terça-feira, dezembro 05, 2006

A Terceira Cultura

John Brockman é um intelectual/empresário. Uma nova categoria de pensador/empreendedor que em sua trajetória, além de outras coisas, envolveu-se com artistas da pop arte dos anos 60 e atualmente edita livros de cientistas norte americanos e é o editor responsável pelo site Edge, um dos mais importantes canais on line do pensamento cientifico, filosófico, tecnológico, comunicacional, enfim, intelectual da atualidade. A Terceira Cultura foi escrito em 1991. O texto, uma espécie de manifesto ético/estético/cientifico, clama pela difusão ampla do conhecimento cientifico e se opõe a restrição imposta pelas castas de mandarins da erudição que ele identifica como intelectuais literários.
Como editor do site Edge, Brockman realiza um trabalho competente, disponibilizando para o leitor geral, curioso e desprovido de conhecimento cientifico, como eu, por exemplo, assuntos de vital importancia escritos por eminentes cientistas, de maneira a serem entendidos pelo maior numero de indivíduos fora dos meios científicos. A oposição inteligente, dinâmica e persistente da Edge contra a cruzada criacionista , é manifestada em artigos e palestras como no evento An Edge Discussion of BEYOND BELIEF: Science, Religion, Reason and Survival, que ocorreu recentemente. As manifestações de compromisso de Brockman com os novos tempos podem ser percebidas nas respostas de sua entrevista para o periódico TuttoScienze, por ocasião de um evento cientifico na Itália. Brockman manifestou, então, com vigor suas idéias dizendo que: O velho intelectual tornou-se irrelevante. O único saber possível é o da busca. TuttoScienze o considerou um representante autêntico de um novo modelo de pensar inexistente na Europa.
Adriano de Aquino


A Terceira Cultura

John Brockman,
Editor
www.edge.org/


A Terceira Cultura consiste de cientistas e outros pensadores do mundo empírico que, com seus trabalhos e textos resgataram o lugar, antes ocupado pelo intelectual tradicional, e vem tornando visíveis os significados mais profundos de nossas vidas, redefinindo quem e o que somos nós.
Na América, de um tempo para cá, o campo de interesses da vida intelectual se transformou muito. O intelectual tradicional vem se marginalizando cada vez mais. A formação educacional até os anos 50, fundada em Freud, Marx e no Modernismo, não é mais uma qualificação suficiente para um pensador dos anos 90. Certamente por isso os intelectuais americanos tradicionais tornaram-se, em um certo sentido, cada vez mais reacionários, freqüentemente orgulhosos (e perversos) e ignorantes de muitas das realizações intelectuais verdadeiramente significativas de nosso tempo. Como sua cultura sobre a ciência não é empírica, usam seu próprio jargão para escrever sobre coisas que não entendem. Caracterizam-se, principalmente, pela espiral de comentários que atinge o ponto onde o mundo real começa a se perder.
Em 1959 C.P. Snow publicou um livro intitulado As Duas Culturas. De um lado havia os intelectuais literários; do outro, os cientistas. No livro ele revela que durante os anos 30 os intelectuais literários se auto intitularam os intelectuais, desprezando qualquer outro tipo de pensador capaz de ser identificado como tal. Esta nova definição para os homens das letras excluiu cientistas como o astrônomo Edwin Hubble, o matemático John von Neumann, o ciberneticista Wiener Norbert e os físicos Albert Einstein, Niels Bohr, e Werner Heisenberg.
De que forma os intelectuais literários fizeram isso? Primeiro, os cientistas não consideraram que essas atitudes trariam graves implicações para seus trabalhos. Segundo, [só alguns perceberam] quando os cientistas eminentes, notavelmente Arthur Eddington e James Jeans, escreveram livros para o grande publico e tiveram seus trabalhos ignorados pelos intelectuais auto-proclamados, que desprezaram o valor e a importância das idéias apresentadas tornando-as invisíveis como atividade intelectual, sob o pressuposto de que a ciência não era um assunto para os jornais e as revistas.
Em uma segunda edição publicada em 1963, Snow adicionou um novo ensaio. Com o titulo de As Duas Culturas: Um Segundo Olhar ele sugeriu, otimista, que uma nova cultura, uma terceira cultura, emergiria das relações comunicativas entre os intelectuais literários e os cientistas. Nessa terceira cultura Snow previu intelectuais literários se expressando em termos científicos. Embora eu concorde com Snow sobre a idéia de uma terceira cultura, o fato é que os intelectuais literários não estão se comunicando com os cientistas. Isso porque os cientistas estão se comunicando diretamente com o público geral. Os meios intelectuais tradicionais jogam um jogo vertical: os jornalistas escrevem para cima e os professores escrevem para baixo. Hoje, os pensadores da terceira cultura tendem a evitar intermediários, se esforçando em expressar seus pensamentos mais profundos de uma maneira acessível ao público leitor.
Os recentes sucessos de livros sérios de ciência surpreenderam somente os intelectuais do velho-estilo. Discordo da opinião de que estes livros são anomalias editoriais, de que são comprados, porém não lidos. A atividade emergente da terceira cultura evidencia que muitas pessoas têm fome intelectual por novas e importantes idéias e estão dispostos a se esforçar para se educarem e compreende-las.
O grande apelo dos pensadores da terceira cultura não se deve, unicamente, a sua habilidade em escrever sobre ciência; o que vem ocorrendo é que a ciência tornou-se hoje uma cultura pública. Stewart Brand diz que a ciência é a única notícia. Quando se lê os jornais ou revistas percebe-se que o interesse pelos fatos do dia a dia está na política, na economia, nas velhas colunas sociais, nos dramas cíclicos pesarosos, nas formas de ilusão patética pela novidade e, para quem sabe ciência, nos aspectos apenas utilitários das novas tecnologias. A natureza humana não muda muito; apesar da ciência vir alterando o mundo de forma irreversível. Vivemos em um mundo de grandes mudanças. Por isso a ciência tornou-se a grande estória.
Os tópicos científicos proeminentes nos jornais e revistas dos últimos anos incluem a biologia molecular, a inteligência artificial, a vida artificial, a teoria do caos, o paralelismo maciço, redes neurais, o universo inflacionado, os fractais, os sistemas complexos adaptáveis, superstrings, biodiversidade, nanotecnologia, o genoma humano, os sistemas peritos, o equilíbrio punctuado, autômatos celulares, a lógica fuzzy, as biosferas do espaço, a hipótese de Gaia, a realidade virtual, o Ciberspaço, e as máquinas do teraflop. Entre outros. Não há nenhum cânone ou lista especialmente credenciada de idéias inquestionaveis. A força da terceira cultura é precisamente tolerar que todas as idéias sejam, seriamente, examinadas. Ao contrário das perseguições intelectuais precedentes, as realizações da terceira cultura não são disputas veladas de uma casta de mandarins: elas afetarão a vida de todos no planeta.
O papel do intelectual inclui comunicar-se. Os intelectuais não são os únicos que conhecem as coisas, eles apenas dão forma aos pensamentos de sua geração. Um intelectual é um sintetizador, um comunicador. Em seu livro Os Últimos Intelectuais, escrito em1987, o historiador cultural Russell Jacoby criticou a transformação de uma geração de pensadores públicos em acadêmicos desbotados. Ainda que seja um direito, tal atitude é errada. Hoje, os pensadores da terceira cultura são os novos intelectuais públicos.
A América de agora é resultado de um fértil plantio intelectual da Europa e da Ásia. Esta tendência, que começou com a emigração que antecedeu a guerra, que trouxe Albert Einstein e outros cientistas europeus, foi sendo gradualmente abastecida e cresceu a partir do impacto do Sputnik, que provocou o boom da educação científica em nossas universidades.
A emergente terceira cultura introduz novas modalidades no discurso intelectual e reafirma a preeminência da América no reino das idéias importantes da atualidade. Durante toda a história, a vida intelectual foi marcada pelo fato de que somente um reduzido número de pessoas pensavam por todos os demais. O que nós estamos testemunhando é a passagem da tocha de um grupo de pensadores intelectuais literários tradicionais a um grupo novo, emergente: os intelectuais da terceira cultura.

domingo, dezembro 03, 2006

Arte por Correspondência

Almandrade
artista plástico,poeta e arquiteto


Arte postal é um circuito alternativo que veicula técnicas e suportes diversos. Postais, vídeos, selos, poemas visuais, textos, etc., através dos correios. Uma apropriação do circuito de correspondências para fazer circular conceitos, projetos gráficos, mensagens diversas, uma forma de desmaterialização da arte. O registro invés do objeto/arte. Pode ser vista como um capítulo da Arte Conceitual, corrente artística internacional surgida no final da década de 1960 e começo de 1970, que desprezava o objeto de arte e sua estética e valorizava a idéia como fundamento da arte, insinuando uma crítica sobre a função da arte e do artista na sociedade.

A exposição ARTE CORREIO, acervo do artista pernambucano Paulo Bruscky organizado pelo curador cearense Maurício Coutinho é uma retrospectiva que mobiliza artistas contemporâneos de vários países. Uma mostra de um movimento internacional que se manteve em silêncio, distante do mercado de arte e da euforia da mídia. Sem contar com objetos de arte, apenas documentos, registros, postais, fotocópias, manuscritos, correspondências, é uma típica exposição conceitual que exige do espectador atenção e paciência, um trabalho de leitura racional e menos contemplação.

É como se o espectador estivesse diante de documentos antigos que ele precisa decodificar. Uma tarefa demorada e delicada para não confundir experiências visuais ou literárias que pertencem ao território das artes plásticas com outros discursos ou mensagens veiculadas de natureza política, sociologica ou psicológica.
A exposição traz para o público baiano um momento significativo da arte que se desencadeou principalmente na década de 1970, depois do Ato Institucional nº. 5 no Brasil e de maio de 1968 na França. Paralela, alternativa, com relação ao circuito oficial, à margem do mercado, dos museus, das galerias. Foi vista também como uma ação anarquista. Para artistas contemporâneos que viviam longe dos grandes centros, sem o reconhecimento das instituições de arte, a utilização do correio foi uma oportunidade de circular livremente seus trabalhos ou melhor idéias, participando de exposições internacionais e ignorando a condição da arte como uma prática também econômica e centralizadora.Na arte correio a informação artística é um processo, um intercâmbio de idéias. Uma troca simultânea de conceitos e de todo tipo de informação entre artistas de vários países, descentralizando os meios de reprodução e da transmissão de mensagens. Todo material informação ou objeto, inserido no circuito dos correios por um artista passa a ser arte. Não o material em si; mas a ação. O artista está mais interessado no mundo dos signos, da linguagem do que na manipulação de objetos, daí sua aproximação com a literatura.Opera-se uma passagem do mundo das coisas para o mundo dos signos, da materialidade para as mensagens.
imagens postais de alguns artistas da mostra

A Cultura, a Arte e a Politica Cultural




Almandrade
artista plástico,poeta e arquiteto


A cultura é coisa do homem que mora num certo lugar e num certo tempo
Gerardo Mello Mourão
Nas chamadas políticas culturais emergenciais, na maioria das vezes, são discursos onde a cultura não passa de uma fantasia, uma miragem no fim do túnel. Como ela não é assunto prioritário, foi transferida para a iniciativa privada. Os investimentos visam retornos, fala-se em números, percentuais, nas leis de renúncia fiscal, sem uma idéia clara de cultura e seu papel na sociedade. Todo mundo se acha no direito de opinar, o patrocinador, o empresário, o político, o produtor cultural, o professor universitário, o curador, etc. menos o artista e os que trabalham diretamente com as práticas artísticas, os operários da linguagem.
O que deveria ser uma política pública de cultura? Uma pergunta oportuna neste momento de transição política, quando as reivindicações reaparecem e as disputas por cargos públicos emergem. Antes de ser um problema de economia, de leis de incentivo, de política partidária, a cultura é um dispositivo da cidadania, um direito básico que deve fazer parte da formação do sujeito. Uma política de cultura deve primeiro levar em conta o quanto ela contribui para o imaginário das pessoas, tornando-as capaz de assumir decisões nas suas vidas. Que ela é uma forma de relacionamento com o mundo e seu cotidiano, antes de ser uma mercadoria e um objeto da política.
Relegada à condição de entretenimento, passou a fazer parte das diversões, regida pela economia da cultura. E tudo que faz a economia crescer, que gera emprego e renda é ético nesta sociedade onde o emprego é cada vez mais difícil. Mas a ética e lógica da cultura é outra. A diversão faz a economia crescer, atende a demanda de habitantes, eleitores e turistas carentes de lazer, mas poucas vezes contribui para o aumento do repertório. Neste ponto cultura, turismo e economia estão de acordo.
O homem vive entre a natureza e a cultura. E a cultura é uma construção do homem. Um trabalho. Resultado de um longo caminho. Cada cidade, estado ou região tem uma cultura que lhe é própria e múltipla. Uma política de cultura deve garantir a liberdade das diversas manifestações, sem qualquer interferência, e transferir as decisões para quem faz cultura, quem conhece as particularidades das linguagens, quem diretamente lida com o patrimônio material e imaterial que faz o acervo de uma cultura.
E quando se fala de artes, produtos diversificados e delicados e ao mesmo tempo conhecimentos específicos que fazem parte de uma cultura, o político, o produtor ou o atravessador deve ser substituído pelo técnico. E uma instituição que trabalha com as artes tem como princípio estimular a liberdade de expressão e não servir com extensão de outras políticas ou de outras instituições.
imagens digitais
Adriano de Aquino