terça-feira, dezembro 05, 2006

A Terceira Cultura

John Brockman é um intelectual/empresário. Uma nova categoria de pensador/empreendedor que em sua trajetória, além de outras coisas, envolveu-se com artistas da pop arte dos anos 60 e atualmente edita livros de cientistas norte americanos e é o editor responsável pelo site Edge, um dos mais importantes canais on line do pensamento cientifico, filosófico, tecnológico, comunicacional, enfim, intelectual da atualidade. A Terceira Cultura foi escrito em 1991. O texto, uma espécie de manifesto ético/estético/cientifico, clama pela difusão ampla do conhecimento cientifico e se opõe a restrição imposta pelas castas de mandarins da erudição que ele identifica como intelectuais literários.
Como editor do site Edge, Brockman realiza um trabalho competente, disponibilizando para o leitor geral, curioso e desprovido de conhecimento cientifico, como eu, por exemplo, assuntos de vital importancia escritos por eminentes cientistas, de maneira a serem entendidos pelo maior numero de indivíduos fora dos meios científicos. A oposição inteligente, dinâmica e persistente da Edge contra a cruzada criacionista , é manifestada em artigos e palestras como no evento An Edge Discussion of BEYOND BELIEF: Science, Religion, Reason and Survival, que ocorreu recentemente. As manifestações de compromisso de Brockman com os novos tempos podem ser percebidas nas respostas de sua entrevista para o periódico TuttoScienze, por ocasião de um evento cientifico na Itália. Brockman manifestou, então, com vigor suas idéias dizendo que: O velho intelectual tornou-se irrelevante. O único saber possível é o da busca. TuttoScienze o considerou um representante autêntico de um novo modelo de pensar inexistente na Europa.
Adriano de Aquino


A Terceira Cultura

John Brockman,
Editor
www.edge.org/


A Terceira Cultura consiste de cientistas e outros pensadores do mundo empírico que, com seus trabalhos e textos resgataram o lugar, antes ocupado pelo intelectual tradicional, e vem tornando visíveis os significados mais profundos de nossas vidas, redefinindo quem e o que somos nós.
Na América, de um tempo para cá, o campo de interesses da vida intelectual se transformou muito. O intelectual tradicional vem se marginalizando cada vez mais. A formação educacional até os anos 50, fundada em Freud, Marx e no Modernismo, não é mais uma qualificação suficiente para um pensador dos anos 90. Certamente por isso os intelectuais americanos tradicionais tornaram-se, em um certo sentido, cada vez mais reacionários, freqüentemente orgulhosos (e perversos) e ignorantes de muitas das realizações intelectuais verdadeiramente significativas de nosso tempo. Como sua cultura sobre a ciência não é empírica, usam seu próprio jargão para escrever sobre coisas que não entendem. Caracterizam-se, principalmente, pela espiral de comentários que atinge o ponto onde o mundo real começa a se perder.
Em 1959 C.P. Snow publicou um livro intitulado As Duas Culturas. De um lado havia os intelectuais literários; do outro, os cientistas. No livro ele revela que durante os anos 30 os intelectuais literários se auto intitularam os intelectuais, desprezando qualquer outro tipo de pensador capaz de ser identificado como tal. Esta nova definição para os homens das letras excluiu cientistas como o astrônomo Edwin Hubble, o matemático John von Neumann, o ciberneticista Wiener Norbert e os físicos Albert Einstein, Niels Bohr, e Werner Heisenberg.
De que forma os intelectuais literários fizeram isso? Primeiro, os cientistas não consideraram que essas atitudes trariam graves implicações para seus trabalhos. Segundo, [só alguns perceberam] quando os cientistas eminentes, notavelmente Arthur Eddington e James Jeans, escreveram livros para o grande publico e tiveram seus trabalhos ignorados pelos intelectuais auto-proclamados, que desprezaram o valor e a importância das idéias apresentadas tornando-as invisíveis como atividade intelectual, sob o pressuposto de que a ciência não era um assunto para os jornais e as revistas.
Em uma segunda edição publicada em 1963, Snow adicionou um novo ensaio. Com o titulo de As Duas Culturas: Um Segundo Olhar ele sugeriu, otimista, que uma nova cultura, uma terceira cultura, emergiria das relações comunicativas entre os intelectuais literários e os cientistas. Nessa terceira cultura Snow previu intelectuais literários se expressando em termos científicos. Embora eu concorde com Snow sobre a idéia de uma terceira cultura, o fato é que os intelectuais literários não estão se comunicando com os cientistas. Isso porque os cientistas estão se comunicando diretamente com o público geral. Os meios intelectuais tradicionais jogam um jogo vertical: os jornalistas escrevem para cima e os professores escrevem para baixo. Hoje, os pensadores da terceira cultura tendem a evitar intermediários, se esforçando em expressar seus pensamentos mais profundos de uma maneira acessível ao público leitor.
Os recentes sucessos de livros sérios de ciência surpreenderam somente os intelectuais do velho-estilo. Discordo da opinião de que estes livros são anomalias editoriais, de que são comprados, porém não lidos. A atividade emergente da terceira cultura evidencia que muitas pessoas têm fome intelectual por novas e importantes idéias e estão dispostos a se esforçar para se educarem e compreende-las.
O grande apelo dos pensadores da terceira cultura não se deve, unicamente, a sua habilidade em escrever sobre ciência; o que vem ocorrendo é que a ciência tornou-se hoje uma cultura pública. Stewart Brand diz que a ciência é a única notícia. Quando se lê os jornais ou revistas percebe-se que o interesse pelos fatos do dia a dia está na política, na economia, nas velhas colunas sociais, nos dramas cíclicos pesarosos, nas formas de ilusão patética pela novidade e, para quem sabe ciência, nos aspectos apenas utilitários das novas tecnologias. A natureza humana não muda muito; apesar da ciência vir alterando o mundo de forma irreversível. Vivemos em um mundo de grandes mudanças. Por isso a ciência tornou-se a grande estória.
Os tópicos científicos proeminentes nos jornais e revistas dos últimos anos incluem a biologia molecular, a inteligência artificial, a vida artificial, a teoria do caos, o paralelismo maciço, redes neurais, o universo inflacionado, os fractais, os sistemas complexos adaptáveis, superstrings, biodiversidade, nanotecnologia, o genoma humano, os sistemas peritos, o equilíbrio punctuado, autômatos celulares, a lógica fuzzy, as biosferas do espaço, a hipótese de Gaia, a realidade virtual, o Ciberspaço, e as máquinas do teraflop. Entre outros. Não há nenhum cânone ou lista especialmente credenciada de idéias inquestionaveis. A força da terceira cultura é precisamente tolerar que todas as idéias sejam, seriamente, examinadas. Ao contrário das perseguições intelectuais precedentes, as realizações da terceira cultura não são disputas veladas de uma casta de mandarins: elas afetarão a vida de todos no planeta.
O papel do intelectual inclui comunicar-se. Os intelectuais não são os únicos que conhecem as coisas, eles apenas dão forma aos pensamentos de sua geração. Um intelectual é um sintetizador, um comunicador. Em seu livro Os Últimos Intelectuais, escrito em1987, o historiador cultural Russell Jacoby criticou a transformação de uma geração de pensadores públicos em acadêmicos desbotados. Ainda que seja um direito, tal atitude é errada. Hoje, os pensadores da terceira cultura são os novos intelectuais públicos.
A América de agora é resultado de um fértil plantio intelectual da Europa e da Ásia. Esta tendência, que começou com a emigração que antecedeu a guerra, que trouxe Albert Einstein e outros cientistas europeus, foi sendo gradualmente abastecida e cresceu a partir do impacto do Sputnik, que provocou o boom da educação científica em nossas universidades.
A emergente terceira cultura introduz novas modalidades no discurso intelectual e reafirma a preeminência da América no reino das idéias importantes da atualidade. Durante toda a história, a vida intelectual foi marcada pelo fato de que somente um reduzido número de pessoas pensavam por todos os demais. O que nós estamos testemunhando é a passagem da tocha de um grupo de pensadores intelectuais literários tradicionais a um grupo novo, emergente: os intelectuais da terceira cultura.

domingo, dezembro 03, 2006

Arte por Correspondência

Almandrade
artista plástico,poeta e arquiteto


Arte postal é um circuito alternativo que veicula técnicas e suportes diversos. Postais, vídeos, selos, poemas visuais, textos, etc., através dos correios. Uma apropriação do circuito de correspondências para fazer circular conceitos, projetos gráficos, mensagens diversas, uma forma de desmaterialização da arte. O registro invés do objeto/arte. Pode ser vista como um capítulo da Arte Conceitual, corrente artística internacional surgida no final da década de 1960 e começo de 1970, que desprezava o objeto de arte e sua estética e valorizava a idéia como fundamento da arte, insinuando uma crítica sobre a função da arte e do artista na sociedade.

A exposição ARTE CORREIO, acervo do artista pernambucano Paulo Bruscky organizado pelo curador cearense Maurício Coutinho é uma retrospectiva que mobiliza artistas contemporâneos de vários países. Uma mostra de um movimento internacional que se manteve em silêncio, distante do mercado de arte e da euforia da mídia. Sem contar com objetos de arte, apenas documentos, registros, postais, fotocópias, manuscritos, correspondências, é uma típica exposição conceitual que exige do espectador atenção e paciência, um trabalho de leitura racional e menos contemplação.

É como se o espectador estivesse diante de documentos antigos que ele precisa decodificar. Uma tarefa demorada e delicada para não confundir experiências visuais ou literárias que pertencem ao território das artes plásticas com outros discursos ou mensagens veiculadas de natureza política, sociologica ou psicológica.
A exposição traz para o público baiano um momento significativo da arte que se desencadeou principalmente na década de 1970, depois do Ato Institucional nº. 5 no Brasil e de maio de 1968 na França. Paralela, alternativa, com relação ao circuito oficial, à margem do mercado, dos museus, das galerias. Foi vista também como uma ação anarquista. Para artistas contemporâneos que viviam longe dos grandes centros, sem o reconhecimento das instituições de arte, a utilização do correio foi uma oportunidade de circular livremente seus trabalhos ou melhor idéias, participando de exposições internacionais e ignorando a condição da arte como uma prática também econômica e centralizadora.Na arte correio a informação artística é um processo, um intercâmbio de idéias. Uma troca simultânea de conceitos e de todo tipo de informação entre artistas de vários países, descentralizando os meios de reprodução e da transmissão de mensagens. Todo material informação ou objeto, inserido no circuito dos correios por um artista passa a ser arte. Não o material em si; mas a ação. O artista está mais interessado no mundo dos signos, da linguagem do que na manipulação de objetos, daí sua aproximação com a literatura.Opera-se uma passagem do mundo das coisas para o mundo dos signos, da materialidade para as mensagens.
imagens postais de alguns artistas da mostra

A Cultura, a Arte e a Politica Cultural




Almandrade
artista plástico,poeta e arquiteto


A cultura é coisa do homem que mora num certo lugar e num certo tempo
Gerardo Mello Mourão
Nas chamadas políticas culturais emergenciais, na maioria das vezes, são discursos onde a cultura não passa de uma fantasia, uma miragem no fim do túnel. Como ela não é assunto prioritário, foi transferida para a iniciativa privada. Os investimentos visam retornos, fala-se em números, percentuais, nas leis de renúncia fiscal, sem uma idéia clara de cultura e seu papel na sociedade. Todo mundo se acha no direito de opinar, o patrocinador, o empresário, o político, o produtor cultural, o professor universitário, o curador, etc. menos o artista e os que trabalham diretamente com as práticas artísticas, os operários da linguagem.
O que deveria ser uma política pública de cultura? Uma pergunta oportuna neste momento de transição política, quando as reivindicações reaparecem e as disputas por cargos públicos emergem. Antes de ser um problema de economia, de leis de incentivo, de política partidária, a cultura é um dispositivo da cidadania, um direito básico que deve fazer parte da formação do sujeito. Uma política de cultura deve primeiro levar em conta o quanto ela contribui para o imaginário das pessoas, tornando-as capaz de assumir decisões nas suas vidas. Que ela é uma forma de relacionamento com o mundo e seu cotidiano, antes de ser uma mercadoria e um objeto da política.
Relegada à condição de entretenimento, passou a fazer parte das diversões, regida pela economia da cultura. E tudo que faz a economia crescer, que gera emprego e renda é ético nesta sociedade onde o emprego é cada vez mais difícil. Mas a ética e lógica da cultura é outra. A diversão faz a economia crescer, atende a demanda de habitantes, eleitores e turistas carentes de lazer, mas poucas vezes contribui para o aumento do repertório. Neste ponto cultura, turismo e economia estão de acordo.
O homem vive entre a natureza e a cultura. E a cultura é uma construção do homem. Um trabalho. Resultado de um longo caminho. Cada cidade, estado ou região tem uma cultura que lhe é própria e múltipla. Uma política de cultura deve garantir a liberdade das diversas manifestações, sem qualquer interferência, e transferir as decisões para quem faz cultura, quem conhece as particularidades das linguagens, quem diretamente lida com o patrimônio material e imaterial que faz o acervo de uma cultura.
E quando se fala de artes, produtos diversificados e delicados e ao mesmo tempo conhecimentos específicos que fazem parte de uma cultura, o político, o produtor ou o atravessador deve ser substituído pelo técnico. E uma instituição que trabalha com as artes tem como princípio estimular a liberdade de expressão e não servir com extensão de outras políticas ou de outras instituições.
imagens digitais
Adriano de Aquino

quinta-feira, novembro 30, 2006

O Histórico e o Contemporâneo

Em momentos de incertezas muitos se aventuram em propostas que supostamente apontam caminhos inéditos e promissores. 
Na arte contemporânea vimos surgir após as recentes metodologias acadêmicas,técnicas de marketing, gerenciamento empresarial, consultorias de mercado, assessoria de mídia, cibermidia, equipes de historiadores da arte da atualidade etc. Tudo muito clean e eficiente. Os críticos, os teóricos estão sendo espanados para longe. Sob os holofotes, os curadores, promotores, agenciadores e negocistas cintilam recitando: qual arte de hoje será importante num futuro remoto, porque o investidor deve verter dinheiro em tal artista, aspectos cognitivos e sócio-educativos das megas exposições de arte, números astronômicos de freqüentadores e cifras como slogans espetaculares. Como venho escrevendo muito sobre essas ocorrências a partir da minha observação limitada e competência restrita, característica da atividade artística que insisto em exercer, creio ser mais produtivo oferecer aos leitores desse HiperBlog trechos da palestra realizada por Donald Kuspit no Simpósio Internacional de Arte/Teoria Contemporânea que aconteceu na cidade do México em 2005, onde esse assunto foi abordado em profundidade. Quem quiser conhecer o texto na integra e na versão original clique> http://www.artnet.com/magazine/features/kuspit/kuspit4-14-05.asp
O Histórico e o Contemporâneo
DONALD KUSPIT
Tornou-se muito difícil,até mesmo impossível,escrever uma história da arte contemporânea- uma história que faça justiça a toda a arte considerada contemporânea- essa é a lição do pós-modernismo.
Se escrever a história é algo como unir as partes de um enigma, como sugere o psicanalista Donald Spence, então, arte contemporânea é um enigma cujas partes não surgem juntas. Não há nenhuma narrativa cabível entre elas, para usar o termo de Spence, sugerindo, a principio, apenas incertezas. Porém, em suas partes individuais podem ser compreendidas. O contemporâneo por definição não é necessariamente o histórico, isto é, o contemporâneo é uma quantidade de eventos associados em um presente plausível, ou melhor, uma narrativa consistente que integra algum destes eventos em um sistema ou padrão que, simultaneamente, os qualifica, dando - lhes uma espécie de intencionalidade em relação ao seu propósito. Em Pós-Modernismo André Malraux disse que o museu sem paredes foi pensado a partir da perspectiva de expansão ilimitada do contemporâneo. O pluralismo radical que prevalece no museu sem paredes faz uma chacota com a opinião de que há uma arte mais “histórica” do que outra qualquer. Assim a história tornou-se tão absurda e idiossincrática quanto a contemporaneidade. Pode haver uma história da arte moderna e uma história da arte tradicional, mas, não pode haver nenhuma história da arte pós – moderna. A contemporaneidade radical não se limita a uma única leitura histórica. Mesmo Gibbon não seria capaz de conceber que todas as partes da arte de um tempo determinado poderiam, juntas, trilhar uma narrativa uniforme. [n/t: Edward Gibbon (1737/1794) historiador inglês e membro do parlamento, conhecido, principalmente, pela qualidade e ironia de sua prosa, pelo uso das fontes primarias e por denegrir a organização religiosa]
No pós-modernismo não há como proceder a um julgamento da história e sim um registro incompleto do contemporâneo.
A avaliação aprofundada de apenas uma parte da arte contemporânea em detrimento de qualquer outra ocorre a partir de uma determinada perspectiva psicossocial. Porém, cada perspectiva se fecha para fora da arte o que contradiz as pretensões da própria arte contemporânea. A perspectiva interpretativa é sempre relativa, pragmática e formada através de um conhecimento ulterior concernido a legitimar o que pareceria, de outra maneira, ilegítimo, isto é, contemporâneo. Tais procedimentos oferecem ao invés de um lugar infinitamente aberto da arte contemporânea,um sistema histórico fechado de compreensão que responde a critérios de valor fixado.O hermético sistema histórico desmorona sob a pressão do contemporâneo ou se quebra por causa de sua própria pretensão.A história escrita pode ser comparada a terra reivindicando ao mar um pedaço de seus domínios, contudo, o mar levanta-se sempre até recuperar o que lhe pertence. Ou, se preferir, a história da arte transformou-se na Atlântida que afundou no mar por causa de uma erupção vulcânica. A história pode ser uma construção criativa, como diz Spence , mas nunca será uma construção definitiva – assim como nenhuma construção artística pode ser definitiva para arte, pelo menos de um ponto de vista contemporâneo,porque há sempre uma evidência mais contemporânea a lhe solapar. A história não possível no pós-modernismo por causa do próprio modernismo que, no seu aspecto mais vital, é uma história de auto-questionamento e de auto-dúvida dos artistas que olharam para além do campo de suas identidades. Certamente, o desacato ou a indiferença que [os artistas modernos] desferiam contra o julgamento institucional, a aprovação ou desaprovação pelo sistema super egoico das autoridades culturais...[ainda pulsa na mente dos artistas da atualidade]
Sempre houve mais arte contemporânea do que arte histórica...Este fato tornou-se enfaticamente explícito na modernidade. A tentativa da história da arte de controlar a contemporaneidade e com isso o fluxo temporal de eventos da arte através de determinados acontecimentos, retiram da arte sua idiossincrasia incidental em nome de algum sistema de valor absoluto. Contudo, tais propósitos são sempre rechaçados pela abundância das evidências contemporâneas da arte com suas propostas alternativas e ideias freqüentemente radicais e contrárias ao valor instituído...
...Lawrence Alloway em seu livro a Bienal Veneza 1895-1968 foi claro e preciso sobre essa questão. Alloway anota que em 1966 o Bienal mostrou 2.785 trabalhos de artistas de 37 países; para 181.383 frequentadores, 800 críticos da arte, jornalistas além de negociantes de arte. Esses números dão uma ordem de grandeza e estimam o valor da exposição, a escalada e a velocidade das novas comunicações internacionais. Alloway comenta sarcasticamente que: [para] os que gravitam em torno de uma opinião elitista a abundância de produtos estéticos mostrados na Bienal foi identificada como uma diluição da essência pura da arte...[e] os críticos da esquerda se opuseram a mostra por causa da preponderância de estilos internacionais sem utilidade social manifesta. Talvez, Alloway tenha sido demasiado irônico ao afirmar que: a orgia do contato é uma comunicação na Bienal de Veneza de 1968, [e nas] 112 outras mostras e feiras oficiais [comerciais] que aconteceram na Itália naquele ano apontavam que o alvo principal era discutir a competitividade e a diversidade extrema da Bienal, sobretudo, as mudanças dos trabalhos exibidos, e questionar o conceito de trabalhos de arte como símbolos permanentes. Ao invés de,ainda segundo Alloway, se debater a complexidade das estruturas e das inúmeras formas de interpretações. Isto é: a arte física e conceitualmente móvel, vista sob vários contextos e que freqüentemente muda de significado a cada contexto. Para Alloway, o trabalho de arte não é exatamente um objeto, e sim sua particularidade, quer dizer é; parte de um sistema de comunicação. Se pode dizer que na pós modernidade o trabalho de arte comemora a desestabilização e a dessacralização da obra de arte que começou na modernidade. Alloway vê uma vantagem intelectual ou uma oportunidade interpretativa nesta desestabilização. Isto é, enquanto o trabalho de arte se torna menos seguro em sua identidade, torna-se mais aberto à interpretação e dessa forma mais significativo e comunicativo. Isto realça sua contemporaneidade, isto é, há mais comunicação na interpretação. Quanto mais isso acontece mais contemporâneo parece, mais vivo no presente e, dessa forma, dispensa a necessidade de permanência. Nesse sentido, os pluralismos turbulentos de interpretações [se opondo aos valores dominantes] confirmam que a diversidade turbulenta da arte moderna parece ter aumentado, exponencialmente, na pós-modernidade...[contribuindo] para que a multiplicidade de interpretações críticas as mantenham no jogo da contemporaneidade. Sem ele tudo se desvanece no esquecimento, ou seja, transforma algo abstrato em concreto, melhor dizendo, em algum marco histórico na estrada de uma narrativa predeterminada do progresso artístico. Nesse caso não se aventa nenhuma dúvida acadêmica, trata - se de uma complexa realidade. Mas, algo estranho aconteceu na Bienal de Veneza: o contrapeso entre a tentativa de mostrar a abundância da arte contemporânea e, por outro lado, afiançar qual será arte historicamente importante para o futuro, sendo, especialmente preciosa no presente, desviou para longe o que assinalamos como positivo anteriormente. Para mim essa atitude foi sinal de uma tentativa de remover as ervas daninhas da incerteza para fora do contemporâneo, predeterminando a história da arte. Isto é, apesar da diversidade entre os pavilhões nacionais, as nações tentaram mostrar seu pé histórico, ou melhor, um suposto julgamento da história...As nações estreitaram a escolha dos artistas contemporâneos a serem exibidos dizendo terem sido mais seletivos. Isso, de certa forma, justifica a negligencia em relação aos muitos artistas contemporâneos e uma perda de consciência crítica. A tentativa prematura de remover ervas daninhas, excluindo muitos outros modos de arte da atualidade...[deu lugar]...a exclusividade sobre a abundância, [ocultando] a espontaneidade contemporânea efêmera dando visibilidade a uma espécie de processo histórico manufaturado de permanência. Ocorre, entretanto, que tal triunfo falsifica ambos, [contemporâneos e históricos]. O disparate da tentativa de afirmar qual arte tem valor permanente para o futuro e que artistas tem mais perspectivas de permanência histórica...[assim como] as listas pseudo pluralistas dos melhores artistas do ano, que proliferam nos ambientes de arte cosmopolita, acreditam ter o poder de tornar permanente uma parte da arte contemporânea. [Muitos agentes e intermediários] funcionam como uma casta imprimatur [n/t: autoridade religiosa que autorizava imprimir texto previamente censurado] um tipo de Deus ex – machina, que [ao contrario que muitos supõe] têm efeito entrópico na arte que escolhem como importante. Arbitrar, prematuramente, sobre uma parte da arte, apontando-a como historicamente importante é uma pretensão descabida de antever sua recepção em um futuro remoto...
...Nada é sagrado para os artistas que insistem em sua contemporaneidade, porque o contemporâneo é sempre profano...O poder do contemporâneo vem da insegurança de ser efêmero e isso é melhor que construir uma fundação histórica ilusória, ou seja, uma permanência hipotética que se desintegrará...Nenhuma arte é historicamente importante para sempre: o poder da permanência histórica da arte do passado depende das necessidades criativas, emocionais e cognitivas da contemporaneidade. Ela é permanente e necessária somente enquanto o contemporâneo cria a ilusão provisória de que o é...
... O contemporâneo é sempre heterogêneo e fértil, o histórico fantasia a contemporaneidade a reduzindo à homogeneidade estéril... [no] curso do tempo as categorias[artísticas] foram ampliadas tornando inútil dizer quais modalidades do fazer artístico são mais importantes do que outras...A história é uma tentativa de encontrar consistência para ler um contemporâneo inconsistente. Substituir a flexibilidade saudável do contemporâneo pela rigidez da história é uma tentativa de canalizar a criatividade em um determinado sentido e, finalmente, controlá-la. [Na atualidade]...Para Alloway a particularidade da arte esta sendo substituída por um internacionalismo generalizado, como se somente a arte transnacional tivesse um lugar na narrativa histórica da arte contemporânea.
...Um bom e recente exemplo de um significado histórico manufaturado é a falsificação deliberada como no caso da elevação de Ana Mendieta ao pantheon da arte. Suas obras feministas sobre o sofrimento do seu caro, fino e intrigante corpo foram mostrada em retrospectiva nos museus de Hirshhorn e no Whitney. As imagens eram fotografias de Hans Breder, inventor da intermídia e um artista muito mais complexo do que Mendieta. Esse crédito foi reconhecido durante o jantar da abertura da mostra onde o diretor do Hirshhorn reconheceu que nós víamos Mendieta através dos olhos de Breder. As fotografias do corpo-desempenho-esculptura, criados por Breder são particularmente conhecidos na Alemanha. Foi ele quem fez também as pinturas e os vídeos, alguns exibidos no Whitney. Mendieta era estudante e amante de Breder na universidade de Iowa. Trabalharam juntos por uns 10 anos. Certamente, Breder ensinou-a virtualmente tudo que sabe. Um bom número das fotografias em exposição no Whitney é de autoria de Breder. Seu famoso desempenho do corpo despido colocado para fora em uma sepultura foi feito por Breder e fotografado por ele. A idolatria por Mendieta tem razões comerciais e ideológicas e advém também das ações da Galerie LeLong. Assim, Mendieta tornou-se uma figura histórica e sua arte parece existir por seus próprios meios a colocando, como artista, acima da complexidade de muitos artistas contemporâneos. Fazer história envolve sempre o que o Henry Krysal chama uma transferência de idolatria. Penso que Mendieta idolatrada soube, intuitivamente, fazer história. Apesar da tentativa irônica de descrever a história enquanto está acontecendo, isto é, vender um pedaço da contemporaneidade declarando que o faz, envolve um número considerável de razões. Um indivíduo, ciente e aberto a tudo que está acontecendo na arte da atualidade, sem nenhum preconceito, reconhece que as preferências interpretativas não são, em si, um fator determinante...[capaz]...de atribuir significado histórico a uma obra contemporânea...Apesar dos esforços de alguns em fazer a história, escrevendo-a enquanto acontece... borrando o limite entre o contemporâneo e o histórico...a polinização e o cruzar híbrido cultural, cognitivo e emocionalmente discrepante, não simplesmente rotineiramente diferente, de alguns tipos de arte; a proliferação infinita de produtos artísticos atuais, traz consigo uma redefinição de contemporâneo não domesticado pela história, [ao contrario, revelam] uma efemeridade auto-imposta, (sugerindo a construção em mutação de uma comunicação).
...formas pseudofilosóficas que difundem um pensamento de que o quer que se chame de arte é arte, isto é, qualquer coisa pode se agregar ao motto-contínuo pós-moderno,[vem contribuindo]... para o triunfo comercial da cultura da multidão...O poder do dinheiro e da popularidade [crêem] fazer história...Walter Robinson disse:...hoje não há nenhum movimento da arte, somente no mercado existem movimentos. Isto parece confirmar um artigo, intitulado Através do Telhado, publicado em dezembro 2004 no Forbes Magazine. Começa com o seguinte parágrafo: Cenas de um frenesi: Apenas dois anos após o artista italiano, notório brincalhão Maurizio Cattelan, fazer em 1999, uma escultura tamanho real, em cera, do papa João Paulo II cortado por um meteorito, um negociante de Genebra chamado Pierre Huber pagou US$886.000 [para logo após] lança-la em New York por US$3 milhões. Presumidamente isto faz de Cattelan, ou pelo menos seu trabalho, historicamente importante, isto é, garante automaticamente um lugar na história da arte.[nesse episodio, os movimentos do mercado, do qual nos fala Robinson, ficam claros. Além disso, vale acrescentar, que esse movimento eleva a cotação do negociante Huber no disputado ambiente dos mercadores internacionais de arte] Donald continua dizendo:...A história da arte torna-se ridícula quando tenta fazer a crônica contemporânea. O mesmo artigo cita Larry Walsh, (curador de coleções de museus e um colecionador de estrelas da arte dos 1980s como Jean-Michel Basquiat e Keith Haring... (ambos morreram jovens) identifica e questiona o que considera... O problema real? Escorre muito dinheiro para material que não é testado historicamente... [Muitos parecem acreditar que]... Somente a arte que o dinheiro se derrama sobre ela passa com ela: o valor econômico tornou-se histórico. Passando o teste do mercado, a arte entra na história... Peritos concordam que geralmente, em pelo menos 20 anos, se estabelece o interesse por um artista, diz Missy Sullivan no artigo. E continua:...Somente então o artista é beijado pela posteridade. Kuspit pergunta: Que peritos? Que interesse? E, o que é exatamente posteridade? Valor de revenda? Valor para artistas que ainda não nasceram ? Celebridade Cultural? As chamadas instalações nas coleções permanentes de museus? Que museus? Walsh e Sullivan levantam mais perguntas do que respondem. Uma outra verdade sociológica é o florescimento dos competidores de perspectivas interpretativas [que pretendem para si domínios especiais e reconhecimento intelectual que lhes confira] supremacia sobre a história. [acreditam que]uma arte contemporânea, torna-se histórica quando uma perspective particular consegue impor uma leitura ideológica dela, assim, conferindo-lhe significado e reputação. Ao tentar estabelecer determinada arte como mais legitima e necessária do que outra, a escrita [pseudo] histórica privilegia, implicitamente, alguma arte como mais criativa ou ideologicamente correta que outra, porém, muita história pode ser escrita de forma interpretiva e criativa e como tal tornar-se um ato artístico e também um ato ideológico. Assim, Mendieta é supostamente mais criativa e ideologicamente mais correta do que Breder, porque, sobretudo, é uma feminista, com exposições póstumas nos principais museus para provar que é criativamente inovadora. (Risco dizer que sua função como um símbolo ideólogo precede sua criatividade. Isto é, veio ter um lugar mais importante em uma narrativa ideológica do que na história da criatividade artística). Estou sugerindo que o historiador de arte seja mais interessado no processo criativo e na inter-relação com outros processos humanos, físicos e sociais [ao invés] produtos institucionalmente sancionados da arte...O objeto artístico concretizado, isto é, estabelecido como arte.
...a perda dos padrões de excelência criativa tornou as artes vulneráveis ao mercado e as forças populistas...Ou seja, o dinheiro e a popularidade são significativos na sociedade capitalista de modo que sem seu imprimatur a arte perde significado social...Acredito também que fazer arte se transformou uma maneira de fazer dinheiro e de se tornar popular. Penso na teoria de Whitehead sobre a concrescência como processo ontológico preliminar...[para ele quando] algo está fora de seu lugar, isto é afixado em alguma instituição de arte, [tal fato] indica que o processo que o trouxe até ali se completou...[com o]...produto tornado fetiche.[Um engano] De fato, o processo termina na interpretação criativa progressiva, que a faz repercutir continuamente como produto artístico. [e]...ressoar no concreto, o que significa dizer que é um produto que não perderá a ressonância vital que teve durante o processo...[e é essa]...aura, sempre restaurada, por injeção renovada da interpretação dinâmica... que [faz com que] a história da arte coloque no lugar concreto o processo do trabalho artístico, porque a história da arte é concernida, subliminarmente, a legitimar os objetos, e, somente os objetos, transformados de abstrato em concreto, são legitimados pela perspectiva da história...Então, ocorre a escrita da historia.
...retornando ao começo de minha conversa, Spence diz que:...unindo as peças de um quebra-cabeça...[notamos]... que cada parte tem um e somente um lugar... [nesse caso usamos]... o que pôde ser chamado de ajuste da narrativa, para estabelecer a posição correta de cada uma das partes... [quando] admitimos que, por exemplo, um dado pode ter inúmeras inserções diferentes que igualmente nos satisfaçam, vemos que uma narrativa presumível pode ter um resultado definitivo melhor do que poderíamos ter desejado, conseqüentemente, [surge uma nova] base de preferência, especialmente particular [que tornam] instável algum valor de verdade prenunciada... acredito que a exaltação de um artista à custa de outro, a maneira Mendieta... transforma um tipo de ilusão em infinita elasticidade obsequiosa...então [já não se trata] de uma narrativa; [trata-se] de um enigma insolúvel e eterno... o contemporâneo é a soma de detalhes incomensuráveis que nunca poderão ser proporcionais em um inteiro (integra é uma noção sem sentido para o contemporâneo) . Eu sugiro que [cada] particularidade seja apenas um caso. Isto é: que um argumento interpretativo de uma arte particular sega seu desenvolvimento ambiental no contexto da articulação fenomenológica [criada] pelo observador-intérprete e sua complexa experiência. Somente aproximando e considerando o trabalho de arte como uma experiência afetiva-comunicacional-educacional... impedimos que a imposição de significado e valor, oriundos do dinheiro e da popularidade, se imponham como fatores determinantes da atualidade e falem em nome da história. A reificação idólatra remove o desafio cognitivo e o interesse humano pelo trabalho... que nos estimula experimentar um certo grau de frescor. Isto é, que [cada experiência] afetiva-comunicacional-educacional envolva uma descoberta, [tornando-se] a demonstração e a exemplificação de um determinado tipo de atitude, de consciência relativa... [ isso se confirma na certeza de que] o preço[das coisas] não é em si um problema humano e intelectual...[assim]...como uma arte contemporânea dimensionada historicamente não pré determina [que] a curiosidade sobre ela será permanente... usando a frase de Einstein nada na natureza [e na cultura] impedirá parar de questioná-la.

DONALD KUSPIT é professor de Historia e Filosofia da Arte na Universidade de Michigan e Ph.D. de Phil.D. Universidade de Frankfurt.




segunda-feira, novembro 27, 2006

Individualismo e estética

Adriano de Aquino - 2006

O triunfo do individualismo, o desenraizamento das sociedades multirraciais e multiculturais, a flexibilidade das operações financeiras, além de outros fatores afetados pela atual conjuntura global vem produzindo mudanças significativas em nossas vidas. Em seu livro Carne e Pedra, Richard Sennett nos expõe aspectos fundamentais da formação das cidades no correr do tempo e as diversas razões que levaram ao aparecimento do que hoje entendemos como cultura urbana, observadas através da experiência corporal. No último capítulo, intitulado Individualismo Urbano ele cita um trecho do segundo volume de Democracia na América, onde Tocqueville se refere ao século XIX como a Idade do Individualismo. Para Sennett o auto-respeito é... um aspecto positivo dessa doutrina. Contudo, segundo ele,Tocqueville tomou-a sobre um ângulo melancólico, atribuindo-lhe uma espécie de solidão cívica. O pensador francês viu uma América onde... cada pessoa age como se fosse estranha a sorte dos demais ... Nas transações que estabelece, mistura-se aos seus concidadãos, mas não os vê; toca-os, mas não os sente; existe apenas em si mesmo e somente para si mesmo. Assim sua mente guarda um senso familiar, não um senso social.
Para o autor de Carne e Pedra, Tocqueville falava da ... coexistência das pessoas voltadas para dentro de si tolerando-se umas às outras por mútua indiferença. Curiosamente, foram nas sociedades onde o individualismo proliferou e se consolidou fortemente que ocorreram as mais significativas mudanças socioculturais, forjadas pelas lutas em prol da integração das étnias, a valorização da mulher, a extensão de benefícios às faixas etárias mais avançadas e a redefinição de status das classes sociais menos favorecidas. Todavia , essas transformações foram insuficientes para estimar a vida como um valor absoluto e redefinir o significado de liberdade. Pelo contrario, o valor da vida está sendo rebaixado dia a dia e a liberdade tornou-se uma citação desprovida de significado.
Contradições dessa natureza aumentam as incertezas, alastram a sensação de insegurança e redimensionam a indiferença frente aos novos conceitos, modalidades produtivas e aos produtos de toda ordem.
Nas artes plásticas, tais mudanças são manifestadas pela rejeição, por parte dos artistas, dos critérios estéticos disseminados na modernidade. Outro aspecto importante, segundo alguns críticos da atualidade, diz respeito ao público diante da obra de arte. Para eles o espectador frente aos mais variados objetos estéticos da contemporaneidade manifesta uma anuência cordata, algo próxima de um reação enfadonha diante do banal. Muitos observadores identificam essas reações como uma indiferença do público pela diversidade estética contemporânea. Diante desses comentários a multiplicidade estética, hoje predominante, se tornou a principal responsável pelo espetáculo das megas exposições, vistas como parques de diversões artísticas. Uma espécie de fenômeno circense das artes.
Discordo de tais argumentos porque entendo que a diversidade estética não é, em si, um motivo para o desestimulo do público freqüentador das exposições de arte. Pelo contrario, admito que o individualismo triunfante encoraje grande parte dos artistas contemporâneos a se manifestarem de forma peculiar, quer dizer, circunscrita a visão de mundo do autor em detrimento das regras estéticas pré-estabelecidas. É, portanto, compreensível que a resposta do público a essas experiências ocorra através da troca fundada numa espécie de livre-arbítrio interpretativo. As manifestações do publico atual são em tudo diferentes das proporcionadas pela visão especializada dos frequentadores habituais do circuito da arte que reconhecem os códigos inscritos na obra e interagem com ela conforme os ditames oferecidos pelo autor. As considerações de Sennett sobre o auto - respeito podem ser aplicadas, no caso das trocas entre arte e publico, como aspectos positivos da doutrina individualista.
Contudo, os ramos intermediários entre arte e publico (curadorias,marketing,mercado) se misturam com os produtos artísticos, e, como diria Tocqueville:...mistura-se aos seus concidadãos, mas não os vê; toca-os, mas não os sente; existe apenas em si mesmo e somente para si mesmo. Os efeitos desses procedimentos podem ser percebidos nas mega exposições de arte que rolam pelo mundo afora. Já falei muito sobre isso em posts anteriores.
A manipulação do sistema de arte por interesses diversos, vem relegando as diferenças estéticas da atualidade a uma espécie de limbo individualista melancólico, fechado em si, e responsável pela mesmice, o fastio e a indiferença que muitos visitantes criticam nas grandes mostras. Muitos crêem que os artistas são os principais responsáveis por essa situação. Esse equívoco vem nutrindo um bando de impostores abrigados em trincheiras conservadoras e por uma espécie de tradição para uso próprio. Esses personagens lúgubres rivalizam com artistas dedicados e achincalham obras modernas e contemporâneas notáveis, baseados em preconceitos anacrônicos e palavreado pseudo – poético. No fundo estão, como, aliás, sempre estiveram querendo apenas vender mais livros inúteis. Ocorre, entretanto, que os panfletos que produzem somados as ações espetaculares dos curadores e seus temas sufocantes, apesar de expressarem posições antagônicas, denotam certo desprezo pelas diferenças e pela autonomia da arte de nossos dias.
Sob essa ótica o mundo artístico ficou mais miserável. Uma miséria em tudo diferente daquela produzida pelo abandono, pela falta de cuidados e pela escassez de alimentos que matam as pessoas de fome. Nesse ambiente proliferam os produtos e a fome é apenas uma sensação passageira. Tal miséria resulta da proliferação dos poderes de intermediação sobre os objetos, coisas e gestos estéticos que, manipulados por interesses difusos, induzem o espectador ao esgotamento e restringem a experiência com a arte.
Vivemos um tempo crítico. O colapso dos modelos expositivos adotados pelas megas exposições de arte e as muitas estratégias de um mercado de arte avído por exitos financeiros produziram um curioso paradoxo: ou continuamos produzindo objetos, coisas e gestos artísticos para suprir a demanda pautada pelas agendas institucionais e pelo mercado, ou assumimos a recusa em dar-lhes corpo. Falo de uma recusa eficiente que evite, inclusive, contestar, destruir ou banalizar objetos estéticos como uma forma de ação comprometida com alguma verdade da arte.
Falo de uma recusa que produza uma sensação que se confunde com a liberdade. Ainda que tal atitude, decidida com firmeza, se torne, apenas, mais uma referência à História da Arte.



imagem:
Kendell Geers

8ªBienal Internacional de Estambul
montagem com fotos de Filipa César de rostros incrédulos de pessoas que olham para o quadro de informações da estação Bahnhof Zoo en Berlín

quarta-feira, novembro 15, 2006

Yahoo! Affair - O Colaboracionismo on line


Já assistimos muitos filmes onde atos contra a liberdade parecem ter conotações surreais. 
As semelhanças das características peculiares do episódio que envolve a participação da mega empresa Yahoo! com os roteiros de alguns desses filmes tornaram esse episódio mais espantoso. A companhia é um exemplo incontestável de eficiência tecnológica e sucesso financeiro entre as empresas proveedoras na modalidade de intercomunicação pessoal. Rapidamente,algumas empresas  conquistaram um lugar de destaque na disputa entre gigantes que atuam no ciberespaço. O Yahoo, foi das primeiras,
De repente, numa atitude bizarra e leviana, a empresa se envolve com a polícia chinesa para levar à prisão e posterior condenação os chineses Shi Tao (condenado em abril de 2005 a pena de 10 anos) e Wang Xiaoning acusado de ter publicado nos jornais e distribuído por e-mail, entre os anos 2000 e 2002, artigos a favor da democracia, condenado em setembro de 2003 a 10 anos de prisão e dois anos de privação dos direitos cívicos e Li Zhi, igualmente perseguido por informações concedidas a polícia chinesa pela mega empresa californiana. 
O curioso desses episódios é que esses jornalistas optaram por usar o Yahoo! por acreditarem que essa companhia lhes asseguraria, mais que as empresas locais, o caráter confidencial de suas comunicações eletrônicas.
Sabemos que muitos países suprimem a liberdade de expressão on line. No seu artigo, Ben Edelman (post abaixo) nos revela algumas formas de interceptação e procedimentos veladores das comunicações on line realizadas por alguns governos e companhias. 
Além disso o site Repórteres sem Fronteiras, nos informa quais governos praticam, assumidamente ou não, a censura na Internet.
É fato que o colaboracionismo não é uma novidade.
Diante dessa constatação muitos perguntam: Então, por que o colaboracionismo 'on line' praticado pelo Yahoo! tornou-se uma vergonha global?
Dois aspectos contraditórios tornam a discussão sobre o controle ou censura na Internet um tema complexo. Lamentavelmente poucas pessoas, comparando-se o número de usuários da Internet, tem uma opinião formada sobre o assunto.
Eu fiquei surpreendido que o grande volume de protestos na manifestação global on line - 24 h contra a censura – represente muito pouco, se comparado aos milhões de usuários da rede.
Os serviços de mensagem eletrônica são o foco central das preocupações sobre o controle da Internet. É inegável que muitos pais de família se angustiam diante da impotência em conter o enorme volume de oferta de sexo, violência, pedofilia e etc... disponibilizado na rede. Para esses pais as tecnologias disponíveis para controle do acesso a seus PCs de mensagens nocivas não lhes aporta segurança. Suas explicáveis preocupações encontram eco nas reclamações dos usuários que amargam prejuízos com as ações dos hackers que invadem os sistemas empresariais e domésticos,roubam informações, danificam arquivos e em casos mais graves destroem o cerne da maquina. 
Além disso, existem aqueles que se sentem ameaçados por mensagens anônimas e outros aborrecidos pela quantidade de spams que trafegam na rede e reclamam que as barreiras eletrônicas não conseguem excluir. 
Mensagens mal intencionadas, outras indesejáveis sobre produtos de toda natureza podem tornar o cotidiano do internauta uma chatura. Aproveitando-se disso, alguns governantes mal intencionados, usam seus serviços de inteligência para disseminarem a opinião de que a Internet livre é uma 'ameaça' -  caminho seguro para implantação de estratégias terroristas em escala global. 
Somando todos os itens podemos vislumbrar um fantasma assustador que justifica, numa certa medida, a paranóia generalizada, que vislumbra como positiva uma intervenção do bem (sic) na rede.
Mesmo desconfiando das ambições políticas e econômicas das autoridades, ao constatarem que as propostas dos politicos pouco contemplam o interesse publico, muitas pessoas preferem não se aprofundar nas complicações relativas a manutenção das garantias da liberdade de expressão e se sentem mais confortáveis quando isentos de responsabilidade delegam o poder de censura aos órgãos de Estado.
Contudo, é bom lembrar que o controle, por governos ou empresas, do ciberespaço incidirá no desaparecimento das garantias contra a violação da privacidade de todos  indivíduos. 
O surgimento da Internet difundiu pelo o imaginário mundial a idéia de que é possível a troca não tutelada, por organismos públicos ou privados, de experiências entre os povos. Essa nova forma de comunicação oferece as condições para a difusão de informações livres. Por não dispor limites à dimensão ou a natureza das informações, como os praticados pelos veículos da imprensa, nem impedir a difusão de matérias religiosas, morais ou ideológicas, muitos a consideram uma força inigualável de aproximação entre ideias e pessoas das mais distantes regiões do planeta. 
A Internet inspirou e inspira muitas pessoas a expressarem suas ideias sobre o assunto que mais lhes interessam. É claro que tais condições propiciam as mais variadas formas de difusão de dados sem qualquer tipo de registro ou fonte original. Isso pode parecer para muitas pessoas que a internet propicia o aliciamento e por isso mesmo é perigosa. 
Porém, nem o mais modesto dos seres imaginaria que tal fluxo seria capaz de detonar conflitos armados ou tornar o mundo da noite para o dia mais justo ou mesmo que a internet é o ambiente propício ao florescimento de consciências. O que a Internet faz é permitir que ideias e opiniões contidas e restritas a poucos indivíduos, comunidades ou organizações próximas ou distantes possam alcançar um interlocutor ou interlocutores interessados em trocas diversas. 
Entretanto, foi esse fenômeno, desprovido de riscos iminentes contra o todo social, que se tornou uma ferramenta tão ameaçadora quanto às armas atômicas, controladas pelas agências internacionais e pelo olhar zeloso dos governos que dispõe de grande arsenal nuclear. Por isso, e, por nada mais além disso, os governantes autoritários insistem em controlá-la.
Controlar a opinião dos cidadãos é o desejo de todo tirano. 
De fato. A tirania é tão antiga quanto à prostituição. Exatamente por isso evitei questionar os regimes autoritários que ainda submetem seus povos a opressão.
Meu interesse é somente refletir sobre o extraordinário feito do Yahoo!Quer dizer: deduzir o que levou uma conceituada companhia, detentora de milhões de usuários se envolver em práticas de censura e repressão tão antigas quanto nefasta e que transcendem aos domínios da política local. 
O 'affair' Yahoo! suplantou as fronteiras regionais e lançou a empresa num mar de suspeições em escala global.
Nesse episódio pouco interessa o que o regime  autoritário chinês exigia da empresa.
O que é relevante é porque o Yahoo! se prestou ao serviço. 
Diante dos fatos uma pergunta se impõe: o que levou a companhia a colaborar, de maneira tão deslavada e facilmente identificável, com a repressão policial chinesa aos dissidentes locais?
É pouco provável que a diretoria do Yahoo! não soubesse, em detalhes, os motivos que levaram o governo chinês a retalhar o Google em setembro 2002 e as conseqüências desse ato na comunidade virtual. 
Se o governo local não dispõe de ferramentas tecnológicas capazes de interceptar mensagens on line, por que a gigante da nova mídia mundial se prestou a fazer o serviço?
Dinheiro?Domínio? Medo?
Suponhamos, como em um roteiro cinematográfico, que o presidente da empresa estivesse sendo ameaçado por agentes do terror estatal ou que um membro de sua família estivesse prisioneiro de órgãos de segurança, sofrendo das mais acintosas formas de tortura.
Ainda que tais argumentos sejam muito comuns em filmes, não se justifica e, muito menos, retira a responsabilidade da empresa no caso das prisões dos usuários com a conivência de um provedor no qual confiaram seus dados.
O que é mais mais provável é que a companhia tenha sido presa fácil de uma estratégia que transita em alguns governos do mundo e que almejam desestabilizar a confiança dos internautas nos sistemas de mensagens on line. 
Uma espécie de ação pedagógica coerciva, que visa difundir, a nível global, o descrédito quanto à segurança e a privacidade dos canais de comunicação on line.
Agindo como agiu o Yahoo! nos revelou, mais uma vez, o quanto a desmesurada ambição torna vulneráveis, perniciosas e nefastas as ideias excêntricas e oportunistas dos alunos mais espertos da sala.


Adriano de Aquino.Novembro de 2006

terça-feira, novembro 07, 2006

Em Defesa da Liberdade de Expressão on line

Vergonha Yahoo !












(Jerry Yang - photo AFP)
Dedicamos toda nossa energia a serviço dos nossos usuários.
Sem eles, não teríamos mais negócio

Jerry Yang, fundador do
Yahoo!
14/11/2006




Para Shi Tao,usuário da rede,preso pela policia politica chinesa municiada de informações sobre suas correspondências privadas restou apenas a  pergunta: que energia usou o Yahoo! para defendê-lo?
Os comunicados de Repórteres sem Fronteiras ao Yahoo! sobre os quatro ciber dissidentes chineses presos com a colaboração da empresa americana permanecem sem respostas. Repórteres sem Fronteiras encaminhou à sede do Yahoo! as mensagens vídeos dos parentes de Shi Tao e Li Zhi. O jornalista chinês Shi Tao foi condenado a dez anos de prisão com base em informações fornecidas por Yahoo! Hong-Kong. Um segundo cyber dissidente foi condenado com base em informações fornecidas por Yahoo! e o veredicto do cyber dissidente Li Zhi confirma a colaboração da companhia em sua prisão.
Repórter sem Fronteiras testam também a auto censura dos motores de pesquisa: Yahoo! e interpelou catorze chefes de empresas sobre a sua política comercial no sector Internet.Repórteres sem Fronteiras informa também que 25 fundos de investimento e gabinetes de análise financeira comprometem-se a supervisionar as atividades das empresas do sector da Internet nos países repressivos. É necessário enquadrar as atividades das empresas do sector da Internet de modo que respeitem a liberdade de expressão.

http://www.rsf.org/24h

International 8.11.2006
"24 horas contra a censura" : 17 000 pessoas votaram contra os inimigos d’Internet Os internautas se mobilizaram massivamente no site de Repórteres sem Fronteiras para protestar contra a censura na Internet. A associação organizou ontem manifestações simbólicas nas ruas de Paris e New York. A webpage da mobilização-recebeu mais de 100 000 visitas en 24h – Informamos que a campanha continuara accessível ainda alguns dias para que os internautas continuem postando mensagens.


Após as 11 horas da manhã do dia 7 de novembro o apelo de Repórteres sem Fronteiras recebeu o apoio de mais de 10.000 pessoas no site da organização para denunciar os 13 inimigos da Internet e fazer recuar a censura.
>200 pessoas deixaram sua mensagem de voz a ser dirigida para o fundador do Yahoo! Estigmatizando a cumplicidade da companhia com as autoridades chinesas que findou com a prisão de cyberdissidentes naquele país.

>Nova York/caminhões percorreram as ruas da cidade exibindo grandes cartazes que apresentavam A carta dos Buracos Negros da Internet,
>Paris/ Repórteres Sem Fronteiras organizou nessa terça 7 de novembro uma projeção gigante sobre monumentos da cidade. Diante da imprensa e do publico a Carta do Mundo Censurado da Internet foi afixada sobre a fachada da estação de Saint Lazare, sobre o muro da sede francesa do Yahoo! e na Opera Bastille.
O site Repórteres sem Fronteiras inicia hoje uma plataforma de blogs . Criando seu blog no rsfblog você ajudara essa organização a dar suporte aos internautas privados da liberdade por terem exprimido o que pensam na web.

Internet sob Controle
As coisas não são o que parecem


Ben Edelman


Controlar a Internet envolve complexos fatores. A filtragem da Internet não é um fato novo. Repórteres sem Fronteiras constatou um espetacular aumento de filtragem na Internet durante os cinco últimos anos. Com a ajuda de tecnologias como o bloqueio de IP por router e, mais recentemente, o redirecionamento DNS, os governos descobriram que podiam bloquear os conteúdos da Web que lhes desagradem, beneficiando, por outro lado, os que consideram vantajosos. Internautas que se familiarizaram com a filtragem crescente rapidamente perceberam como os censores operam e lhes atribui a responsabilidade das restrições que hoje ocorrem na Internet.
Os acontecimentos recentes mostram, contudo, que a situação não cessa de evoluir e que, longe de dissipar,a confusão parece, pelo contrário, aumentar.
A filtragem da Internet por muito tempo tem quebrado as noções clássicas de transparência regulamentar. É inútil um internauta tentar acessar na Tailândia, por exemplo, sítios eletrônicos sobre política, jogo ou pornografia. Lá eles parecem não existir. É bem possível que não existam graças às tecnologias de bloqueio como a filtragem IP. Caso existam, ele também não saberá pois não verá nenhuma advertência que indique:"Este conteúdo é bloqueado por ordem do ministério das Tecnologias da Informação e das Comunicações”.Entretanto, o navegador web verá afixado " host not found "ou" conexão fora do ar ". Estas mensagens nos fazem pensar que o servidor ou a rede estão com avaria. Com efeito, tudo se passa exatamente como os censores previram: o sítio funciona muito bem, porém, é impossível acessar. Internautas sofisticados habituaram-se a estes estratagemas e se adaptaram. Num país como a Tailândia, a mensagem "host not found" não deve ser levada ao pé da letra. Por conseguinte, as mensagens de erro pré-textuais dos filtros tornam-se menos enganosas ao longo do tempo. No entanto, os novos métodos de filtragem que fizeram o seu aparecimento durante o ano passado são, intencional ou não, consideravelmente mais opacos. Tentem utilizar o Google na China: a maior parte das tentativas serão exitosas, o que constitui uma melhoria muito apreciável em relação à semana de Setembro de 2002, quando a China bloqueou o Google na sua totalidade. Em contrapartida, iniciem hoje uma pesquisa sobre um tema político chinês controverso e o Google cessará de funcionar durante cerca de meia hora. O que pensaria?
Certos analistas ocidentais se interrogaram: seria isso resultado de um conluio entre o Google e o governo chinês. que exigiu que se instaurasse uma filtragem precisa e subtil, que não seria viável sem a cooperação do Google? Eles concluíram que tudo indica que não, que nesse caso o Google é inocente. O que ocorre é que a China aplicou um sistema de filtragem orientado mais apurado que os métodos utilizados anteriormente. Ainda mais subtis são os “espelhos alterados” às vezes empregados no Uzbequistão. Em vez de simplesmente bloquear o acesso aos sítios dos dissidentes políticos, as autoridades ouzbèkes copiam os sítios controversos e seguidamente os alteram a fim de minar ou enfraquecer as tomadas de posição proibidas. A etapa chave acontece quando um internauta usbeques acede a estes sítios: recebem então, automaticamente, cópias falsificadas. Este tipo de manipulação é detectado por um perito, mas é extremamente difícil de detectar por um internauta. Não são todos os paises que estão agregados às noções de liberdade de expressão e a imprensa livre. Alguns o rejeitam explicitamente como é o caso da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, por exemplo, que admitem abertamente praticar a filtragem na Internet e parecem mesmo orgulhosos disso. No entanto, a Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas faz do acesso à informação um direito inegável, que a China, a Tailândia, o Uzbequistão e outros deveriam reconhecer. Contudo, o fato de não dissimularem suas convicções para filtrar Internet e confessarem que impedem seus cidadãos de aceder à informação, nos mostra que os países do Médio Oriente agem o mais abertamente possível e se acham no direito de faze-lo, ao contrario dos países que se utilizam da filtragem secreta, que é uma confissão tácita de culpa, porque, se estes métodos fossem lícitos, seria inútil esconder-los. Ao curso dos anos deveríamos pedir maior transparência da parte dos governos. Deveríamos exigir que os Estados reconhecessem intervir na Internet e assumissem publicamente as conseqüências dos seus atos.
Ben Edelman é pesquisador sobre filtragem na Internet /doutor em Economia em Harvard, estuda direito na Harvard Law School e desenvolve investigações sobre a análise empírica das normas e regulamentos da Internet, nomes de domínio, filtragem e "softwares" espiões.






Essa manifestação protesta contra as ações do Yahoo!
Por que?
Porque essa companhia foi a primeira a aceitar censurar seu serviço de busca para agradar as autoridades chinesas. A gigante californiana colabora com a policia chinesa na prisão de dissidentes e reporteres independantes. O jornalista Shi Tao , por exemplo, foi condenado a 10 anos de prisão a partir da base de informações fornecidas pelo Yahoo ! que abrigava sua caixa postal.






domingo, novembro 05, 2006

BIENAL DO MERCOSUL: Margem ou Via ?




Na seção Fórum de 19/06/2006 o site Arte Cidadania perguntou: Curador pra quê?
Existe liberdade artística num ambiente dominado por curadores e galerias comerciais? O curador tem contribuído para ampliar os horizontes da arte? É possível existir independência no processo curatorial?
http://www.artecidadania.org.br/
Para Angélica de Moraes: O Fórum desta semana coloca questões tão antiguinhas, ultrapassadas... Discutir a validade da presença do curador no circuito artístico é como discutir se, no teatro, deve haver diretor... Mais adiante afirma que: O curador existe onde o circuito de arte amadurece e se profissionaliza... E quanto à liberdade artística, caríssimos, sempre haverá. Ela não depende do curador e sim do artista. Este, em diálogo maduro e adulto com o curador, é que estabelece a melhor situação para exibir seu trabalho em uma mostra. Assim como o bom ator tem um diálogo afinado com o diretor para a peça teatral funcionar.E finaliza dizendo: Simple like that.
É comum pensarmos que a liberdade criativa, ou se preferirem, artística, é de inteira responsabilidade do artista, talvez por isso, esqueçamos de descrever o que entendemos como liberdade artística diante das redefinições intermitentes de conceitos e valores do mundo contemporâneo. Para falar apenas sobre dois aspectos, possivelmente os mais críticos, é bom que tenhamos em mente as transformações produzidas pela cultura da nova economia e o papel da mídia no mundo atual. Muitos podem achar que as mudanças não atingem todas as formas de produção. Nesse caso é inútil argumentar o contrario e certamente a discussão tenderá a se encerrar sobre o manto da intangibilidade criativa frente às forças dominantes que hoje invadem nossas vidas. Não creio que pessoas bem preparadas, que discutem as crises que abalam as artes e o pensamento da atualidade, optem pelos velhos hábitos conservadores, e neguem discutir as transformações que afligem todos os setores produtivos, apenas para preservarem uma visão restrita de liberdade criativa. As coisas não são tão simples quanto parecem. Sobretudo, para aqueles que vêem a descentralização da economia, que a tornou flexível e mais poderosa, e os novos meios tecnológicos, que trouxeram maior mobilidade para a comunicação, como importantes vetores das mudanças que passamos. Por discordar das atitudes que insistem em fechar as discussões antes mesmo de abri-las, considero fundamental revermos o conceito de liberdade e quem dela se beneficia.
Para o modernismo a liberdade era um valor imprescindível do projeto de transformação cultural e social que ambicionavam. As lutas políticas pela liberdade de expressão, os vínculos com ideologias supostamente libertarias, os confrontos entre o novo e a tradição, o emergente e o consagrado, a abertura para novas formas de percepção,etc... refletiam estratégicas que visavam, entre outras coisas, ampliar os domínios da liberdade criativa e conceder maior autonomia para a arte. Não obstante, o abandono do regime estético da modernidade, que hoje vivenciamos, surpreendeu muitos artistas que viam o modernismo como um processo sem fim. Uma síntese da critica aos modernistas, feita por artistas da atualidade, os aponta como detentores de um elevado grau de autoritarismo e responsáveis por uma ânsia pelo novo que se espalhou pelas atividades artisticas do seculo passado, sublinhada por Otavio Paz como a tradição do novo. Além disso, ironizam suas decepções frente à arte dos tempos atuais. Jacques Rancière identifica na conjuntura artística contemporânea uma critica aberta e acida aos postulados modernistas e aos artistas surpreendidos pelo abandono, como vitimas da traição do novo.
Ao se desvencilharem das regras estéticas muitos artistas contemporâneos se distanciaram dos valores concernentes à modernidade. Isso os dispensou das referencias diretas com o modernismo, como vinculação estética às causas sociais, busca por significados etc... o que os levou a conjeturarem ter conquistado um elevado grau de liberdade criativa. De fato poucos artistas parecem hoje preocupados com esse assunto. Afinal, explica-se, pois a liberdade é mais estimada quando sentimos, objetivamente, o poder da opressão. Ocorre, entretanto, que os tempos pós-modernos operam com outra lógica. Nele, as formas de atuação do mercado e do Estado encontram-se diante de novo paradigma, coisa que boa parte das pessoas informadas conhecem e que seria longo descrever. Podemos apenas sugerir que a complexidade dos sistemas atuais e a intricada rede de produtos e serviços, reais e virtuais, redimensionaram os desafios e as perspectivas de crescimento econômico, desenvolvimento cultural e social, impondo funções menos centralizadoras para o estado. A diversidade estética, os vários canais de comunicação e informação e uma liberalidade sem precedentes, levaram muitas pessoas a acreditarem estar vivendo numa época de autodeliberação individual e prosperidade. Ainda que muitos pensadores alertem que a atual situação é resultante da fragmentação dos tradicionais centros de poder, de conseqüências ainda imprevisíveis. Mesmo diante disso muitos indivíduos insistem em olhar a realidade atual apenas sobre o foco dos restritos campos de suas atividades pessoais e onde, é claro, os negócios prosperaram. Nos domínios da arte as coisas não foram diferentes.
As lutas da modernidade por um futuro onde prevaleceria uma crescente autonomia da arte, contato direto entre arte e publico, plena liberdade criativa, por que não dizer, enriquecimento do circuito de arte, hoje, frustram mais que entusiasmam quando constatamos, por exemplo, que os resultados mais aparentes do boom do mercado de arte tornaram secundarias as questões estéticas, esvaziaram de significado as transgressões artísticas, prestigiando as marcas dos indicadores econômicos, onde o preço de um determinado artista choca apenas as pessoas que ainda preservam critérios estéticos. Sintomaticamente, vimos consolidar a figura do curador nas raias da criatividade, em detrimento de suas funções técnicas especificas. Por essas e outras razões faz sentido o site Arte Cidadania perguntar: Num ambiente dominado por curadores e galerias comerciais, existe liberdade artística? Leri Farias Jr pensa que: Vivemos tempos curiosos, onde em nome do mercado, assistimos apáticos a uma inversão de valores de proporções inestimáveis...A liberdade de criação continua existindo, mas a da difusão da obra criada, nem tanto. De fato, o que dizer de um tempo que propaga a idéia de diversidade, despreza critérios estéticos, estimula a ampliação das formas de percepção, redefine as fronteiras nacionais da arte, porém, preserva a tutela nas mãos de alguns poucos especialistas, que movidos pelo afeto, gosto ou admiração, e, é claro, negócio, abrem e fecham o gargalo por onde escoará a produção, asfixiando no berço, a maior parte da criação artística contemporânea. Não seria essa uma forma silenciosa, sutil e elegante de controlar, suprimir, enfim castrar a liberdade?
Tempos atrás o Fórum Permanente de Museus realizou discussão sobre o tema: O Curador e a Instituição de Arte.
Naquela ocasião o teórico José Teixeira Coelho disse que: o curador é um crítico diplomático, pois ele faz uma seleção dentre as obras e as justifica, calando-se sobre as obras que ficaram de fora. Teixeira afirmou também que: as curadorias se fazem hoje, na maioria das vezes, no limbo das questões não feitas, que para ele seriam fundamentais. Ainda, segundo ele: o crítico, tem mais condições de trabalhar as questões mais sensíveis da obra. Entretanto, o paradigma que se tem para o crítico é o mesmo do curador, ou seja, o da falta de questionamento.
Hoje constatamos que a visão pragmática dos comerciantes e o olhar discricionário dos curadores são camadas que se sobrepõe e submetem uma parte considerável da produção estética, excluem, dificultam e confundem, a partir do pressuposto de que ampliam as oportunidades para os artistas, facilitam o entendimento do publico e o acesso aos apreciadores de arte. Além disso, a ausência de questionamentos - visto que os curadores não perguntam, apenas respondem - refletem somente suas visões sobre a arte da atualidade e eficiência executiva, que podem ser respondidas de forma mais objetiva e menos seletiva, pelos técnicos do marketing cultural. Considerando, que Antonio Albino Canelas Rubim, no seu ensaio intitulado Dos Sentidos do Marketing Cultural nos alerta ... Em terras brasileiras marketing quase passou a significar “promover visibilidade”.
Nada nos impede de pensar o mesmo sobre as curadorias que se esmeram em dar visibilidade a suas próprias idéias. No meu entender esse foi o propósito de Gabriel Pérez-Barreiro, curador da 6ª Bienal do Mercosul - que elegeu o tema, segundo ele, inspirado num conto de Guimarães Rosa A Terceira Margem do Rio - para edição dessa 6ª Bienal do Mercosul.
Numa entrevista que deu para a Folha de São Paulo podemos ler :...Questionado sobre as formas pelas quais as trajetórias em exposições monográficas relacionam-se com a metáfora da terceira margem do rio, o curador-geral respondeu: "Todos (os artistas) foram escolhidos por representar o conceito da terceira margem; a possibilidade de criar uma terceira realidade entre duas percepções opostas. No caso de Matto, é a união entre arte antiga e contemporânea (?!), no de Fahlström, é a relação entre a política e o Pop (?!) e, no de Macchi, o encontro da arte conceitual e da emoção(?!) que geram as alternativas".(?!)
No trecho supra citado o curador nos afirma que os artistas da mostra foram escolhidos por representar o conceito da terceira margem, ele só não informou quem escolheu esse conceito para ser o tema da mostra. Diante dessa lacuna é impossível identificar um diálogo maduro e adulto entre artistas e curador do qual fala Angélica de Moraes, capaz de beneficiar a mostra e ampliar os horizontes da arte. A citação de Gabriel Pérez-Barreiro é no mínimo desnecessária para os artistas que sabem que a natureza da obra de arte é estar sempre, permanentemente, numa... espécie de entrelugar... embora isso não os torne difusores de códigos numéricos de realidades, sabem que centrados em suas propostas estéticas e...sondando o ir e vir da canoa, que sobrenada o rio margeado, aqui, inevitável e paradoxalmente, por três margens.Para entrar no rio será preciso, além do remo e da canoa, certa coragem e silêncio contemplativo, porque, deixada a terra, a escuta é dirigida para a voz e os ruídos de dentro. O que é possível fazer sentado dentro de uma canoa, exposto a todas as intempéries do tempo, senão escutar?Iolanda Cristina dos Santos in: MEMÓRIA E CONTEMPLAÇÃO EM A TERCEIRA MARGEM DO RIO -
http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/encontro/IOLANDA%20CRISTINA%20DOS%20SANTOS%20-%20MEM%D3RIA%20E%20CONTEMPLA%C7%C3O%20EM%20A%20T.doc
Em outro trecho da entrevista para FSP Gabriel Pérez-Barreiro diz:... a possibilidade de a cultura criar um terceiro espaço onde antes parecia haver dois, ou seja, a imagem tomada do conto de Guimarães Rosa seria a de um lugar independente, a partir do qual o sujeito pode romper binômios limitadores de sua realidade, como o da oposição direita e esquerda.
Essas declarações nos incitam a estabelecer paralelos mais sólidos entre as intenções do curador com a teoria política do primeiro-ministro Tony Blair que com o conto de Guimarães Rosa, visto que a obviedade dos seus propósitos deslocou a Terceira Margem do Rio para um lugar independente (?) ou melhor, uma Via. E, como num passe de mágica, ensaiou reduzir o titulo do conto à categoria de slogan publicitário ao desprezar a intensidade dramatica de uma narrativa que penetra ...o mistério [que] não é para ser desvelado, senão como gerador de outros mistérios. in. Iolanda Cristina dos Santos/acima citado.
Por outro lado, esse equívoco nos permite entrever suas intenções de atuar, objetivamente, na fronteira política entre arte e publico e reflete aspetos da teoria da Terceira Via de Anthony Giddens, diretor da prestigiada London School of Economics e, segundo alguns, mentor intelectual do primeiro ministro Blair. Giddens, após seu livro Para Além da Esquerda e da Direita, publicou A Terceira Via. Curiosamente, Pérez – Barreiro, em sua entrevista ao jornal FSP colocou, na ordem inversa, os temas centrais dos dois mais celebres livros de Giddens. Coincidências? Ou apenas semelhanças com as definições, vagas e imprecisas, de um novo modelo político - terceira via – um mix de fundamentos da práxis marxista , liberalismo(neo) e mercado a ser experimentado em sociedades democráticas. Muitas criticas já foram feitas sobre os aspectos econômicos dessa proposta e muitos cientistas políticos questionam sua implantação no setor publico pelo mundo afora, outros, a podem utilizar como tema para gerenciar atividades no setor artístico cultural, que sabemos, sofre irresistível atração por teorias calcadas em utopias políticas. As citações de Pérez se encaixam, primorosas, como respostas as duas perguntas do Fórum do Arte Cidadania. O curador tem contribuído para ampliar os horizontes da arte? É possível existir independência no processo curatorial? O curador Gabriel Pérez-Barreiro não é o primeiro e, lamentavelmente, não será o ultimo a deixar essas questões vagando no espaço, até se diluírem no ar.
Adriano de Aquino
novembro de 2006