sábado, setembro 09, 2006

A Dinastia do Novo

O que não muda
é a vontade de mudar.
Charles Olson

Mudanças geram insegurança, provocam entraves, prejudicam alguns grupos sociais beneficiando outros e também despertam soluções originais. Nos últimos vinte anos a arte passou por alterações consideraveis obtendo maior difusão e circulação de dinheiro, fruto do triunfo das tecnologias da informação, da redefinição da economia e do mercado. A isso somaram-se surpresas como: o resguardo das atitudes contestadoras, capitulações ao explicitamente econômico, pouco caso pelo esmêro e pela dedicação criteriosa ao trabalho pautato no esforço, no compromisso e na qualidade.
Hoje, um consideravel numero de artistas acha que a longa permanencia dos eventos/manifestações/instalações é reflexo da quebra de paradigmas,da diversidade e do abandono das referências artísticas do passado.
Outros veêm nesse predominio muitas questões.A amplitude e a complexidade do problema engloba vários setores da produção cultural.Nesse texto reduzirei meus comentários ao setor das artes visuais,mais precisamente a determinadas manifestações das artes plásticas nos últimos vinte anos.Tomando como ponto de partida uma exposição que aconteceu ha um ano numa galeria norte americana tentarei tecer algumas considerações sobre aspectos invisíveis dos embates artísticos da atualidade .Como artista adepto da liberdade de expressão evitarei juízo de valor estético ou comentérios sobre os aspectos sensíveis das obras ou gestos artísticos.Me limitarei a comentar o contexto ideológico que hoje afeta o circuito artístico.
A mostra a qual me referi - uma instalação inspirada na dieta alimentar a base de batatas inglesas, a qual foi submetida a artista na cura da doença que a acometeu - era composta por um conjunto de batatas inglesas enfileiradas, algumas enfiadas em meias multicoloridas, outras protegidas por cachecol e outras mais dispostas nos degraus de uma escada, sugerindo a dinâmica dos movimentos descida/subida de degraus. O despojamento do evento despertou minha curiosidade.
Talvez pelo fato de ter sugerido um corte com as variadas instalações,interferências ou manifestações as quais me habituei ver nas bienais e outros acontecimentos artísticos.O registro estritamente autobiográfico do evento com as batatas me levou a considerar o radical desligamento da artista dos códigos que atualmente conectam de alguma forma as muitas instalações que vemos por aí. Por isso fui levado a considera-la a mais representativa mostra do que se convencionou chamar de pós-modernidade. A ausência de traços de construção formal, um assumido pouco caso pela composição estética, a desprentensiosa utilização de materiais e a natureza estritamente biografica do evento, não fosse o título da exposição, a assumida autoria e a analogia com registros da história que revelam que o Papa Pius IV recuperou-se de uma doença por volta de 1570 após lhe ter sido prescrito uma dieta de batatas, essa instalação seria a mais significativa demonstração do abandono dos vínculos com o mundo das artes e a mais expressiva manifestação de um fenomeno artístico transitório.O que impede tais manifestações de ir fundo no abandono radical do campo da arte?
Diante dessa questão um curioso paradoxo se apresenta.A desconfortavel falta de sentido apontada pela maior parte do público frente as manifestações artísticas da atualidade e os comentários críticos dos inimigos que as classificam como fenomenos resultantes da ideologia dominante se confundem com a repercursão dessas produções nos grandes centros cosmopolitas.É comum vermos na mídia nacional notícias sobre os feitos e os preços dos artistas contemporâneos no circuito internacional.É lamentavel que a visão idílica que tudo consome e o preconceito que enxerga apenas o equívoco do entendimento da história no que tange as produções atuais, se referindo a elas de maneira jocosa e desprezível, acabem sendo atitudes similares que apenas recalcam questões importantes.É fato incontestavel que a fascinação pelos feitos transitórios se reflete em eventos e objetos igualmente efêmeros comuns a vários artistas e celebridades que transitam no ambiente artistico atual.Porém,isso é apenas uma pequena parte do problema.Relevante de fato é a permanencia de um movimento mundial que já dura cerca de vinte anos, ou seja, ele se mantém dentro da média de vida de quase todo estilo internacional de arte.Diante dessa constatação os segmentos culturais que integram e apoiam os mais propalados movimentos da atualidade ainda parecem insatisfeitos.A insistência em não admitir o esgotamento das suas propostas estéticas está levando grande parte da produção contemporãnea a procedimentos quase mecânicos e a ostensiva banalidade.Por sua vez as instituições culturais que as abriga tornaram-se um circo de atrações melancólicas.A Bienal de São Paulo é um exemplo.Na falta de um tema próprio para a edição 2006 escolheu o titulo Como Viver Junto, inspirado em seminários de Roland Barthes no Collège de France realizados em 1976-77 . O que essa escolha nos revela? Dentre as muitas vicissitudes a falta de parametros apropriados ao tempo presente, o oportunismo e uma certa preguiça de empenhar-se na busca de formas expositivas capazes de revelar uma parte da crise e a diversidade da produção artística da atualidade.Reflexos objetivos dessa política podem ser vistos na perda da visibilidade pública da pintura e outras expressões estéticas sobre suportes tradicionais comprometidas com o rigor conceitual e a fatura artesanal.Na sua extensão mais objetiva são autoritários e excludentes,prejudicam a difusão dos produtos artísticos na mídia e no mercado de arte impondo uma visão única sobre a arte da atualidade.Além do mais a relutante resistência da Bienal de São Paulo de permanecer surda às criticas contra a idéia de reunir obras de arte em torno de um tema tornou-se uma teimosia típica das dinastias.Quem quiser se aprofundar nos domínios reservados dos diretores e curadores das grandes mostras pode começar dando uma olhada rápida no calendário das correntes estéticas do século XX. Verá uma descontinuidade de estilos que pode esclarecer muita coisa. A pop art que surgiu na Inglaterra de meados dos anos 50, realizou todo o seu potencial na Nova York dos anos 60.O expressionismo abstrato dominou as décadas de 1940 e 1950.O minimalismo desenvolveu-se durante os anos 50/60 etc...Essas tendências que descortinaram novas experiências se atacavam reciprocamente e criticavam, uníssonas, o regime estético do modernismo. Entretanto, suas referencias eram o proprio modernismo.É, portanto, no minimo curioso que a produção artística atual que se auto denomina plural e transitória, desvinculada de regimes ou sistemas seja tão longeva.Tal constatação vem suscitando suspeitas.Dentre elas a que identifica os destacados movimentos atuais com as idéias de uma cultura mundialista dominante.
A atualidade é rica em estimulos que nos deixam perplexos.Hoje, esse sentimento invade o juizo de muitas pessoas que veem as manifestações artísticas contemporâneas como experiências desprovidas de sentido e nem por isso deixam de frequentar as exposições e de se excitarem com o glamour dos eventos culturais. Porém,para aqueles que contestam a banalização da arte as coisas se tornaram difíceis.Hoje,eles podem ser vistos como conservadores rancorosos . Essa polarização é expressão da ideologização que hoje submete o ambiente artístico cultural e que poucos admitem existir.
A partir dessas considerações podemos entender uma parte da lógica que nos levou ao abandono dos critérios estéticos e a precipitação constante de novos paradigmas circunscritos apenas na singularidade de cada produtor.Ainda bem que o predominio do dinheiro sobre as demais atividades não conseguiu impedir que muitos contestem a diluição de critérios como conseqüência do esquecimento da crítica e da política. Visto pelo foco dominante, discutir ou contestar as produções atuais é apenas uma chateação inútil. O silencio parece conveniente, ainda que represente a mantenção do predominio cultural e econômico sobre todas as demais formas de produção.É contra essas velhas e recondicionadas iniciativas que muitos artistas ainda reagem na tentativa de resistir ao reducionismo que nos torna produtores/consumidores sem vínculos ou compromissos duradouros com os diversos segmentos sociais e com a própria cultura.

Adriano de Aquino
Set.de 2006