quarta-feira, dezembro 05, 2007

A experiência como método

Experiência é o nome que damos aos nossos erros

Oscar Wilde

Em 05/07/06 postei aqui no Blog um texto em que abordava algumas investidas estéticas recentes, como a de Steven Kurtz, professor e artista contemporâneo, fundador do Critical Art Ensemble CAEwww.critical-art.net de Nova York, preso no dia 11 de maio de 2004 por utilizar substancias letais, bactérias e outros agentes químicos, sinteticamente processados, durante performances e instalações, simulando atos de terrorismo bacteriológico. Comentei, também, sobre as diversas correntes estéticas que utilizam a tecnologia da informação como suporte para suas manifestações por considerá-la o meio mais compatível com o nosso tempo. Falei, ainda, de algumas atitudes estéticas que são atraídas pelo arrebatamento provocado pela informação em tempo real dos ataques terroristas ou ações militares contra a soberania territorial e a população civil dos paises. Quem navega na rede já teve oportunidade de ver filmes sobre ações militares realizados por soldados norte americanos no Iraque como se fossem imagens de grupos estudantis em férias no estrangeiro.

Entre as inúmeras manifestações após os ataques às torres do WTC, a de um artista teve destaque especial por ter estabelecido paralelo entre o ataque de 11 de setembro e um gesto artístico (Stockhausen afirmou que o atentado de 11 de setembro se constituiu na maior obra de arte de todos os tempos). Após reações hostis, ele declarou que ao romper as fronteiras da representação apropriando-se de um evento em tempo real - uma performance em si - pretendia ele denunciar a falência dos princípios éticos que transitam no mundo atual.

A polemica circulou por um período, ele perdeu alguns contratos e hoje poucos se lembram do fato.

Recentemente, escrevendo um texto sobre arte para um site cultural, esse episódio me veio à mente.

Enquanto escrevia dava uma olhada nos informes culturais e nas propostas da “bienal da vez”, Mercosul, que pretendendo alargar o campo da arte, reafirma, novamente, a formula dominante das “instalações”, onde artistas inter-relacionam a velha questão “arte/vida” como magistrados estéticos distanciados das questões éticas que envolvem complexos problemas do mundo contemporâneo. Ora, dirão, mas a arte, assim como a ciência, deve ser livre para avançar, afinal arte e ética não se misturam. Será?

Em seus textos de apresentação os curadores e os “acadêmicos” envolvidos nesse tipo de projeto se esforçam, em vão, para revelarem um conteúdo ético/político/estético nas obras que promovem. Reeditam menções ao choque entre modernidade/pós-modernidade, confusas ilações entre tríplice fronteiras; cretinices sobre autenticidade, recondicionam ao bel prazer uma grande obra literária a supostas transgressões estéticas, etc... Contudo, para um leitor atento nada mais são que expressões de dirigismo artístico cultural.

A vantagem é que tal conteúdo não exige muito de seu tempo. Por essa razão, pouco ou quase nada é passível de uma critica aprofundada. Ótimo, tenho uma montanha de boa leitura a minha espera. Passei adiante para um artigo de Bill Joy (postado aqui embaixo) que por ser longo e minucioso, solicitava, há algum tempo, uma releitura mais atenta.

Iniciei esse texto lembrando as desastrosas ações artístico/políticas de Steven Kurtz, sobre as quais abstenho de fazer comentários nesse post, pois já escrevi em post anterior sobre esse episódio.

O texto de Bill Joy toca em aspectos graves sobre o avanço da ciência e apela para a necessidade de “contenção” ética por parte dos cientistas, no que tange a experiências consideradas muito perigosas. A competitivade imposta a todas categorias produtivas no inicio deste século XXI, e o “laisses faire” que impregna a mentalidade contemporânea, sobretudo nos paises do ocidente, parecem confirmar que viver o presente passa pela admissão passiva de todos os fatos, gestos e obras que se firmam no “real”. Contestar esse paradigma em qualquer área do conhecimento, arte ou ciência, cola no individuo o rotulo de “reacionário”.

Foi subestimando, isto é, dando o devido valor ao rotulo de “reacionário”, que Bill Joy escreveu esse artigo, que entre outras coisas, propõe investidas sérias contra as experiências cientificas que possam trazer grande perigo para a humanidade. Segundo suas próprias palavras:... É muito fácil ficar entediado com tais progressos. O noticiário fala quase todos os dias sobre algum tipo de avanço científico ou tecnológico, mas aquilo que falávamos não era uma previsão comum, habitual. No bar do hotel, Ray (Kurzweil) me deu uma prévia do que seria o livro que estaria lançando em breve - A Era das Máquinas Espirituais (The Age of Spiritual Machines)- ao delinear a utopia que estava prevendo: humanos conseguiriam ser praticamente imortais ao se unirem à tecnologia robótica. Após lê-lo, meu desconforto apenas aumentou; passei a ter certeza que ele devia estar minimizando os perigos, minimizando a possibilidade de termos péssimos resultados ao longo desse caminho. O que mais me inquietou foi uma passagem que detalhava um cenário apocalíptico...

Em sua analise Joy descreve suas expectativas pessimistas sobre a natureza de algumas experiências cientificas, e se pergunta o quanto suas contribuições, como importante cientista da computação, podem estar de alguma forma cooperando para o avanço de experiências extremamente inseguras e muito perigosas. Quem quiser saber mais recorra ao seu texto postado abaixo, intitulado Porque o futuro não precisa de nós.

Voltando ao inicio desse artigo, quer dizer, colocando questões similares no ambiente artístico pergunto: será que o crivo estético de uns poucos “eleitos” é suficiente para definir e afirmar o que é a arte em nosso tempo? Por que o experimentalismo estético, consagrado nos anos 90 na forma de “instalações”, teima em continuar sendo mostrado como o modelo mais adequado de produção artística?

São muito poucos os críticos de arte que contestam a curiosa permanência dessa formula. No Brasil desconheço analises criticas que tratem desse assunto. Os que desprezam esse modo de produção privam o publico de suas reflexões. E os que o sustentam resumem que a mais vaga contestação a ela é uma atitude “reacionária”.

Adriano de Aquino

dez.2007