terça-feira, agosto 29, 2006

"Fazendo Política..."?

As inconseqüentes manifestações sobre os nefastos episódios e as lamentáveis conseqüências do mensalão, caixa dois, dólares na cueca, sanguessugas etc, não partiram dos figurões da classe política, elas apareceram nas recentes declarações de dois artistas: Paulo Betti e Wagner Tiso. Paulo Betti disse que:... Não dá para fazer política sem botar a mão na merda e Wagner Tiso afirmou:...Não estou preocupado com a ética do PT ou com qualquer tipo de ética. Para mim, isso não interessa. Eu acho que o PT fez um jogo que tem que fazer para governar o país, entendeu?
As infelizes opiniões surgiram após a reunião dos artistas vinculados a campanha para reeleição do Lula na casa do ministro Gilberto Gil.No calor dos abraços e na excitação produzida pela proximidade com o candidato/presidente, as declarações me pareceram resultantes de um êxtase de fidelidade.Na mesma semana o presidente Lula declarou:...Meus adversários podem fazer quantas denuncias quiserem.Eu não moverei uma palha, porque sei que vocês moverão o paiol inteiro contra eles.
Essas três frases abalaram meus sentidos produzindo um efeito desolador.De inicio tentei minimiza-lo, atribuindo aos fatos uma conotação circunstancial.Afinal, em período eleitoral somos obrigados a ouvir muitas besteiras.Para escapar da inércia conjeturei alternativas.Porém, a sensação de ter sido atingido e ameaçado pela violência verbal das declarações não se dissipou.Até agora não vejo justificativas para agressão. Afinal,as pesquisas apontam o candidato Lula como favorito.
Nos jornais e revistas os malfadados eventos foram tratados pelo aspecto objetivo, quer dizer, pelo lado das finanças.Para a grande imprensa as citadas atitudes levantaram suspeitas sobre o compromisso, para além do político, de alguns artistas.Comentaristas ligaram as histriônicas declarações aos generosos patrocínios do governo ou das empresas públicas para os espetáculos teatrais, musicais e cinematográficos daqueles que, apoiando explicitamente o governo, exteriorizam suas opiniões de forma simplista e irresponsável sobre complexos problemas sociais, a fim de defender o governo a qualquer custo.Em conversas com artistas e intelectuais que nas eleições passadas votaram no Lula mas que hoje se opõem ao governo e combatem a sua reeleição, a aliciação é indecente,contudo, mais preocupante é o afundamento dos artistas numa espécie de fé cega.
As três declarações dispararam controvérsias e não acrescentaram inteligência ao debate político.Só atiçaram a revolta e a proliferação de xingamentos.Há algum tempo atrás o ministro Gil tornou-se alvo de ofensas quando declarou a um jornal do Rio que: a corrupção não é uma invenção petista.Gil tratou com naturalidade os episódios de suposta corrupção envolvendo grandes nomes do governo,colocando como salvaguarda o fato de o PT não a ter inventado.O comentário de Gil gerou a repulsa de vários artistas e intelectuais.As reações hostis a sua desastrada declaração parecem não ter surtido efeito no meio artístico simpático ao governo.As declarações de Betti e Tiso refletem teimosia e arrogância,tornam a arena política mais tensa e o debate mais burro,se é que isso é possível.Além disso essas manifestações endossam os argumentos conservadores que consideram a vida pública brasileira e a política nacional como um todo, instancias indissociáveis de um real perverso e corrupto ao qual estamos condenados a viver eternamente.Apesar desses argumentos contradizerem radicalmente os slogans da campanha anterior que anunciava, entre outras coisas, mudanças e combate frontal e diuturno a impunidade a corrupção e a injustiça.Bem, se levarmos em consideração que muitos artistas criam verdades usando mentiras ao contrario dos políticos que falam mentiras usando verdades, quem sabe Paulo Betti esteja nos propondo uma paródia para o atual momento político nacional com referencias especificas na realidade/verdade mostrada por Pasolini em seu filme a Republica de Saló?Pra quem não sabe e para os de rala memória, o polemico filme ambientava-se na mais radical experiência social do regime fascista, implantada no norte da Itália em 1943 e extinta em 1945. Pasolini focou as varias formas de degradação humana-escatológica inclusive-a que foram submetidos os cidadãos/vitimas de um vilarejo.Após o veredicto de Betti surge a pergunta: como você ataca a corrupção?Combatendo-a, ou espalhando seu fedor pra todos os lados?
Já a despreocupação e o desinteresse de Tiso por qualquer tipo de ética pode ser entendido como metáfora esclarecedora para as contradições que ainda torturam os cidadãos que conduzem suas vidas de forma ética.Ora, se a pouco tempo o presidente Lula desafiava qualquer cidadão brasileiro a provar que era mais ético que ele, qual será então o significado da frase do musico petista?Muitos entenderam que ao dizer o que disse Wagner Tiso revelou conhecer ou pelo menos admitir, que membros do PT participaram de um jogo que tem que fazer para governar o país e que praticas espúrias(não éticas) na gestão pública não é motivo para preocupar nenhum brasileiro.Menos ainda seu candidato a presidente da republica que,aliás, sabe com quem contar quando precisar... mover o paiol inteiro contra eles(eles quem?).
ilustração
cuecas,dólares,congresso,mão na merda e Dança da Morte na Republica de Saló

quarta-feira, agosto 23, 2006

O Martírio da Modernidade 2




... Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta
que não há ninguém que explique e
ninguém que não entenda...
Cecília Meireles

Romanceiro da Inconfidência

2ªParte Arte e Cultura Liberdade e Clausura
.....................................Realidade e Simulação

As sucessivas mudanças, oriundas do processo ininterrupto de construção e desconstrução de conceitos que se encontram no núcleo da comunicação na era dos meios eletrônicos, expandiram consideravelmente o conhecimento. No entanto, ainda nos perguntamos como esses vetores estão contribuindo para as liberdades individuais. As anunciadas quebras de padrões nas artes e no comportamento trouxeram maior autonomia para os artistas? Muitos acham que sim, outros acreditam que apenas presenciamos, de forma passiva, o poder econômico atuando de forma mais sutil. Os fatos do dia a dia, a crescente violência cotidiana e o crescimento de ações hostis à liberdade individual e o fim da mais elementar noção citadina de segurança, não combinam com a idéia de que vivemos no melhor dos mundos possíveis e, avançamos. Nesse mundo plural, supostamente livre e tolerante onde todo mundo pode fazer o que bem entender sem precisar se preocupar muito com as conseqüências.É nesse ambiente que proliferam os pactos do vale tudo dominante.

Um mundo em que é permitido um indivíduo comer cadáver de bebe natimorto, degustando vinho num cálice contendo pênis humano amputado, enquanto assiste a uma autopsia e dizer que é arte. Esse conjunto macabro não é parte de um conto. Não pense o leitor que os personagens e as ocorrências brotaram da mente de um escritor e habitam o imaginário onde tudo é possível acontecer sem que se cometam diversas violações. Nada disso! Zhu Yu, artista chinês (não foi o único, juntei seu ato ao do degustador de penis vinhático, um artista inglês que felizmente não guardei o nome) apareceu em dezembro de 2002 num programa da televisão britânica, comendo pedaços do cadáver de um bebe natimorto. Na ocasião ele afirmou que sua intenção era explorar o espaço entre a moralidade e a lei. Segundo ele: ‘Nenhuma religião proíbe o canibalismo. Também não encontrei nenhuma lei que nos proíbe de comer gente. ”
Seu discurso me pareceu uma tentativa de ajustar a seu conceito pessoal a virtude da liberdade criativa. É importante que tenhamos em mente que esse item é menos importante. O que interessa avaliar são as intenções de tangenciar paradigmas libertários pressionando os interstícios da ética, da estética e da moral de uma sociedade onde tudo é permitido em arte e, assim legitimar-se como um artista a frente de seu tempo. A declaração de Yu sobre religião e leis teve o efeito cênico de uma cortina de fumaça que torna difuso o gesto do ator ao puxar para si a visibilidade e a audiência nos meios de comunicação de massa, difusão e impacto no ambiente artístico e no mercado de arte. Blefe? Verdade? Segundo alguns ele teria comido carne de porco ao invés de carne de bebe. Pouco importa! O que questiono é o significado da atitude. Seria ela apenas uma simulação e como tal mais um produto artístico espetacular?

Os movimentos artísticos dos anos sessenta propunham uma dimensão concreta para inserção de suas obras no real, confrontando as regras formais de representação. Hoje, a interação entre as manifestações artísticas e o real se dá de forma diferenciada, maior parte das vezes, apenas chocantes. As simulações propostas por artistas desse naipe são percebidas por alguns como uma critica a hipocrisia e não deleite estético do autor. Por quê? Aporrinha-me a persistência do culto romântico aos artistas idealizados num plano sublime. É uma mentira deslavada. Assim como tem público-leia-se: seres ansiosos por perversidades- tem artistas dispostos a saciar as suas próprias e a dos outros. Essas pequenas réplicas medíocres do Marques de Sade não pretendem nada mais que chocar. Se pretendessem fazer uma critica social profunda teriam antes que fazer uma critica a si próprios. Isso é o mínimo que se espera que um artista culto, supostamente avançado. Se não o fez é apenas um idiota que cultua as atitudes mais escandalosas de um aristocrata do século XVIII. Ah! Quer saber?Não vale a pena ir adiante.

Outra questão recorrente, porém, mais grave, e que paira sobre as cabeças pensantes é o caráter nacional da arte. Sobre esse assunto Adam Weinberg, diretor do Whitney Museu de Nova York deu uma explicação sui generis para a conexão internacional da Bienal Americana de 2006:Quanto mais eu olho, menos eu sei o que é arte americana.” Frase típica de um piadista erudito!
Se não fosse uma piada Adam Weinberg teria muito trabalho para explicar porquê existem barreiras solidas que dificultam a projeção dos artistas latino-americanos nas instituições culturais norte americanas. Para mim ela é só mais uma declaração descartável bem ao paladar do momento. Os curadores da Bienal do Whitney falam também da confusão que se estabeleceu entre ficção e realidade, dizendo que isso é expressão do atual momento. A ambigüidade vivida pelos artistas atuais é resultado das incertezas geradas por uma zona de crepúsculo, onde tudo está sendo posto em dúvida. Pronto!Tudo explicado! Chrissie Iles, uma das responsáveis pela curadoria do big show, atravessa a fronteira entre o político e o estético como se tivesse atravessando a 5ª Avenue. Segundo ela, o clima apocalíptico da mega exposição é fruto da raiva contra a guerra do Iraque. Oh!Deus! Até um sargento trapalhão sabe que numa zona crepuscular os passos devem ser muito cuidadosos. Ela fala como se estivesse tomando um drink ao meio dia num verão escaldante. A confusão generalizada entre ficção e realidade é um sintoma mais complicado do que a raivinha contra a guerra do Iraque. Os rituais artísticos desse evento, por mais confusos que possam parecer, aludem aos riscos encravados nas intenções camufladas pela cruzada entre as forças do bem contra as do mal, de conseqüências imprevisíveis para integridade territorial dos países e uma absurda imposição para as democracias do Ocidente. Mas, como na arte tudo parece festa,a guerra do Iraque pode virar uma rave. Num dos eventos paralelos, intitulado Down by Law (Fora da lei) faz-se uma simpática referencia aos heróis darks do sonho americano. Uma seção da mostra põe lado a lado Saddam Hussein, Unabomber e George Bush. Numa sala cartazes e fotos de foragidos estão expostos próximo a um mapa das leis de sodomia nos Estados Unidos. Outra sala exibe um vídeo com uma longa entrevista de um paquistanês preso logo depois do 11 de Setembro. Um dos organizadores da mostra disse:-Não tomamos posição. Apenas exibimos a luta dos Estados Unidos entre a ordem e a desordem”.
A liberdade é caótica. (sic). Fugi desse núcleo da mostra com a impressão de ter participado de uma conclamação à luta. Uma luta em que o inimigo era o espectador atento e critico às manipulações políticas ali exibidas.
Pra finalizar esse relato macabro serei um pouco otimista, Todos parecem concordar que atravessamos uma zona crepuscular. Esse é um momento do dia em que a luz incide sobre as coisas produzindo estranhas variações. Através de um foco difuso é licito vislumbrar que as bienais e os megas eventos internacionais não são mais importantes para as artes e para os artistas. Hoje, esses eventos nos despertam a sensação de esgotamento dos princípios estéticos porque estão norteados por mensagens criptografadas enviadas para além da arte. Essa intenção também enfia o publico na confusão entre realidade e ficção. Os mais saudáveis saem do museu certos de que a insanidade mental ha muito deixou de ser um sintoma limitado aos hospícios. Exposições como essa tornam visível a dramática situação dos artistas atuais diante da imprevisibilidade em relação ao futuro. Nos seus aspectos mais objetivos a historia nos ensina que advertir sobre a premência por pactos de convivência planetária confiável é sinal de sanidade. Onde encontrá-los, é a questão. Essa Bienal Americana, pretendendo oferecer meios para reflexão, criou paralelos falsos entre o Whitney, o Pentágono e Cabul .

Em tempos críticos assim, a arte em qualquer forma que se apresente, seria a mais cáustica manifestação dos anseios humanos. Porém, isso não parece suficiente para os curadores. Eles necessitam de uma mensagem que agregue todos em torno de um tema maior. Quem hoje ousaria se opor à liberdade criativa dos curadores sem correr o risco de ampliar a celeuma entre avançados e reacionários?É crível para alguém que a contestação estética a invasão do Iraque é uma garantia para a sobrevivência das democracias do Ocidente? Há os que apostam que a destruição e a morte que paira sobre tempos incertos, percebidos como apocalípticos, são oportunidades para mudanças. Há outros que consideram nosso tempo um sinal severo sobre a ineficácia dos esforços para obtenção da paz. O que significa dizer que muitos não a desejam de fato.
Agora, distante do campo de combate travado no Whitney penso, que para os agentes culturais, o que importa de fato é um grande causa. Pouco importa o quanto custe para a arte e para o público.


Entre a Cultura e o Mercado



A insuficiência da estrutura de museus e galerias, por mais avançadas que sejam, é hoje em dia flagrante e trai em muitos casos, o sentido profundo, a intenção renovadora do artista, (Hélio Oiticica) com o triunfo do mercado de arte, esta insuficiência que nos fala Oiticica passou do estrutural, do físico para o cultural. Os espaços destinados ao trânsito dos objetos de arte são sinalizados por outros códigos que até desprezam a arte como um fazer mental. O mundo dos patrocinadores, do público das vernissagens é dominado pelo olhar do turista que viaja em busca de estereótipos, para uma rápida relação de divertimento, de algo que agrade e alimente um status. Um ambiente de amenidades, de rara descontração, solene, afasta o público que poderia ter uma compreensão mais natural dos processos simbólicos. O espaço social / cultural é restrito, contornado pelo mundano. No que tange a circulação e divulgação, a arte acabou sendo condenada às regras e aos mecanismos do mercado, com seus espaços seletivos, cujos critérios se limitam aos da sociedade de consumo. Muitas vezes vai-se a uma exposição por um compromisso extra cultural, uma obrigação social. E do ponto de vista do mercado a obra é apenas uma opção de investimento.
A arte trabalha o inconcebível a experiência sensorial recalcada nas operações mercadológicas. Esta extravagância de transformar um produto destinado ao pensar em fetiche cultural de um público privilegiado economicamente, (sua condição de mercadoria levada ao extremo), faz da arte por uns momentos, um produto descartável, fora do valor de troca. É o mercado que financia a publicidade do trabalho, paga a crítica e sustenta o artista numa sociedade dominada pelo capital, neste caso não podemos negar sua importância. O ambiente do mercado de arte, pouco fascinante para quem busca o essencial da cultura, afasta o pequeno público mais ligado ao saber, sem dispor de poder aquisitivo indispensável para o consumo de obras de arte. Mas nada impede a quem dispõe de um mínimo de capital intelectual de ver uma exposição, a entrada é franca, e com sentimento de “penetra” é possível se apropriar através do olhar de um bem ou meio de conhecimento, a princípio endereçado ao outro.
Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)

quarta-feira, agosto 16, 2006

Um Réquiem para Newton Cavalcanti

O artista plástico Newton Cavalcanti morreu sábado 12 de agosto em Santa Tereza, bairro onde morava. Segundo noticiou a imprensa ele foi aluno de Goeldi e um dos mais importantes gravadores brasileiros, credenciais que não impediram que a morte, ainda segundo a matéria- o encontrasse em “relativa obscuridade”. Essa consideração me despertou maior atenção.

O que é relativa obscuridade?

Uma obscuridade social sujeita a lampejos esporádicos de visibilidade?

Vai entender!

A síntese objetiva e aparentemente cruel dessa nota deu pouca relevância à trajetória do artista me levando a ponderar sobre a grandeza com que as alegorias vencedoras ocupam o imaginário contemporâneo. Se a pretensão do articulista era provocar a tristeza do leitor em relação a um personagem “esquecido”, comigo falhou. Não me despertou “piedade” em relação ao artista, ao contrario, me confirmou a vitoria de uma vida dedicada à arte, apesar dos tropeços e dificuldades inerentes a função. Tive dó da sociedade! É ela a grande perdedora. Perde dia a dia a reverência à existência humana e a criação artística.
Todos os dias somos levados a encarar noticias de episódios sensacionais envolvendo centenas de mortes, volumosas corrupções e impunidade generalizada lado a lado com matérias sobre os sedutores sinais de riqueza e prosperidade de um personagem high das artes, em destaque na mídia. Algumas pessoas me telefonaram se manifestando sentidas pela forma com que as duras palavras lhes tocaram. Confesso que não me surpreendi. Para mim o deslumbramento pelo glamour “fashion” que seduz os freqüentadores do ambiente artístico contribuíram para criar dois tipos de caricaturas artísticas: as “celebridades e os “relativamente obscuros”. Também pudera, para um mundo desprovido de critérios, fama e fortuna valem mais que talento, dedicação e mestria.
Newton nasceu em 1930 na cidade de Bom Conselho em Pernambuco. De origem humilde e dono de grande talento não permaneceu por muito tempo em sua cidade natal.

A obra de Newton Cavalcanti se insere entre as mais importantes da gravura contemporânea. O artista era senhor de um repertorio único na arte moderna brasileira. Sua representação do mundo foi motivada pela inquietude frente aos mistérios da vida e construída nos moldes de uma epopéia sobre os medos do homem. É um alerta contra as farsas insípidas e banais, desprovidas de conteúdo e incapazes de mobilizar nossa consciência sobre o lado obscuro das coisas.

As obras que compõem seu Réquiem se erguem eloqüentes sobre corpos aparentemente inertes numa espécie de transgressão ao silencio imposto aos mortos. Sua arte totaliza visualmente o horror infringido pelos vivos e discorre sobre a vida dando voz aos mortos. Segundo palavras de Flavio de Aquino seu “diabólico pedaço do inferno, com seus gênios do mal, seus diabos e até com a Morte Rubra surgindo em meio aos cadáveres e fantasmas”, o destacou - ismos à parte - entre os artistas de sua geração.

Newton estudou com Raimundo Cela e Goeldi na Escola de Belas Artes da Universidade Federal. Durante muitos anos se dedicou a gravura em preto e branco. A partir de 1969 intensificou sua inclinação para o desenho e a pintura. O artista teve um diversificado desempenho artístico, expôs em Barcelona, Londres, Estocolmo e Tóquio, na Bienal de Paris, no Chile e na Itália. Com o prêmio de viagem ao exterior, obtido no Salão Nacional de1972, foi para Inglaterra onde morou por dois anos. Em Portugal executou inúmeros desenhos, gravuras e selos. Num ritmo que tudo envolvia participou em filmes de Paulo Cezar Sarraceni, Rogério Scanzela, Mario Carneiro e Vítor Lustosa e criou cartazes para alguns filmes de Glauber Rocha. Seu talento se espalha por incontáveis coleções particulares e públicas no Brasil e no exterior. Esse gravador, desenhista, pintor e professor, alheio ao modismo e distante dos artifícios do circuito de arte, se dedicou, de corpo e alma, aos desafios a que se propôs. Graças a sua eloqüência e imbatível dedicação ao trabalho, podemos fruir um imaginário esplendoroso que só poderia ser transposto para o real pelo poder do talento e do seu amor à arte.

Adriano de Aquino
agosto de 2006

quinta-feira, agosto 10, 2006

O Martírio da Modernidade

1ªparte>Politica e Economia

No seu livro Uma Breve Historia do Homem o professor inglês Michael Cook afirma que a modernidade é uma questão de cultura e que uma vez surgida em um lugar; pode ser imitada em outros.
Através desse prisma as coisas parecem simples.
Para os artistas e intelectuais ligados ao modernismo artístico europeu do século XIX e XX esse era um paradigma cristalino quando preconizavam a expansão dos diálogos artísticos para além das fronteiras nacionais.Essa atitude não lhes obliterou a consciência de que a consolidação dos postulados do novo regime estético se daria às custas de longos embates contra os segmentos culturais conservadores,para quem qualquer mudança representava enorme ameaça.
Porém, apesar das reações contrarias, a extensão planetária dos movimentos modernos em arte, não obstante os descompassos cronológicos ocorridos entre os paises, confirmam o êxito mundial do modernismo.Contudo, no plano social, a modernidade engendrou complexos problemas sociais induzindo as instituições a se reestruturarem para fazer frente a uma nova dinâmica produtiva e a inéditas formas de trabalho.Nesse contexto produziu-se graves contradições.
Admitindo-se que o surgimento dos tempos modernos lá onde se deu -na Inglaterra dos idos de 1760, inicio da Revolução Industrial (historiadores contemporâneos acolhem a idéia de que o berço da Revolução Industrial foi a Holanda) não só difundiu novas técnicas e ferramentas como redefiniu prioridades -concedendo grande destaque aos avanços tecnológicos e redimensionando a escala de produção –alterando significativamente a redistribuição das riquezas pela sociedade local.Nesse sentido a Revolução Industrial e seus efeitos modernizantes, absorveram e consolidaram, lenta e gradualmente, as posições das novas categorias de trabalhadores envolvidos na nova engrenagem produtiva.
Se houve percalços eles foram impotentes para deter a marcha e impedir a magnitude do processo modernizador.Conduzida de maneira voluntária pelos empreendedores ingleses, independentemente da impertinência dos nobres e das agruras e incertezas geradas pela Speenhamland Law que levou a sociedade inglesa do final do século XVIII a se debater entre duas influencias opostas: a que emanava do paternalismo e que protegia a mão de obra dos perigos de um sistema de mercado, e a que organizava os sistemas de produção, inclusive a terra, sob um sistema de mercado, afastando a gente comum se seu status anterior, compelindo-a a ganhar a vida oferecendo seu trabalho à venda, enquanto ao mesmo tempo privava esse trabalho do seu valor de mercado, segundo as palavras de Karl Polanyi. Ainda segundo ele esses vacilos ocorreram durante o mais ativo período da Revolução Industrial, portanto entre 1795 e 1834, e dificultaram enormemente a criação de um mercado de trabalho.Mesmo tendo sido o mercado de trabalho o ultimo dos mercados a ser organizado a modernização dos meios de produção foi se agigantando superando aspectos inumanos, transpondo as fronteiras e proporcionando melhor distribuição da riqueza, que por volta de 1850 já se podia perceber pela elevação real de rendimentos e no maior investimento do Estado no bem estar dos cidadãos. Cook entende como um sinal do sucesso da modernidade a transposição do processo modernizador para além dos territórios nacionais.Para melhor explicar ele dividiu essa expansão em três grupos principais...O primeiro aconteceu nos territórios ultramarinos britânicos. O segundo grupo é dos europeus continentais e o terceiro grupo é o dos asiáticos orientais ou em alguns daqueles paises... Ele diz ainda que:... os países latinos americanos que a adotarem se sairão melhores que no passado.Essa chicotada sobre o lombo surrado dos povos desse martirizado continente demonstra o desprezo que boa parte dos doutos europeus devotam ao esforço dos paises latinos no empreendimento de modernização dos seus sistemas produtivos e das instituições sociais.
Por que?
Na tentativa de responder essa questão é possível que eu cometa inúmeras incorreções ou despreze alguns aspectos relevantes.Por isso antecipo minhas desculpas ao leitor que seguir adiante.
A chamada América Latina engloba trinta e três paises com passado de submissão colonial, na sua grande maioria escravocrata e que ainda permanece uma região marcada pela impunidade a exploração social e uma enorme desigualdade. Boa parte desses povos ainda sofrem mazelas inconcebíveis numa sociedade moderna.
Para Cook nós latinos não estamos sozinhos nesse buraco, mais abaixo, no fundo do abismo dos tempos encontra-se a África subsaariana, com exceção da África do Sul, mas não de Angola, que,segundo ele, são regiões onde não se ouve falar da modernidade com otimismo, caso similar também aparece no mundo islâmico.Restringirei minhas considerações ao panorama que ele destinou os países latinos americanos. Nesse contexto, a visão internacional é de certa forma coincidente.Para a maioria dos habitantes dos paises desenvolvidos os países sul americanos são recantos bucolicos que sofrem as conseqüências de uma absurda passividade administrativa e precaria racionalidade.
Eu, ao contrario, entendo que a elite brasileira não sofre de passividade,assim como o povo simples é trabalhador.
Então ,onde reside o problema?
Se a elite local não é passiva e muito menos ignorante como explicar tantos obstáculos para a implantação da modernidade. Concordo que as elites foram e continuam sendo as principais responsáveis pelos descompassos ao nosso desenvolvimento.Contudo,ela não é a única culpada.Por isso torna-se necessário uma avaliação mais detalhada.
Sem querer contrariar a tese do professor Cook, penso que a mundialmente famosa facilidade de nossa deslumbrada elite em espelhar-se na soberba e no orgulho das altas rodas internacionais e copiar modelos externos fracassou de forma espetacular ao negar estender, com o mesmo entusiasmo, a imitação dos benefícios da modernidade pelos vários setores sociais.Embalada por desmesurada ambição privou e continua privando os pobres de recursos essenciais a subsistência, guardando para si, de forma primaria e arriscada, o poder e as riquezas da nação.Se tal desventura não é sinal de ignorancia pode ser entendida como uma atitude de complascente irresponsabilidade e uma forma de condução que ruma em direção à tragédia.Uma caricatura grotesca disso são as cidades grandes brasileiras onde convivem, lado a lado, palácios nababescos e casebres insalubres.
Dizem alguns que essa atitude das nossas elites são resultantes da vassalagem que de bom grado praticavam nos contatos com o colonizador.Por algum misterioso motivo tal sintoma permaneceu mesmo depois que outros regimes o sucederam.Discordo dessa opinião.Tenho duvidas sobre essa logomarca de fazendeiro pachorrento, preguiçoso e ignorante,tipica dos filmes produzidos por cineastas cosmopolitas sobre personagens da região.
O problema é mais profundo que a rudeza de modos,a aparencia boçal e o linguajar chulo de um capataz.Entre nós se disseminou uma cultura extrativista, hoje facilmente identificavel no oportunismo desmesurado que se derrama por todos os setores da sociedade.O modelo do gestor latino é um protótipo comum a quase todos os paises da região e pode ser achado em qualquer categoria social.Um sindicalista ou um coronel de estância, rico ou pobre, tornam-se semelhantes não só nos trajes janotas com que se apresentam,mas,sobretudo na atitude arrogante e na postura paternalista que espelham quando assumem um poder.Introjetam automaticamente uma postura similar sem a qual não seriam reconhecidos, admirados e temidos pelos companheiros e rivais políticos.
Talvez por isso as repetidas tentativas de mudanças de rumo da nossa sociedade resultaram em rompantes sincopados, de abrangência social restrita e altamente custosa. A parte raros e elogiáveis personagens a vida publica brasileira é coalhada de figuras horripilantes.Acredito que a empatia que temos pela representação dantesca é oriunda de uma visão difusa, imprecisa e episódica que encobre uma fatal atração pelo desastre.
Aqui cabe um exemplo recente pois ele revela o confinamento da sociedade brasileira ao brejo da irracionalidade.Dos inúmeros impactos econômicos e sociais ocorridos nos últimos cinqüenta anos destaca-se o ocorrido no setor das comunicações.Esse setor agregou aos parcos meios locais um abundante instrumental tecnológico de ultima geração, permitindo que as comunicações eletrônicas cobrissem rapidamente um vasto território e atingissem uma enorme população,fazendo prosperar empresas milionárias sem, contudo, reduzir significativamente as desigualdades sociais e o analfabetismo.Para um observador atento e racional tal contradição é manifestação de um delírio esquizóide, entretanto, vista sobre o foco nacional essa discrepância é facilmente entendível e pior, aceitável.
Os marcos da modernidade social e econômica, emblemas da vitória da racionalidade dominante no século XIX e XX, aqui se tornaram só mais uma forma de martírio.Sabemos o quanto é difícil para um país atrasado se opor ao sistema global, contesta-lo e ainda assim progredir.
A recente fartura de recursos disponíveis no mundo desenvolvido vem produzindo curiosos fenômenos.Visando expandir a rede de distribuição de seus produtos, serviços e capitais os paises de sólida economia construíram pontes com os paises de farta e crescente população.Novos teóricos, sobretudo do setor econômico defendem teses que aparentam oportunas e promissoras para os paises que ficaram para traz, esmagados por grandes problemas sócios econômicos, que arrastam volumosas dividas, secular desrespeito pela coisa publica e inaptidão para empreendimentos privados. Uma dessas teses que obteve grande divulgação propõe saltos de etapas.A Coréia é um excelente exemplo de êxito da tese.
O salto de etapas me lembra as modernas pedagogias no trato dos alunos retardatários.Contudo, para o êxito do programa é vital que o retardatário invista sobretudo no desenvolvimento educacional e cultural.No Brasil educação é retórica eleitoral e cultura é assunto pra mídia.Além do mais,como no mundo atual as coisas andam muito mais rápido, é bom saber se os economistas pós-modernos já divulgaram teoria mais recente que devera ser experimentada nos paises periféricos.Quer dizer, todos que não integram o G7.
Novos critérios de avaliação econômica contam hoje com a anuência de importantes agencias internacionais, coisa inadmissível até poucas décadas atrás.Isso é bom mas não é tudo pois um diagnostico pode conscientizar o doente porém não tem o poder de cura de um medicamento adequado.Alguns teóricos da economia moderna e doutores em engenharia financeira crêem que os paises subdesenvolvidos podem saltar etapas e integrar-se mais rapidamente ao fluxo tecnológico e econômico global se adotarem as políticas publicas adequadas.Para eles o país em desenvolvimento que reformar suas instituições publicas direcionando-as para o mercado, atrairão capital e grandes empresas internacionais dispostas a participar de empreendimentos capazes de alavancar o desenvolvimento a partir do domínio dos saberes e das técnicas contemporâneas. A isso se impõe a abertura do Estado a participação das empresas privadas nos setores infra-estruturais, na exploração de matéria prima, produção e distribuição de energia e outros insumos, bem como no sistema de transportes urbanos, nos portos, aeroportos e nas bases e suportes de mercado exterior etc. Os adeptos da globalização acreditam que essas reformas viabilizam novos pactos.É bom lembrar que os governos brasileiros já vêm operando assim desde 1992, contudo, o crescimento brasileiro vem de revelando medíocre de ano para ano.Os vencedoresconsideram isso um detalhe irrelevante.Segundo eles isso ocorre mesmo em paises de sólida estrutura econômica onde os lucros astronômicos do sistema financeiro alcançaram a estratosfera com indicadores jamais alcançados em modelos antecedentes.Por isso eles identificam nosso tempo como uma era de prosperidade.Os altos índices de desemprego e a recessão industrial são entendidos como questões menores que podem ser amenizadas através de um programa assistencialista de governo.Coisa que no Brasil vem sendo feito há muito tempo e que atingiu absoluta mestria no atual governo.
Bem!Se tudo até agora descrito sugere um plano perfeito justifica-se nossa insônia, insegurança e preocupações.
Não só os brasileiros, mas todo o país latino americano conta com quase duzentos anos de independência política, entretanto, continuam sofrendo a opressão cabotina de seus dirigentes.Só podemos lamentar nossa impotência diante da vigência de uma cultura política paternalista, populista e demagógica que atravessa os tempos.Esses métodos devastadores marcam profundamente nosso caráter.É surpreendente e motivo de inexplicável orgulho que tenhamos chegado até aqui com relativa integridade territorial e poucas guerras.Nossas histórias são no mínimo intrigantes, mesmo diante do poder destrutivo das elites e da classe política da região, responsáveis pelas mazelas que sofrem as nações desse pobre continente.Uma danada tradição faz com que os críticos de nosso atraso se encham de razão quando afirmam que só poderemos obter êxito quando tivermos modernizado nossas sociedades, extinguido nocivos e antiquadas manobras eleitoreiras, enfrentado corajosamente os problemas sociais dando um fim ao paternalismo, as políticas clientelistas, a impunidade e aos favoritismos e nos graduado em autonomia econômica. Bem, se depender de todos esses fatores as coisas começam a descer ladeira em velocidade vertiginosa.
Não possuo conhecimento academico sobre economia.Só conheço Havard por fotografia , porém , me sinto pleno de pureza angelical para tecer comentarios sobre o assunto.Além do mais a finança sucedeu a magia e a religião se constituindo o novo Deus que rege o mundo contemporaneo.
Sobre Deus todos temos ignorancia similar.
O extraordinário poder da economia moderna despertou uma nova categoria de hereges com os quais me identifico.E,é bom lembrar que os economistas brasileiros conhecem muito pouco sobre a sua propria matéria. David Landes narra uma historia interessante envolvendo um economista latino.Ele relata uma conversa que teve sobre o ...insuportavel fardo da divida externa antiga e da vexatória e mesquinha insistencia estrangeira quanto ao reembolso.Ele sugeriu ao interlocutor que o seu país não pagasse o debito sublinhando: ...uma nação soberana pode sempre recorrer ao não reconhecimento da divida ...diante do que o economista retrucou ...mas a quem então iremos acudir para mais empréstimos? Para ele a questão essencial dos altos débitos dos governos latino americano está no cerne da cultura da maioria dos paises que querem permanecer tomando emprestimos, nem que seja para pagar os juros dos emprestimos mais antigos.Essa doida mentalidade ainda perdura na mente do politico local, mesmo diante das restrições impostas pelo rigor do importado recurso da responsabilidade fiscal.
(continua na próxima semana)
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O Caipira Picando Fumo de Almeida Júnior (1850-1899) na frente de uma pintura de Mondrian( 1872–1944)