passar”.
“Que uso tem o dinheiro para esses povos? Pergunto a Kembaren enquanto nosso bote sobe o rio em segurança. ‘É que aqui’, responde ele, ‘ele é inútil, e os clãs o usam apenas para pagar o preço do noivado para as meninas de Korowai que vivem mais perto de Yanimura, pois eles compreendem os perigos do incesto, e assim, as meninas devem casar-se com indivíduos de outros clãs’” (P. 57).
Acredito que o dinheiro entrou no rio sagrado da arte e a enterrou na lama enquanto tenta apagar seu sacrilégio pagando artistas pelo mundo afora. Porém, o relacionamento entre a arte e o dinheiro tornou-se incestuoso e essa união produzirá artistas defeituosos - protótipos dos antiartistas.










segunda-feira, março 19, 2007

IMAGEM & MEMÓRIA

A Sensação de Explorar*

Claudia Mogrovejo

fev.2007

O Ensaio Virtual Imagem & Memória de Adriano de Aquino surgiu da experimentação com imagens colhidas na internet. O que despertou o interesse do artista foi elas não terem relação entre si ou com algum local específico. Ativadas por uma determinada palavra, as ferramentas de busca abrem um corredor de dados e nesse espaço as imagens são coletadas como “latas vazias”, independentemente da qualidade de sua definição técnica ou de suas fontes de origem.
Por se tratar de configurações híbridas, dados ou informações sem referencia, diferentes da fotografia que expressa o olhar do autor ou reproduz um dado momento, essas imagens não representam nem uma coisa nem outra, elas simulam, estão ali como alguma coisa a mais, desligadas da lembrança. Os elementos se combinam para além de suas narrativas.
Imagem & Memória apresenta dois aspectos distintos que se interligam. Ainda que o título não se refira especificamente à memória pessoal do artista, pois está relacionado ao termo utilizado na informática Image & Memory Cache (esconderijo da memória), durante o processar das imagens despertaram-se lembranças muito remotas, que são quase não lembranças porque impossíveis de localizar - um outro esconderijo da memória? A motivação desse trabalho veio, portanto, da própria experiência de explorar a sensação gerada durante a manipulação digital, não da procura do artista para atingir através da forma uma determinada percepção. Por isso, acaso ou não, a junção e mistura das configurações chega finalmente a formas que sugerem o fluxo da rede eletrônica de comunicação global.
A musica escolhida para se misturar às imagens do vídeo clipe remete a um tipo de sensação de ubiqüidade, como se habitássemos o espaço cósmico, uma percepção que segundo Castells caracteriza o indivíduo diante do tempo que tende a se tornar um presente continuo. A trilha sonora 12:18, tipo “mantra” eletrônico do grupo Global Communication, nos envolve numa atmosfera de sintonia do eu com o universo juntando a idéia da espiritualidade clássica a sons orgânicos e ao ciberespaço. Em sincronia com a seqüência de imagens no clipe, onde elementos da natureza se transformam em grifos do artista simulando o movimento dos reflexos na água até se fundirem a ícones que sugerem o fluxo da realidade virtual, alude à indistinção entre natureza e cultura.
Mas esse ensaio virtual não pretende emitir uma mensagem, nem propor algum sentido de entendimento. Construída sem referencia a qualquer antecedente a mostra Imagem e Memória é um convite à polifonia interpretativa, à comunicação livre de tendências pré-estabelecidas.

*texto para mostra Imagem & Memória

Paço Imperial

16 de março a 29 de abril

Rio de Janeiro